Professores de Fortaleza usam redes sociais para mobilizar e garantir conquistas
Fortaleza foi a 1ª capital a receber o reajuste do piso 2022. Sindicato dos professores da rede municipal investiu em comunicação para criar uma rede de mobilização que tem ajudado na conquista de direitos
Publicado: 31 Março, 2022 - 08h00 | Última modificação: 31 Março, 2022 - 08h57
Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz
Fortaleza foi a primeira cidade do país a cumprir a Lei do Piso Nacional da Educação, pauta da luta das professoras e professores em todo o Brasil, que estão em greve ou fazendo atos para receber o pagamento com reajuste do piso do magistério de 2022, de 33,24%.
Mas esse pioneirismo só foi possível por causa da estratégia adotada pelas dirigentes do Sindicato União dos Trabalhadores em Educação de Fortaleza (Sindiute), focada na comunicação eletrônica, com o apoio de um enorme grupo de trabalhadores, alunos e pais, prontos para atuar nas redes sociais e pressionar as autoridades locais.
Para a presidenta do Sindiute, Ana Cristina Guilherme, o que fez a capital cearense ser a primeira a pagar o piso a organização da categoria e a permanente mobilização. Segundo ela, toda a mobilização pelo pagamento do reajuste do piso do magistério foi feita a partir das redes sociais, em especial pelo WhatsApp, além de meios de comunicação, com participação em massa dos quase 10 mil profissionais das quase 600 escolas da rede de ensino municipal, além dos próprios alunos e seus pais.
A pressão exercida sobre o prefeito José Sarto Nogueira (PDT), no período que antecedeu o início das aulas, em fevereiro deste ano, foi tão forte que fez o chefe do executivo se mexer rapidamente, disse Ana Cristina. “Dois dias antes de uma assembleia que seria realizada pela categoria, ele anunciou o reajuste determinado pela lei”, explicou.
Essa pressão, com postagens, mensagens marcações com hashtags em perfis de políticos, começou, afirma a presidenta, ainda em novembro quando houve o indicativo do índice de reajuste. “Começamos a investir nisso, em comunicação com a categoria e com os pais de alunos, falando sobre a realidade dos professores e que se não houvesse o reajuste, o ano letivo não teria início”, ela conta.
Foi o combustível para que a sociedade se mobilizasse para cobrar o poder púbico. “Houve pressão da categoria e dos pais pela solução do impasse e a pressão pelo desgaste político do prefeito, ainda mais em ano eleitoral”, diz Ana Cristina.
Para ela, essa vitória tem um “gostinho especial” para toda a categoria, já que foram anos de articulação para que a estratégia chegasse a tal nível de eficiência. Além disso, ela prossegue, “ter um reajuste como esse é como se todos os meses os professores tivessem um abono de férias. E não é fácil conquistar um reajuste assim na conjuntura que vivemos.
E a dirigente, mais uma vez, credita a vitória à estratégia de comunicação, com informação real e imediata, capaz de “em uma hora, por exemplo, mobilizar toda a categoria”.
Ferramentas
Para contar sobre a estratégia atual de mobilização da categoria, Ana Cristina volta oito anos no tempo, quando os primeiros passos foram dados. A direção do Sindicato União dos Trabalhadores em Educação da cidade (SindiUte), filiado à CUT, passou a entender que a tecnologia e a comunicação seriam os fios condutores de qualquer ação de mobilização.
“Tínhamos que nos preparar para um tempo em que não haveria mais visitas aos locais de trabalho. Por mais que isso seja necessário, é impossível estar nas 600 unidades escolares para organizar uma mobilização. Você tem que conversar com os trabalhadores em horários diferentes e isso leva tempo. A gente demoraria um ano para fazer uma mobilização com participação total da categoria, o que hoje é feito de forma imediata”, explica dirigente reforçando o tão exigido dinamismo da informação nos dias de hoje.
Por isso – e tratada como prioridade para o sindicato - a comunicação recebe cerca de 30% da arrecadação total da entidade. O resultado prático, segundo Ana Cristina, é a categoria participando das atividades e decisões do sindicato, ativamente.
“Aqui, temos cerca de 97% categoria sindicalizada. Tanto os professores como a própria sociedade passaram a entender o papel do sindicato na defesa dos trabalhadores e participar das lutas”, ela conta.
“Nossa categoria criou uma confiança e cumplicidade grande. Eles estão vendo que a contribuição está sendo investida em ganhos. Todos têm noção do quanto significa o investimento em comunicação e há uma resposta positiva”, diz a dirigente.
“As filiações só aumentam e a expectativa é de que este ano, 100% da categoria esteja filiada”, acrescenta.
Será uma resposta de que estamos no caminho certo, de que estamos na disputa de narrativa e publicitária com as mesmas forças dos opositores
Motores
Ponto importante para a estratégia é a linguagem e material humano utilizados para que a experiência de mobilização seja exitosa. O sindicato investiu em mão de obra especializada em comunicação para fazer parte da equipe que impulsiona as ações.
“Temos profissionais especializados em redes sociais, em jornalismo, em lives para as redes sociais e uma empresa de consultoria em comunicação que fala nossa língua [da esquerda brasileira, dos trabalhadores], que são fundamentais. Nosso jornalista, por exemplo, é presidente de um sindicato, ou seja, é gente nossa, fazendo comunicação para a sociedade”, ela afirma.
O investimento em comunicação e em profissionais é fundamental, ela reforça.
É motivo de comemoração a compreensão de que precisamos dos profissionais de comunicação. Comunicação é poder e se as pessoas não entenderem isso, a luta não funciona. E, no geral, essa compreensão precisa sair do discurso. É preciso investir, de fato
Reflexo na sociedade
A formação política também faz parte da atuação do sindicato que, além de manter uma escola de formação, periodicamente realiza atividades como congressos e encontros que trazem personalidades para dialogar com professores e professoras, criar novas consciências na categoria, e multiplicar conhecimentos sobre o papel de cada um na sociedade.
A partir disso e da participação de pais e alunos nas redes do sindicato, avalia Ana Cristina, é possível formas uma nova consciência de classe, “onde os trabalhadores entendam que detêm o poder, tenham consciência da desigualdade que vivemos e de que é possível mudar esse mundo”.
E campanhas pontuais são realizadas para auxiliar nessa estratégia de politização. Exemplo recente foi, aos mesmo moldes de mensagens de personalidades do meio artístico, a ação de professores que gravaram vídeos para seus alunos, incentivando-os a tirarem o título de eleitor e votar conscientemente nas próximas eleições, com o olhar da classe trabalhadora.
E campanhas assim, explica a presidente do Sindiute-Fortaleza, ganham visibilidade à medida em que são trabalhadas nas redes sociais da entidade. Somente no Facebook, o sindicato tem cerca de 14,5 mil seguidores, número superior ao total de professores da base, o que indica que a sociedade também participa da vida do sindicato.
Ao citar que o sindicato ‘ocupa os espaços’ de comunicação para fazer valer sua palavra, Ana Cristina Guilherme, afirma que governos passaram a respeitar mais a entidade dada a força de sua mobilização. “Eles sabem que somos fortes”, diz a dirigente.
Pautas
Além da conquista do pagamento do reajuste do piso do magistério, mais outros quatro pontos de pauta ainda fazem parte da luta dos professores. Um deles, a realização de concursos públicos deve ser anunciada em breve, de acordo com a dirigente. Nos próximos meses, a mobilização pressionará por direitos aos professores aposentados que tiveram prejuízos com a reforma da previdência e o pagamento dos precatórios do Fundeb, luta que envolve a categoria em nível nacional.