Escrito por: CUT-RS

Projeto de liquidação da Ceitec pode acobertar possível corrupção em passaportes

Empresa privada que venceu licitação utiliza um chip para passaportes fabricado por uma terceirizada. A escolha coloca o processo sob suspeita e levanta a possibilidade de corrupção

Ceitec / Divulgação

O projeto do governo de Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, de liquidar o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) pode acobertar o estranho caso da contratação de chips por parte da Casa da Moeda do Brasil para a emissão de passaportes.

Localizada em Porto Alegre e fundada no governo Lula (PT), em 2008, o Ceitec nasceu com o objetivo de se tornar uma empresa estratégica no desenvolvimento tecnológico e industrial do Brasil. É a única empresa da América Latina que atua na produção de chips e semicondutores, utilizados na fabricação de componentes eletrônicos. A pandemia e as mudanças climáticas vêm reduzindo a oferta desses insumos no mundo todo, impactando até no ritmo de produção de automóveis.

Escolha sob suspeita na Casa da Moeda

Uma das soluções desenvolvidas pela empresa foi preterida em 2017, no governo ilegítimo de Michel Temer (MDB). Numa disputa para ser a fornecedora dos chips usados nos passaportes brasileiros, a escolhida pela Casa da Moeda do Brasil não foi a proposta da Ceitec, mesmo sendo a mais barata e segura.

Foi vencedora a empresa privada Fedrigoni Brasil Papéis, que utiliza um chip fabricado por uma empresa terceirizada. A escolha coloca o processo sob suspeita e levanta a possibilidade de corrupção.

Conforme reportagem do GGN desta semana, o projeto da estatal brasileira para os passaportes, em termos de segurança, que se chamava CTC21001, contava com um software que possuía a certificação Common Criteria, um atestado internacional que avalia todas as etapas de desenvolvimento de um produto.

Essa certificação é muito importante, já que se baseia em uma série de testes rigorosos realizados durante quase um ano – no caso do CTC21001, eles foram feitos entre os anos de 2016 e 2017 –, além do fato de que apenas sete outros produtos no planeta contam com ela.

Isso comprova a qualidade da solução apresentada pela CEITEC, e também sua viabilidade para ser usada nos passaportes brasileiros e até para ser oferecida a outros países do mundo.

Já a solução entregue pela Fedrigoni, escolhida pela Casa da Moeda, não possui essa certificação internacional de segurança.

Em diferentes ocasiões, a Casa da Moeda reagiu às suspeitas sobre os questionamentos às suas decisões, afirmando que a entidade não adquire o chip isoladamente, mas sim a capa do passaporte já contendo o chip homologado, segundo as exigências e os requisitos técnicos.

O argumento da Casa da Moeda foi desmentido pela associação de funcionários da Ceitec (Acceitec). Para a entidade, “a Ceitec possui provas de que a solução apresentada foi testada e cumpriu com os requisitos mínimos da Casa da Moeda”.

Os técnicos da Ceitec também ressaltam que “a Casa da Moeda usa esse argumento para descaracterizar a solução da Ceitec, com a alegação de que que está comprando capas de passaporte e não chips de passaporte. A verdade é que a Ceitec desenvolveu uma solução que inclui capa, chip e software, e esse conjunto custaria mais barato do que o produto comprado pela Casa da Moeda”.

Sucateamento com Temer

A proposta apresentada pela Ceitec foi fruto de um investimento de R$ 31 milhões para o desenvolvimento de uma solução que incluísse chip e software usados na confecção das capas dos passaportes brasileiros, o que foi parte de um convênio de cooperação técnica entre a Ceitec e a Casa da Moeda realizado em 2012, ou seja, durante o governo Dilma Rousseff (PT).

O enfraquecimento dessa cooperação começou após o golpe de 2016 e a chegada ao poder do presidente ilegítimo Michel Temer (MDB), quando os projetos apresentados ou desenvolvidos pela Ceitec passaram a contar com menos apoio governamental.

Paralelamente, a Fedrigoni passou a ser uma das empresas que mais conseguia novos acordos com o governo federal. A CGU (Controladoria Geral da União) detectou já em 2017 um aumento no volume de compras governamentais deste fornecedor, que passou a figurar entre os três maiores provedores da Casa da Moeda naquele ano.

Documentos revelados pelo GGN mostram o grande número de contratos da Casa da Moeda com a Fedrigoni em processos que não exigiram licitação, situação que está “insuficientemente justificada”, segundo o parecer da CGU.

Liquidação com Bolsonaro e Guedes

A situação da Ceitec ficou ainda mais difícil com a chegada ao poder do governo Jair Bolsonaro (PL). O contrato mais recente da empresa com o governo federal é de maio de 2019 para “aquisição de papéis filigranados e resinados” para a Casa da Moeda, no valor de R$ 89 milhões sem exigência de licitação.

Além disso, foi no atual governo que surgiram algumas coincidências a respeito dos contratos com a Fedrigoni e figuras relacionadas ao projeto de extinção promovido pelo ministro da Economia.

A Ceitec foi um dos primeiros alvos do processo de ataque às empresas públicas iniciado por Paulo Guedes. Um dos primeiros cargos criados pelo ministro para essa missão foi o Secretário Especial de Desestatização, cargo que foi ocupado primeiramente por Salim Mattar, empresário ligado à Localiza, a maior empresa de aluguel de carros do Brasil.

Ele se afastou da empresa para assumir o posto, deixando-a sob os cuidados de seu irmão, Eugenio Mattar, e desde então a Localiza passou a figurar entre as empresas que mais recebem recursos em contratos da União, segundo levantamento da Revista Piauí a partir de relatórios da CGU.

A coincidência envolvendo Mattar e o caso específico da liquidação da Ceitec está relacionada ao fato de que o agora ex-secretário (Mattar deixou o cargo em agosto de 2020) possui um vínculo familiar com Michel Jacques Giordani, um dos sócios da Fedrigoni no Brasil: o empresário é padrasto das sobrinhas de Mattar.

No dia seguinte após o CPPI (Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos) aprovar o projeto de liquidação da Ceitec, Mattar comemorou, com uma mensagem publicada em sua conta de Twitter, dizendo que “a Ceitec é a primeira estatal a ser liquidada. Isso significa menos uma estatal que só onerava o cidadão pagador de impostos”.

TCU suspende processo de liquidação

No entanto, em setembro de 2021, uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) interrompeu o processo de extinção da empresa, que se encontra suspenso até hoje. No próprio website da empresa, aparece o nome “CEITEC EM LIQUIDAÇÃO”.

Além disso, tramita no Senado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 558/2020, que “susta os efeitos do Decreto nº 10.578, de 15 de dezembro de 2020, que dispõe sobre a dissolução societária do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. e a publicização das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica”.

O projeto é de autoria dos senadores Jaques Wagner (PT/BA), Jean Paul Prates (PT/RN), Zenaide Maia (PROS/RN), Paulo Paim (PT/RS) e Humberto Costa (PT/PE).

Segundo a associação dos funcionários, a Ceitec “é importante porque a microeletrônica é estratégica, está em toda a atividade econômica e de segurança civil e militar atualmente, e o Brasil não tem domínio dessa tecnologia. Nenhuma outra empresa no Brasil faz o que a Ceitec faz ou tem a infraestrutura que a Ceitec tem”.

O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Edvaldo Muniz, salienta que, "enquanto países do mundo inteiro criam estratégias utilizando subsídios públicos para investir em semicondutores, aqui depois de muitos investimentos e de parcerias com setores empresariais e universidades, o governo Bolsonaro quer tirar o Brasil do seleto grupo mundial de produtores de Chips, o que é um retrocesso inaceitável."

 *Com informações do GGN