“Projeto de morte”, diz Apib sobre PL que autoriza mineração em terras indígenas
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil afirma que projeto fere autonomia e libera “invasão dos territórios”
Publicado: 07 Fevereiro, 2020 - 11h02
Escrito por: Lu Sudré, do Brasil de Fato
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudiou, em nota, o Projeto de Lei (PL) nº 191, que regulamenta a realização de pesquisas, exploração de minérios e construção de hidrelétricas em terras indígenas.
Ao entregar o PL ao Congresso Nacional, nessa quinta-feira (6), Jair Bolsonaro se referiu à medida como um “sonho”. “Espero que esse sonho, pelas mãos do Bento [Albuquerque, ministro de Minas e Energia] e os votos dos parlamentares, se concretize. O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades e é tão brasileiro quanto nós”, declarou.
Durante o anúncio da proposição, Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, afirmou que a medida representa uma “autonomia” aos povos indígenas.
Para a Apib, o projeto materializa o discurso de ódio e o racismo visceral demonstrado pela gestão Bolsonaro desde o primeiro dia de governo e institucionaliza a invasão das terras indígenas.
“Denunciamos a manipulação que o governo Bolsonaro faz do nosso direito à autonomia e repudiamos esse projeto de morte que a qualquer custo quer implantar nos territórios indígenas, com impactos irreversíveis particularmente sobre povos indígenas isolados e de recente contato”, diz a nota.
Para os indígenas, o PL está "maquilhado de falsas boas intenções que induzem à cooptação e divisão dos povos, tergiversando o real sentido da autonomia". Eles apontam que o projeto autoriza também "a invasão dos territórios indígenas por meio de outros empreendimentos tais como a agricultura extensiva, a pecuária e outros empreendimentos predatórios”.
Segundo avalia a articulação, o “sonho” de Bolsonaro atende interesses econômicos que impulsionaram sua candidatura e sustentam o governo, implicando no total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura direitos fundamentais dos indígenas.
Entre eles, a ocupação tradicional das terras, o direito de posse e usufruto exclusivo, o direito à consulta, assim como o “consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem".
Autorização
De acordo com a Constituição Federal, as atividades defendidas pelo PL só podem ocorrer em terras indígenas mediante autorização do Congresso Nacional, via decreto legislativo, e consulta às comunidades.
A proposta estabelece como critério o pagamento para as comunidades indígenas afetadas, que ao serem consultadas terão poder de veto apenas em relação às atividades de garimpo. Quanto à exploração energética, entretanto, os indígenas serão apenas consultados previamente.
No texto divulgado, a Apib condenou ainda outros momentos da fala de Bolsonaro. “A vil afirmação de que ‘O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades' repete o etnocentrismo dos invasores europeus, que há mais de 500 anos massacraram milhões de irmãos nossos, prática que nos tempos atuais configura crime racial inafiançável.”
Não é a primeira vez que Bolsonaro profere uma declaração do tipo. No último dia 24, a articulação já havia protocolado uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro pelo crime de racismo. Em vídeo publicado nas redes sociais no dia anterior, o capitão reformado defendeu que comunidades indígenas se integrem ao restante da sociedade e afirmou que “cada vez mais o índio está evoluindo" e se tornando um "ser humano igual a nós".
Em resposta ao PL, a bancada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou um ofício ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, na tarde de quinta-feira (6), solicitando a imediata devolução do projeto ao Executivo. A recondução é permitida quando a proposta é “evidentemente inconstitucional”, argumento que baseia a ação do partido.