Projeto do Senado prevê precarização do trabalho para motoristas de aplicativos
Proposta é de regulamentação pela CLT, mas sob o contrato intermitente, criado na reforma Trabalhista de Temer, que não garante nem direitos nem renda aos trabalhadores
Publicado: 13 Setembro, 2021 - 08h30 | Última modificação: 13 Setembro, 2021 - 09h38
Escrito por: Andre Accarini
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 3.055/21, que propõe regulamentar pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) as relações entre motoristas de aplicativos e as empresas como Uber, 99 Taxi e Cabify.
De acordo com a proposta, os trabalhadores seriam contratados pelo regime de “trabalho intermitente”, criado pela reforma Trabalhista do ilegítimo Michel de Temer (MDB) que, como disse a CUT na época, regulamentou o bico. O trabalho intermitente não garante nem direitos nem renda aos trabalhadores e eles podem ganhar menos de um salário mínimo por mês, dependendo de quantos dias os patrões os convocam para trabalhar.
O texto do projeto “beneficiaria’ ainda condutores de veículos para entrega de bens de consumo, como alimentos.
No texto, o autor do projeto, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), argumenta que a proposta é a de “enunciar direitos e proteger aqueles trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas digitais, tanto aquelas que são voltadas para o transporte individual de passageiros, como Uber, Cabify, 99, Buser e outras, quanto as dedicadas à entrega de bens de consumo, como iFood, Rappi e Loggi, entre outras".
O secretário de Relações do Trabalho da CUT, Ari Aloraldo Nascimento, criticou a proposta por não garantir os direitos dos trabalhadores, não pensar no momento que a categoria está vivendo, nem tampouco ser debatida com a sociedade, em especial com os trabalhadores que sabem de suas necessidades e anseios e lutam por direitos.
“Em uma conjuntura em que muitos motoristas de aplicativos estão abandonando a atividade por causa dos altos preços dos combustíveis, que inviabilizam continuar prestando o serviço, propostas de regulamentação têm de ser elaboradas com o propósito de proteger e criar condições de trabalho, não de precarizar”, diz Ari Aloraldo.
A forma de contratação “intermitente”, empurrada goela abaixo dos trabalhadores depois do golpe de 2016 que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, nada mais é do que legalizar o trabalho precário, afirma o secretário, ressaltando que o trabalhador recebe por hora trabalhada, fica à disposição do patrão, não consegue se programar em outras atividades e, pior de tudo, pode ter salário inferior ao piso nacional.
“Não é através do trabalho intermitente, que criou a legalização do bico no nosso país, que se garante trabalho, renda e vida dignas a esta parcela da classe trabalhadora. É com a garantia de todos os direitos e conquistas trabalhistas, tais como férias remuneradas, descanso semanal remunerado, piso da categoria, adicional de hora extra, medidas de saúde e segurança, negociação coletiva, reajuste salarial”, reforça o dirigente.
Precarização
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), apesar de o projeto reconhecer a subordinação do trabalhador à empresa (plataforma), caracterizando como relação de emprego, “a solução de enquadrá-lo como trabalhador intermitente é insuficiente para a proteção dos trabalhadores”.
Ele explica que nessa modalidade de contratação, o trabalhador não tem garantia, por exemplo, de carga horária. “Como a remuneração é feita por hora trabalhada, consequentemente, ele também não tem garantia do salário mínimo mensal”, reforça o senador.
Consequência de rendimentos inferiores ao mínimo aparecem também nos direitos previdenciários. “Os direitos vão depender de o trabalhador complementar a contribuição para previdência, onerando justamente os que recebem menos”, diz Paim.
Desproteção e ação
Trabalhadores que prestam serviços para aplicativos lutam pelo reconhecimento de um vínculo de trabalho com as plataformas, que por sua vez, se escondem atrás de uma “falseada relação de prestação de serviços, fugindo aos compromissos da relação trabalhista”, diz Ari Aloraldo.
Alguns casos na Justiça tem gerado a chamada jurisprudência para o reconhecimento de vínculos empregatícios. É quando uma decisão judicial serve como base para outras ações. Um desses casos é recente e aconteceu no interior de São Paulo. Juízes do TRT-15 mandaram a Uber assinar a carteira profissional e pagar salário de R$ 3 mil.
Ari Aloraldo explica que é clara a caracterização de relação de trabalho e não de prestação de serviços. “Há o controle dessas empresas sobre o trabalho dos motoristas”, diz.
No Congresso, tramitam outras propostas que se baseiam em uma maior proteção aos direitos. São mais de 40, ao todo. Uma delas está na Câmara dos Deputados. De iniciativa do deputado federal Henrique Fontana, o PL 4172/2020 propõe a criação de um contrato de trabalho em plataformas digitais com direitos garantidos como seguro-desemprego, contribuição à Previdência, 13º salário, férias e garante ainda que nenhum trabalhador tenha renda menor do que o salário mínimo.
Propostas semelhantes à de Fontana tramitam no Congresso. Em 2019, os deputados federais Rui Falcão e Alexandre Padilha (PT-SP) também apresentaram projetos que tratam da relação de emprego entre empresas e trabalhadores que prestam serviços de transporte de passageiros ou entrega de mercadorias por meio de aplicativos.
A CUT se junta às demandas da categoria e reforça que a organização e a luta sindicais neste setor é uma prioridade estabelecida no 13º CONCUT, realizando em 2019, na Praia Grande, litoral de São Paulo.
Edição: Marize Muniz