Escrito por: CUT- RS

Projeto que flexibiliza regras de transporte de cargas no RS tem que ser arquivado

Em nome do lucro, PL 89/202 flexibiliza as exigências previstas na lei gaúcha nº 7.877/sobre o transporte de cargas perigosas no estado

Agencia Brasil

A CUT-RS e sindicatos, representantes de entidades ambientais e de saúde pediram o arquivamento do Projeto de Lei (PL) nº 89/2021, que flexibiliza as exigências previstas na lei gaúcha nº 7.877/1983 sobre o transporte de cargas perigosas no estado.

O pedido foi feito durante audiência pública virtual realizada nesta quinta-feira (4) pela Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Para os participantes do encontro, requerido e coordenado pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), o projeto significa um retrocesso que colocaria em risco a vida dos motoristas, da população em geral e o meio ambiente.

O autor do projeto, deputado Sérgio Turra (PP), teria sido “movido pela ideia de retirar entraves burocráticos do cotidiano do transporte de cargas perigosas”, disse Jeferson. Ele informou que, na comissão, a proposta está sob a relatoria do deputado Elizandro Sabino (PTB) e que encaminharia a ele todas as considerações feitas durante a audiência. Isso porque tanto Sabino como Turra não participaram da reunião.

Lei gaúcha é exemplar e deveria ser implantada em outros estados

O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, afirmou que dirigir um caminhão já é uma atividade perigosa, ainda mais transportando cargas perigosas. “A gente sabe que as empresas querem reduzir custos, mas até que ponto? Até colocar em risco a vida do trabalhador, da população em geral e do meio ambiente? Acho que tem limites”, ressaltou.

“Não podemos dar acordo para essa avareza que orienta alguns segmentos da economia. Acham que podem tudo”, criticou. “Espero que o deputado retire esse projeto para que seja arquivado. A lei gaúcha é exemplar e deveria ser implantada em todo o Brasil”, propôs Amarildo.

“Esse projeto deve ser arquivado”, reforçou o secretário de Saúde do Trabalhador da CUT-RS e coordenador do Fórum Sindical Saúde do Trabalhador (FSST), Alfredo Gonçalves, criticando que o projeto foi apresentado em plena pandemia. Ele observou também que “o motorista é transportador, não é carregador de caminhão. Quem carrega lá na distribuidora deve ser especializado. E o excesso de jornada coloca em risco não só a vida do motorista, mas também as vias públicas e o meio ambiente”, alertou.

Empresas não têm cumprido legislação

O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Transporte de Carga Líquida (Sindilíquida-RS), Marcelo Mendes Flores, lembrou a luta que havia sido travada para a aprovação dos dispositivos acrescidos pela Lei nº 14.870/2016, que agora o projeto quer retirar.

Ele disse que é importante, no caso de um acidente, que se verifique não apenas a placa do veículo, mas se a pessoa que o conduzia atendia às exigências legais e se estava em condições de transportar cargas perigosas.

Segundo Marcelo, embora se trate de exigências mínimas, a lei sequer vem sendo cumprida e a intenção de derrubá-la surpreendeu os trabalhadores. “Fica registrada a nossa revolta”, protestou. “Que esse projeto não tramite, porque seria um retrocesso para os trabalhadores, a sociedade, a saúde e o meio ambiente”.

O presidente do Sindilíquida-RS, Raul Stabel, reforçou que a lei não está sendo cumprida e pediu fiscalização dos órgãos competentes. "Estão colocando toda a população em risco", alertou. 

Conspiração das distribuidoras e das transportadoras

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados do Petróleo (Sitramico-RS), Ângelo Martins, classificou a situação como uma "conspiração cruel" das distribuidoras de petróleo e das transportadoras. “Esses são os vilões da história”, disse, considerando que o maior prejudicado era o motorista.

Martins condenou a ideia de que seria preciso igualar o Rio Grande do Sul aos outros estados. “Eles é que deveriam mudar e não o RS se nivelar por baixo”, disse.

O chefe da Divisão de Emergências Ambientais da Fepam, Rafael Rodrigues, assinalou o pioneirismo do RS nas questões ambientais e registrou que o órgão possuía também um projeto, desde meados de 2016, propondo alterações na Lei nº 7.877/1983.

Segundo ele, muitos dispositivos estariam já defasados, como em relação à exigência de um químico ou engenheiro químico como responsável técnico, quando hoje já existiriam outros profissionais que poderiam ser considerados, como os engenheiros agrônomos. Para Rodrigues, tratava-se de um projeto mais abrangente que buscava equacionar questões relativas ao motorista, ao empreendedor e ao meio ambiente.

Retrocesso para a saúde dos trabalhadores

A representante do Conselho Estadual de Saúde, Ana Valls, disse que o projeto era mais um retrocesso de vários que “lamentavelmente vem encontrando espaço, por meio do governo ou de deputados, na Assembleia Legislativa, que é a casa do povo, mas não tem sido”.

Ela disse ainda que o Conselho tinha publicado uma moção de repúdio em 30 de setembro às alterações propostas. “Uma carga perigosa é como uma bomba”, alertou, acrescentando que as consequências de um acidente não se limitavam àquelas mais diretas, ao condutor e ao caminhão, mas a todo o entorno, e que às vezes são irreversíveis.

“Consideramos que esse projeto coloca em risco a saúde dos trabalhadores, a sociedade e o meio ambiente e prioriza o lucro de grandes empresas, visando a pautar uma ação que não foi acolhida judicialmente”, disse Ana, referindo-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis contra a Lei 14.870/2016.

Atual legislação traz segurança aos trabalhadores e à população

Também o chefe do Estado-Maior do Comando Rodoviário da Brigada Militar, tenente-coronel Itacir Ramos, defendeu o arquivamento do projeto, expressando preocupação com a tentativa de se modificar uma legislação construída ao longo dos anos que teria trazido mais segurança aos trabalhadores diretamente envolvidos e à população em geral.

Auditor-fiscal do trabalho e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Alfredo Scienza, defendeu que a proposta que tramita na Assembleia fosse arquivada e se utilizassem todos os esforços para que a legislação vigente fosse cumprida.

Ele disse que se sabia há muito tempo que acidentes de trabalho e todos os efeitos decorrentes deles estavam muito ligados à forma de contratação das pessoas e como o setor era organizado.

“E este setor é tradicionalmente muito fragmentado”, salientou, explicando terem visto, portanto, com bons olhos as tentativas de se inserirem algumas obrigações. “Simplesmente, pedir alguns documentos básicos na entrada da base é o mínimo”, enfatizou Scienza.

Projeto não tem explicação lógica nem técnica

Ainda se posicionaram contra o projeto os representantes do Centro de Vigilância em Saúde, Andréia Gnoatto e Marcelo Andrade Batista, para quem tudo o que contribuir para tornar o processo (do transporte de cargas perigosas) mais seguro é bem-vindo.

O diretor da Associação dos Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental, Eduardo Santana, ressaltou que a projeto não tem explicação lógica nem técnica e é “claramente um retrocesso”.

O diretor da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, Flávio José de Souza, Flávio José de Souza, disse que o deputado proponente precisava ter conversado com os motoristas e conhecido a sua realidade antes de apresentar o projeto.

Flávio disse ter presenciado vários acidentes de caminhão-tanque e que “a primeira coisa que a empresa fazia (ao se dirigir ao local) era descer do carro com um spray preto para apagar o nome dela”.