Proposta de Bolsonaro pode matar milhões de brasileiros, inclusive os mais jovens
Isolamento vertical – só de idosos e pessoas com doenças como hipertensão e diabetes - pode matar milhares de brasileiros e brasileiras com menos de 40 anos, afirma médico
Publicado: 02 Abril, 2020 - 13h06 | Última modificação: 02 Abril, 2020 - 14h26
Escrito por: Érica Aragão
Os milhares de caixões, de idosos e pessoas mais jovens, que morreram vitimadas pelo novo coronavírus (Covid-19) em mais de 180 países, inclusive no Brasil, desmentem a tese de Jair Bolsonaro de que só deve ficar em isolamento social quem está nos grupos de risco, os idosos e as pessoas que têm doenças como diabetes, hipertensão.
A proposta, definida por ele como isolamento vertical, cujo argumento é não parar a economia, vai na contramão das medidas adotadas por países como Estados Unidos, Espanha, Itália, França e Argentina, que paralisaram suas economias colocando milhões de pessoas em quarentena para conter a disseminação da Covid-19.
Os países que foram contra a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de isolamento social para conter a expansão do vírus, hoje lamentam as milhares de vítimas fatais, que não têm sequer onde enterrar, afirma o médico infectologista e deputado Federal pelo PT, Alexandre Padilha.
“Esse debate que, infelizmente, Bolsonaro faz no Brasil hoje aconteceu em países da Europa e da Ásia há dois meses e o que estamos vendo são mortes que nem cabem em seus cemitérios e até caminhões do exército carregavam mortos”.
“Nós queremos que o Brasil siga o caminho dos países que decidiram salvar vidas, salvar renda das pessoas e manter ações de isolamentos social para todos e todas”, afirmou Padilha.
“Nossa dinâmica familiar não permite isolamento só dos idosos, porque a grande maioria das famílias que cuidam dos filhos e os que vivem juntos são os avôs e as avós”, ressaltou.
O médico Infectologista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com residência em Infectologia pelo Departamento de Infectologia no Hospital Giselda Trigueiro, Alexandre Motta Câmara, corrobora a fala de Padilha e diz que a proposta de Bolsonaro é a de quem desconhece o problema ou não se propõe a entender e aponta uma solução absolutamente equivocada.
“A ideia de Bolsonaro em fazer o isolamento só nos grupos de risco é como se essas pessoas não tivessem relações com mais ninguém. O que não é o caso. Os idosos têm relações e precisam ter porque alguns precisam de cuidados de terceiros e são esses terceiros que ao sair de casa podem se contaminar e trazer a doença pra casa”, disse Motta Câmara.
Testes e subnotificação
O que deveria fazer o governo de Bolsonaro não fez e a população brasileira está sofrendo as consequências da incompetência da gestão. O teste do coronavírus, que deve ser realizado em todas as pessoas que tem os sinais e sintomas similares a uma gripe forte, como febre, tosse, congestão nasal, dor de cabeça e dor no corpo, por exemplo, não é feito na maioria dos casos suspeitos.
“Infelizmente, o governo federal não se preparou, não se planejou e não comprou volume suficiente de testes desde o começo do ano e os estados e municípios estão correndo por conta própria tentando adquirir testes”, lamentou Padilha.
A falta de um número de testes ideal traz grandes problemas, segundo ele. O primeiro é que o indivíduo vai se isolar em quarentena e se afastar do trabalho sem saber se de fato está ou não com o coronavírus. Isso pode impactar na sua renda, na sua atividade profissional e na sua própria preocupação.
Além disso, ressalta Padilha, a falta de testes faz com que as autoridades da área da saúde nem o parlamento tenham clareza do real crescimento dos casos de coronavírus no Brasil e o número de casos é absolutamente subnotificado.
“No Brasil, boa parte dos óbitos está acontecendo sem ter a confirmação de que é pelo vírus isso faz com que tenha uma redução na capacidade de agir sobre a epidemia e ainda agir no escuro e, com isso, a proposta de isolamento vertical é a menos sensata porque você não tem noção clara de como está a circulação do vírus”, afirma.
Jovens doentes, colapso no sistema da saúde, mutação e transmissão
Sobre a morte de jovens e adolescentes que vem acontecendo em outros países, Brasil registrou um caso ontem de um rapaz de 24 anos, morto por Covid-19 no Rio Grande do Norte, Alexandre disse que é preciso primeiro entender a epidemiologia da doença, como vírus se comporta dentro da sociedade, para entender quais as medidas que precisam ser aplicadas de forma eficiente do ponto de vista de achatar a curva de infecção.
“A cada mil pessoas abaixo de 40 anos uma vai ter a doença na forma grave, sem ser idoso e sem ter doenças prévias. E se fizermos uma projeção de quantos milhões de brasileiros têm abaixo de 40 anos e com todos adoecendo ao mesmo tempo dá para ter noção do volume de pessoas nessa faixa etária que vão ter a doença de forma grave?”, questionou Alexandre.
Padilha pontua outra questão, a desnutrição, a fome e a diferença geográfica, política e social que o Brasil tem e os outros países nem tanto.
Segundo Padilha, no Brasil tem crianças subnutridas e o país voltou a fazer parte do mapa da fome o que é diferente da realidade de países do hemisfério norte, como a Europa, o que pode contribuir com o aumento do número de óbitos em crianças e jovens no país.
“Não sabemos ainda se isso pode acontecer mesmo, nos Estados Unidos aumentou muito as internações de jovens e se isso tem alguma relação com mutações que o vírus pode desenvolver ou com outro fator de risco desse jovens americanos, por exemplo tabagismo e o uso de drogas, não sabemos”, disse Padilha, que afirmou que mesmo assim é preciso estar atento.
“Temos que estar atentos sim! Existe risco do coronavírus ter um comportamento nos países do hemisfério sul como Brasil diferente do que teve na China e na Europa”, ressalta o deputado.
Alexandre diz que o problema não são as pessoas jovens adoecerem, o problema são as pessoas não terem assistência médica pelo sistema sobrecarregado e também as pessoas adoecidas serem transmissores da doença e não há sistema que consiga dar conta para o volume de pessoas que irão adoecer ao mesmo tempo.
“Se nós não fizermos o isolamento social completo nós vamos ter um problema de sobrecarga, é simples de entender isso, porque o vírus é altamente contagioso e quando um adoece ele vira um transmissor e ele passa replicar pra outras pessoas e isso vira uma bola de neve”, explicou o médico.
Vacina da gripe
Padilha explicou que é muito importante tomar a vacina da gripe que cobre o vírus Influenza e o H1N1. Segundo ele, ao tomar a vacina se reduz o risco de ter um caso grave de influenza e aumenta a proteção individual para enfrentar o coronavírus.
Padilha também contou que tomar a vacina da gripe reduz muito os casos graves de internação e, com isso, acaba reduzindo a pressão nas internações lliberando mais leito de UTI para o caso de coronavírus.
Além disso, pontua o deputado, a influenza ataca fortemente outros grupos de riscos que o coronavírus não atinge, como gestantes e crianças.
Higiene e isolamento social
Padilha disse que é muito importante manter a higiene em casa, principalmente o ato de lavar as mãos o tempo todo.
“Se você lavar a mão menos de 10 vezes no período da amanhã você lavou muito pouco, tem que lavar o tempo todo”, ressalta o médico e deputado.
“Por isso é importante o isolamento social porque quanto menos você sair, menos contato você terá com outras pessoas e com outras superfícies, porque quando você está na rua, você não consegue lavar a mão toda hora e não tem acesso a nenhum álcool em gel, o que aumenta o risco de estar em contato com o vírus”.
“Fique em casa”, finaliza Padilha. E não custa complementa: não importa a sua idade. Fique em casa.
Grupos de risco
Segundo a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde, alguns grupos e faixas da população são mais vulneráveis a contrair o novo coronavírus (Covid-19).
São elas: os idosos, pessoas que têm diabetes ou são hipertensas, as que têm insuficiência renal crônica e doenças cardiovasculares.
“Os idosos e as pessoas com perspectiva maior de adoecer com doenças prévias têm 150 vezes mais chances de ter a doença de forma grave”, afirma Alexandre.
Uma pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Terapia Intensiva do Reino Unido, publicada no jornal "The Telegraph", concluiu que a obesidade pode estar relacionada a casos graves da doença provocada pelo novo coronavírus.