Que os ricos paguem a conta do "equilíbrio fiscal"
Presidente da CSI, João Felicio defende taxação da riqueza e redução dos juros
Publicado: 25 Fevereiro, 2015 - 15h50 | Última modificação: 25 Fevereiro, 2015 - 16h02
Escrito por: João Antonio Felicio
Buscar o equilíbrio fiscal, a harmonia entre o que o Estado gasta e o que arrecada, mais do que uma preocupação constante, deveria ser uma orientação permanente de todos os governos comprometidos com o progresso e o bem-estar do seu povo.
Desequilíbrios fiscais podem ocorrer quando o Estado vai atrás de recursos para aplicar em políticas sociais, obras de infraestrutura, fomento à industrialização, produção de alimentos, etc. Afinal, os cofres públicos precisam estar sempre prontos para atender necessidades prementes como o são, entre outras, a educação, a saúde, o transporte, a moradia, o saneamento básico e a reforma agrária. Do contrário, sem investimento nestas áreas essenciais, parcela expressiva da população estaria condenada ao analfabetismo, às filas nos hospitais, ao caos urbano, à marginalidade. Mesmo com os inegáveis avanços que obtivemos na última década, essa ainda é, infelizmente, a realidade de dezenas de milhões de brasileiros.
No entanto, esses desequilíbrios fiscais podem ocorrer desde que se estabeleçam parâmetros que possam evitar a falência do Estado, dentro da mais absoluta transparência.
Por outro lado, é preciso reconhecer que anos de sangria e dilapidação do patrimônio, em que o sistema financeiro foi priorizado com o pagamento das mais altas taxas de juros do mundo e a farra do “superávit primário”, conduziram nosso país à encruzilhada. Os recursos que entram já não conseguem fazer frente ao rombo deixado pela orgia dos bancos, nem pelas benesses recebidas pelas grandes empresas ou pelas polpudas desonerações às transnacionais.
Se neste momento há falta de recursos para continuar sustentando as políticas sociais, é preciso definir de qual setor da sociedade se deve buscar o montante necessário.
Diante do impasse, o governo federal deveria ter aprofundado a agenda desenvolvimentista e progressista que vinha trilhando – como defendia o programa pelo qual foi eleito -, mas decidiu pela capitulação à agenda neoliberal. O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, optou pelo retrocesso neoliberal, derrotado nas urnas. Adotou o descaminho do ataque às conquistas históricas da classe trabalhadora, aos seus direitos sociais e previdenciários. Como todos pudemos ver, este foi e é um erro crasso – e não apenas econômico -, pois cava um abismo político entre a presidenta Dilma Rousseff e a base sindical, amplamente favorável à sua reeleição. Desnecessário relembrar o papel decisivo jogado por sua abnegada militância no segundo turno. Além disso, por ser uma mudança de rumo tão radical e repentina, é uma péssima opção, que leva ao descrédito.
Precisamos enfrentar o problema da ausência de recursos. O fato é que não há como equilibrar a balança sem aumentar o que nela entra e sem reduzir o que dela sai. Estancar a sangria, com a renegociação da dívida pública, é uma medida inadiável. Afinal, mais do que injusto, há muito de cruel no montante sacrificado no altar do capital especulativo.
Para não sermos vítimas da bola de neve, medidas como a implantação do imposto progressivo e a taxação das grandes fortunas, heranças e transações financeiras, como elementos de distribuição de renda e justiça, são bandeiras que ganham importância vital. Da mesma forma que há urgência na redução das taxas de juros. São ações mais do que necessárias, que representam um ponto de inflexão para a tomada de consciência individual e mobilização coletiva. Esta é uma agenda que tem sido priorizada pelo movimento sindical internacional que, na maioria dos países, sofre com as políticas recessivas.
Neste momento vem à tona a bilionária fraude do banco HSBC em Genebra, Suíça, e sua lista com 8.667 brasileiros que lá fizeram depósito. Boa parte destes, provavelmente, são sonegadores. Cabe a pergunta: são os sonegadores e os ricos que devem pagar a conta do ajuste fiscal ou somos nós? Este questionamento está escandalosamente silenciado, varrido para baixo do tapete pelas emissoras de televisão, grandes jornais e revistas que comportam-se como agências de publicidade e propaganda, omitindo e manipulando em favor dos seus anunciantes. Parte da imprensa europeia e argentina já está denunciando o nome das empresas envolvidas na falcatrua. Na Argentina descobriu-se que parcela desses sonegadores é dona das grandes redes de comunicação do país. E a nossa imprensa, quando vai dar as caras? Há algum implicado ou é mesmo proteção de classe, autopreservação da espécie? E ainda há “intelectuais” abestalhados que afirmam que a luta de classes acabou.
Numa conjuntura tão rica, como podemos ter respostas tão pobres? Como justificar a redução de um microscópico seguro-desemprego para o trabalhador brasileiro, quando ele mais necessita, diante da montanha de dinheiro desviada do fisco para a gastança bilionária de magnatas em paraísos fiscais? Como justificar que o dono de uma empresa retire 50 mil reais mensais a título de pro labore para o seu sustento e não pague um centavo de imposto, enquanto um operário desta mesma empresa, que ganha 1.800 reais, seja taxado em 7,5% pelo Imposto de Renda e o que ganha 5 mil reais seja garfado em 27,5%? Como explicar que estas ilhas de sonegação concentrem de um terço à metade de toda a riqueza produzida no planeta? Por que os países devem se submeter às caducas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que permitem aos exportadores colocar o que bem entendem em suas declarações alfandegárias e subavaliarem seus produtos para pagar menos impostos? Por que não dar maior atenção à sonegação dos ricos, quando especialistas apontam que ela é 25 vezes superior à corrupção nos países em desenvolvimento? Como explicar que um pobre tenha uma carga tributária sobre o que consome superior a 40% e um rico não chegue a 20%?
Em alguns países os governos têm enviado projetos de taxação da riqueza para resolver a falta de recursos para investimentos. O governo brasileiro também precisa, urgentemente, comprar esta briga. O momento é de opções. Chega de transferir dinheiro de pobre para uma casta continuar afrontando a tudo e a todos, acumulando riqueza e poder. Cabe às centrais sindicais e movimentos sociais fortalecerem sua unidade de ação e radicalizarem na disputa em defesa da distribuição da renda, da democracia e da soberania. Para que os povos do mundo se reencontrem com a justiça.