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Quebra da democracia abriu a porta para a entrada do fascismo no Brasil

Os últimos episódios de violência cometidos contra manifestações democráticas e populares representam uma transição para uma ditadura

Publicado: 29 Março, 2018 - 10h40 | Última modificação: 29 Março, 2018 - 11h03

Escrito por: Luciana Waclawovsky, especial para Portal CUT

Reprodução PT
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No penúltimo dia da Caravana Pelo Sul, que passou pelos três estados da Região, dois ônibus da comitiva foram atingidos por três tiros. Em um deles, um dos últimos ônibus do comboio, estavam jornalistas e convidados. O outro atingido estava no meio. Lula estava no primeiro ônibus do comboio.

A escalada de violência contra a caravana começou no Rio Grande do Sul onde a comitiva foi agredida com pedras, ovos e pedaços de pau, sendo impedida de prosseguir em algumas cidades. A situação foi tão extrema que, em um município gaúcho, uma simpatizante dos governos petistas foi espancada de relho quando caminhava em direção ao comício para ouvir o ex-presidente falar.

As imagens das violências cometidas, que circularam amplamente nas redes sociais, chocaram o país pelo grau de selvageria e acenderam um sinal de alerta em relação ao estágio avançado da disseminação do discurso do ódio.

Para o historiador e professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz, André Dantas, não é errado dizer que vivemos uma escalada fascista. Segundo ele, os grupos com discurso fascista e personalidades políticas que assumem publicamente essa narrativa estão crescendo no Brasil.

“Nas experiências fascistas clássicas, a aceitação de discursos de ódio em geral foram a antessala para a configuração de um governo/Estado fascista. Hoje, não temos ainda um governo assim instalado, embora figuras públicas com esse viés estejam presentes no legislativo e coladas no executivo”, avaliou.

Ao longo da caravana, iniciada em 19 de março, a omissão das autoridades em relação à segurança da comitiva, encabeçada por dois ex-chefes de Estado [Lula e Dilma Rousseff] foi latente. A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, senadora pelo estado do Paraná, cobrou em entrevista coletiva na noite de terça-feira (27), após os disparos que atingiram a lataria dos ônibus, ações das autoridades de segurança tanto em nível nacional como estadual. Todos foram informados sobre o percurso com antecedência.

“A violência contra a caravana vem crescendo e as autoridades foram alertadas dos fatos ocorridos. Antes da viagem mandamos um ofício ao [Ministro Extraordinário da Segurança Pública do Brasil] Raul Jungmann com todo o roteiro pedindo apoio na segurança; mandamos as informações ao governo do Estado do Paraná e falamos com o comando da Polícia Militar. O fato é que não temos proteção”.

“O nível de violência e de ódio chegou a um ponto que precisamos da manifestação das autoridades desse país para saber o que elas acham sobre isso tudo que está acontecendo. A política agora vai virar um bang bang e as pessoas vão atirar nas outras?”, concluiu Gleisi.

Na opinião do professor de ciências políticas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Rodrigo Freire, o que acontece hoje é fruto da deterioração da democracia brasileira que contou com o apoio da mídia comercial, do Judiciário e do legislativo para tirar do poder uma presidenta da República legitimamente eleita.

Para ele, os grupos que atacaram a caravana na região sul do país são formados por pessoas privilegiadas, ricas, de classe média alta e fazendeiros e foram alimentados por esse ódio diariamente pelos meios de comunicação empresarias.

“Com esse estímulo, abriu-se a caixa de Pandora e veio o ovo da serpente”, diz o professor, que explica: para a democracia brasileira, a caixa de Pandora foi o golpe. E os golpistas não conseguiram controlar esse ódio que se tornou nessa escalada do fascismo.

O historiador André Dantas lembra que momentos de crise econômica e política profunda são terrenos férteis para expressões de ódio de classe que se intensificam, sobretudo em jovens pertencentes à classe média. Neste sentido, disse ele, movimentos separatistas tipo “o sul é meu país” e frentes nacionalistas que pregam claramente o retorno da ditadura militar começam a ganhar adeptos e a ter uma aceitação social que antes não existia.

“Não resta dúvida que a intimidação a uma figura como o ex-presidente, tem claramente um ódio de classe colocado porque Lula representa efetivamente um discurso que a direita quer fritar politicamente e se utiliza de vias ilegais, rasgando a constituição, para tentar vetar a candidatura dele. É uma estratégia. Já os grupos da extrema direita fascistas utilizam outras ferramentas, mas o objetivo e o ódio de classe são os mesmos. São métodos distintos dentro da própria burguesia”, comentou o professor.

A escalada de violência foi muito grave e contou com a conivência de políticos de várias esferas, disse Rodrigo Freire.

“Tem vários vídeos circulando da caravana passando e as pessoas jogando pedras e ovos e carros da polícia do lado, parados sem fazer nada. E uma senadora gaúcha que fez discurso de ódio incentivando a violência”, lamentou o professor.

“Estamos falando não apenas de uma manifestação política que é importante para garantir a democracia, mas de dois ex-presidentes da República e o Estado tem a obrigação de dar segurança. E não é isso que estamos vendo”.

Freire disse, ainda, que a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que era uma lutadora dos direitos humanos e fazia um discurso muito forte de afirmação das mulheres, do povo negro, das favelas, foi alvejada sem sequer sofrer ameaça. “Os sinais são ruins e o assassinato de Marille foi um recado para quem defende essas pautas de esquerda e mostrou que estamos todos – uns mais, outros menos – expostos e inseguros”.

Ele explicou que o período democrático que se iniciou na Constituição de 1988 foi, em geral, bem sucedido, onde houve uma expansão dos direitos e cidadania como nunca antes visto no Brasil.

“Foi um período muito virtuoso que sofre uma quebra em 2016 e desde então vivemos um momento de desdemocratização. Esperamos que as eleições de 2018 ocorram normalmente e que Lula possa ser candidatos, assim como todos os outros que queiram se candidatar, e que a partir de 2019 esse estado de exceção se corrija, por meio do voto popular. Mas no momento estamos vivendo uma transição para a ditadura”, completou Freire.