Escrito por: Rosely Rocha e Marize Muniz

Queda de 90% no comércio informal da movimentada Lapa deixa ambulantes desamparados

Comércio popular de São Paulo vive uma crise sem precedentes após a chegada do coronavírus ao Brasil. Segundo ambulantes, as vendas caíram até 90%. Maioria não tem INSS e não sabe como vai pagar as contas

Rosely Rocha
Bairro da Lapa, São Paulo

Com duas pessoas mortas,uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, e quatro óbitos sendo investigados também em São Paulo, além das 350 pessoas infectadas pelo novo coronavírus (Covid-19) e 8.819 casos suspeitos em todo o país até esta quarta-feira (18), o Brasil se prepara para medidas preventivas mais graves como restrição de circulação, como vem ocorrendo em vários países, o que coloca em risco o sustendo de centenas de famílias brasileiras que vivem da informalidade.

Antes mesmo de o país dar início a essas medidas, cidades como São Paulo já começaram a ficar vazias o que pode representar um outro tipo de tragédia para o enorme número de trabalhadores sem emprego formal, sem direitos, que foram obrigados a partir para a informalidade para sobreviver com o mínimo de dignidade.

Como vão se sustentar e garantir o básico para a família, como a alimentação, e ao mesmo tempo se prevenir contra o coronavírus os 38,8 milhões (41,1%) de trabalhadores informais do país? É uma pergunta que o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, parece não se fazer nunca, nem mesmo em uma situação de calamidade como a que se aproxima.

Nenhuma das poucas medidas anunciadas pelo governo federal até agora atende as necessidades dos informais, que já começaram a sentir os efeitos da redução de circulação das pessoas nas ruas de São Paulo.

Num dos comércios mais populares da capital, a Lapa, zona oeste, local de fábricas, lojas de grandes redes, de linhas de trens e terminal de ônibus, com grande fluxo de pessoas que faziam as ruas ficarem lotadas, e havia disputa por espaço entre pedestres, ônibus e carros porque as calçadas eram insuficientes para abrigar tanta gente, a região parecia um “deserto” na tarde desta terça-feira (17).

Entre os trabalhadores informais havia só desalento, desânimo e desesperança. Segundo eles, o movimento de vendas caiu cerca de 90% na última semana, após a pandemia do coronavírus (Codiv 19) chegar ao Brasil.

Com 36 anos de trabalho nas ruas como trabalhadora informal, Maclovia Martins, 51 anos, está desolada. Responsável pelo sustento da casa em que paga um aluguel de R$ 1.500,00, pela ajuda financeira para os dois filhos que estão na faculdade e os cuidados com pai idoso de 80 anos, que recebe de aposentadoria cerca de um salário mínimo (R$ 1.045,00), ela não sabe o que vai fazer se o movimento não voltar ao normal na barraca em que vende roupas.

“Trabalho das sete da manhã às seis da tarde e tirava em média R$ 3.000,00 por mês, mas desde a semana passada teve dia que não vendi nada, como hoje”, lamenta.

A trabalhadora diz que a sua maior preocupação é manter o pai, que pela idade está no grupo de risco, longe do coronavírus, e continuar a ajudar os filhos a estudar.

Rosely Rocha Maclovia Martins ao lado do filho Carlos, que a ajuda na barraca

“A gente não sabe mais o que fazer, não sabe se vai ter quarentena, se vai poder trabalhar. Eu não tenho aposentadoria. Pago três vezes ao ano e, quando dá. E ainda tenho de pagar a prefeitura. São R$ 482,00 trimestralmente para deixar minha barracada legalizada”, conta Maclovia. 

Segundo ela, nem na greve dos ônibus e dos caminhoneiros, o movimento de pedestres caiu tanto, apesar da região ser repleta de fábricas, escolas, transporte e comércios.

“Eu via muita gente descendo em direção às fábricas, as crianças indo pras escolas, mas agora não vê ninguém. O pessoal está com medo de sair de casa”, afirma.

A mesma tristeza em ver as ruas vazias e o bolso também tem Orlando Santana, outro veterano do comércio informal. Vendedor de chapéus e bonés, na esquina da Rua 12 de Outubro há 30 anos, ele, apesar de ter casa própria não sabe como vai sustentar a família.

Com quatro filhos entre 30 e 21 anos, Orlando conta que só o filho de 25 anos está trabalhando. Os demais estão desempregados e sua mulher trabalha com ele. Ou seja, o sustento da família vem dos R$ 2.500,00 mensais que retirava da barraca, que funciona das oito da manhã às sete da noite. Para piorar, Orlando ainda não atingiu o tempo de contribuição e de idade para se aposentar com o salário mínimo, valor que contribui junto ao Instituto do Seguro Social (INSS).

Orlando Santana, 30 anos como camelô na Lapa

“Hoje eu vendi até agora só R$ 50,00. Não vai dar pra pagar os R$ 300,00 de conta de luz e os R$ 200,00 de água, se continuar assim. A crise já tinha pegado antes, mas agora piorou de vez e a gente ainda não sabe se vai fechar tudo. Se fechar, não tenho pra onde correr. Olha só o movimento da rua, até outros camelôs não vieram. Não tem ninguém” , diz desolado.

Rua de comércio popular na Lapa (SP), vazia 

E as histórias tristes continuam. Maria do Perpétuo Socorro Caetano é dona da barraca de panos de pratos, toalhas de mesa e artigos de cozinha há 30 anos. Apesar de aposentada recebendo o salário mínimo, ela precisa complementar a renda familiar da casa em que mora com três filhas.

“Eu tirava em média R$ 3.000,00 trabalhando das oito da manhã às seis da tarde, mas meu movimento caiu 60% da semana passada pra cá. Se continuar assim vou ter de ficar em casa e não sei como pagarei as contas”, diz Maria.

Maria do Perpétuo Socorro Camilo

O vendedor de produtos eletrônicos, Rodrigo de Souza, de 34 anos é mais um dos trabalhadores do país que ficará à própria sorte, se o governo não adotar medidas para proteger os informais. Casado, pai de dois filhos pequenos, ele diz que o movimento na sua barraca caiu 80%. Para quem tira apenas R$ 1.800,00 ao mês, a queda representa um imenso rombo no orçamento familiar.

“Eu não tenho como fazer nada. Não tenho o seguro-desemprego. Minha mulher ajuda trabalhando, mas tira só R$ 1.000,00 por mês. Se continuar desse jeito vou ter de parar, mas não tenho perspectiva de outro emprego. Tudo está muito difícil. A única sorte é que temos casa própria”, afirma.

Rodrigo em frente à sua barraca na Lapa

Se a situação já está difícil para quem têm familiares ajudando, imagine para quem é sozinha, como Elenilda Maria. Aos 41 anos, solteira, com duas filhas em idade escolar, ela vem há 10 anos, todos os dias da cidade de Jacareí, interior de São Paulo, para a região da Lapa, trabalhar na barraca de roupas, onde retira em média R$ 2.000,00.

“As vendas caíram 90%. Tá muito preocupante. E como nunca consegui pagar o INSS, se ficar sem ganhar, não sei o que farei”, diz a trabalhadora informal, que tímida não quis mostrar o rosto.

Barraca de roupas de Elenilda Maria