Escrito por: Andre Accarini
O Portal CUT ouviu um especialista em direito do trabalho que explica tudo sobre teletrabalho, também chamado de trabalho remoto ou home-office e detalha os direitos dos trabalhadores e deveres dos patrões
A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) transformou o teletrabalho, home-office ou trabalho remoto, que era usado por poucas empresas no Brasil, em rotina para milhões de trabalhadores e trabalhadoras. E, com o crescimento desta modalidade de trabalho, vieram muitas dúvidas tanto de trabalhadores quanto de sindicalistas sobre direitos e condições de trabalho.
Enquanto estuda e debate essa nova tendência nas relações de Trabalho procurando caminhos para proteger e garantir os direitos dos trabalhadores remotos, o movimento sindical usa um importante instrumento de conquistas e proteção que são os acordos coletivos firmados com a participação dos sindicatos. De acordo com o secretário de Relações do Trabalho da CUT, Ari Aloraldo do Nascimento, esse é o caminho para garantir que trabalhadores não sejam ainda mais explorados, dentro de casa e fora de horário.
“A participação dos representantes dos trabalhadores em negociações coletivas, como ficou provado pelo exemplo dos bancários [confira no final do texto], é fundamental para que os acordos garantam direitos aos trabalhadores”, afirma.
Por enquanto, como normalmente o trabalho à distância não é controlado e o horário é mais flexível, as dúvidas dos trabalhadores são imediatas e entre as principais estão as relacionadas a folgas e horas extras. Outra comum é sobre as condições de trabalho.
O Portal CUT ouviu um especialista em direito do trabalho que falou sobre os direitos dos trabalhadores durante o teletrabalho. Fernando José Hirsch, sócio do escritório LBS Advogados, explica tudo, desde a definição de teletrabalho, até o que diz a legislação brasileira sobre o tema e, consequentemente, que direitos o trabalhador tem garantido. Confira abaixo.
O Art. 75 da Lei.13.467/2017, da reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP), define o Teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa, com a utilização das tecnologias de comunicação e informação, quando a situação não se caracterize apenas como trabalho externo.
De acordo com a legislação, o teletrabalho é diferente do trabalho realizado habitualmente fora da empresa, em funções externas, como trabalhos de eletricista, motorista, vendedores externos e outras funções em que o trabalho tem que ser fora da empresa.
O acordo entre empregador e empregado é que determina a relação de trabalho. “Jornada de trabalho, hora extra, equipamentos, custos, quase tudo depende da pactuação entre as partes, depende do contrato de trabalho firmado por escrito”, pontua Fernando Hirsch.
As questões relacionadas a jornada de trabalho e pagamento de horas-extras no teletrabalho são polêmicas, diz o advogado. Segundo ele, o Art. 62°, inciso III, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê que trabalhadores nessa modalidade não têm direito ao pagamento de horas-extras. Mas, se o artigo for avaliado em conjunto com outras previsões legais existe uma brecha. Isso porque, a empresa só pode deixar de pagar hora extra quando não houver possibilidade de controle da jornada de trabalho feitas a distância, o que raramente acontece. O tema, no entanto, é polêmico, ainda “não há consenso no Judiciário e as decisões jurídicas são avaliadas caso a caso”, alerta Fernando.
O Art. 6° da CLT, por exemplo, diz que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”.
“São raras as situações que o empregador não consegue controlar a jornada, já que o empregador pode controlar a atividade pela quantidade de acessos ao sistema, horário de login e logout e outras formas passíveis de controle pelos meios tecnológicos”, diz o advogado Fernando Hirsch, referindo-se a recursos de controle como os aplicativos de trocas de mensagens, como o Whatsapp.
Para o advogado, se a empresa tem a possiblidade de controlar a jornada de trabalho, não se aplicaria Art. 62° da CLT (teletrabalho sem direito a horas extras). “E, sendo realizadas horas extras, essas devem ser pagas. Mas ainda assim, depende do entendimento do juiz que julga o caso”, complementa.
Desde o início da pandemia, quando comércio, bancos e outros serviços ficaram fechados para respeitar regras de isolamento social determinadas por governos e autoridades sanitárias, milhares de trabalhadores, que foram trabalhar em casa, tiveram de usar seu próprio equipamento como computadores e celulares.
Para este ponto, o Art. 75° da CLT determina que, no caso do teletrabalho, as condições também deverão ser previstas em contrato de trabalho.
O texto da lei diz que “as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”.
Com base no Art. 2° da CLT, que prevê como de responsabilidade da empresa o risco da atividade econômica, Fernando Hirsh afirma que “não pode ser pactuada nenhuma regra que transfira as despesas ao trabalhador sem qualquer tipo de reembolso”.
Reuniões virtuais fora de horário, mensagens de WhatsApp nos fins de semana, cobranças de tarefas fora de hora têm sido motivo de reclamações de trabalhadores. O tema foi inclusive um dos itens da pauta da negociação da Campanha Salarial 2020 da categoria bancária. No setor, cerca de 300 mil trabalhadores foram trabalhar em casa, após o início da pandemia.
Fernando Hirsch explica que é comum o empregador “desvirtuar as previsões legislativas entendendo que pode exigir tarefas em qualquer horário no teletrabalho”
De acordo com ele, teletrabalho não é sinônimo de precarização das condições do trabalho e, por isso, apesar da previsão em lei e das discussões sobre sua aplicabilidade, ainda há os ‘Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e Valores Sociais do Trabalho’, bem como os ‘Princípios Protetores do Direito do Trabalho’ garantido no art. 1° da Constituição Brasileira.
“Teletrabalho é uma possibilidade de ganha-ganha entre empregado e empregador, ou seja, quando ambos se beneficiam das vantagens desta forma de trabalho, sem que sejam as condições de trabalho sejam precarizadas”.
O advogado orienta aos trabalhadores que se sentirem lesados ou invadidos em sua privacidade a acionarem a justiça para garantirem seus direitos.
A categoria bancária, recentemente, deu um primeiro passo no caminho de uma regulamentação mais justa para os trabalhadores. O Comando Nacional dos Bancários levou a pauta à mesa de negociação durante a campanha, mas como não houve consenso entre as instituições sobre a proposta dos bancários, não houve um acordo sobre o tema.
A primeira negociação de cláusulas para o teletrabalho foi feita entre o Comando e o Bradesco, que acatou a proposta da categoria. Dentre as conquistas, os bancários da instituição terão ajuda de custo, respeito à jornada, equipamentos, inclusive móveis ergonômicos e cursos preparatórios para a modalidade do trabalho em casa.
Juvandia Moreira, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários afirma que o acordo é uma referência para que outros acordos com outros bancos sejam pactuados e também uma referência pra toda a classe trabalhadora.
“Nós mostramos durante a campanha que os bancários tiveram um aumento de trabalho e o banco teve uma redução de custo e isso mudou o debate sobre o tema. Hoje temos cerca de oito milhões de trabalhadores em casa e sabemos o quão intenso é o teletrabalho. O respeito aos trabalhadores, conquistado no acordo com o Bradesco, portanto, é uma referência para toda a classe trabalhadora”, diz Juvandia.
*Edição Marize Muniz