Escrito por: Érica Aragão
Um dos agressores, ex-policial e bolsonarista, postou vídeo com mais ameaças. Movimento negro e entidades antirracistas potencializam mobilização em defesa dos angolanos, que estudam e trabalham na região
Agredidos numa loja de bebidas até desmaiar, no último fim de semana, dois angolanos lutam na Justiça para que a violência que sofreram não fique impune. Eles foram atacados por policiais e funcionários de uma loja em Maringá, no Paraná, e exigem que os agressores não sejam indiciados por lesão corporal ou via de fatos e sim por tentativa de homicídio. A Polícia Civil investiga o fato, de acordo com o advogado e presidente da Associação dos Estrangeiros Residentes na Região Metropolitana de Maringá (AERM), Ronelson Furtado Balde, que acompanha o caso.
Os rapazes, um de 28 anos, formado em Engenharia Civil, e outro com 27, estudante na Unicesumar em Maringá, foram até a loja de bebidas e compraram cervejas, mas como não pode beber no local devido a pandemia do novo coronavírus, eles foram pegando as bebidas aos poucos. Pagavam, saiam, bebiam e voltavam sem causar transtorno a ninguém.
Próximo da hora da loja fechar, eles foram buscar a quinta e última cerveja que foi paga antes de ser consumida como das outras vezes e foi aí que os seguranças começaram a agressão, como mostra o vídeo que está circulando em grupos de WahtsApp e na imprensa, em especial a local.
Confira aqui o vídeo da agressão racista em Maringá.
“Os dois desmaiaram e foram arrastados até a calçada em frente à loja. Um apagou de tanto apanhar e o outro foi vítima de um mata leão por funcionários e policiais, assim como aconteceu com Floyd’, explicou Ronelson, se referindo ao crime de racismo praticado contra George Floyd, nos Estados Unidos, estrangulado após policiais colocarem o joelho em seu pescoço.
De acordo com o advogado, quando os jovens acordaram nem sabiam o que tinha acontecido. “Um foi parar no hospital porque estava todo machucado. Eles só lembraram de tudo depois que viram o vídeo”.
Outros estrangeiros, quando viram os colegas machucados, quiseram ir até o local com eles. E foram, os dois agredidos e mais três angolanos foram até a loja pedir a identificação dos agressores e logo em seguida apareceu o gerente e a confusão começou outra vez, diz o advogado.
“Quem apareceu por lá foi um dos agressores, que é ex-policial e funcionário da loja, e a discussão recomeçou. Os cinco, que estavam a pé, foram perseguidos por 23 km, por ele e pelo policial que estava de segurança no dia, que também agrediu os meninos, e ao parar em frente ao um condomínio com câmeras e acoaram os estrangeiros. Fui ai que apareci”, afirma Ronelson Furtado Balde.
Os angolanos ligaram para o advogado que ao chegar ao local também foi vítima de preconceito. E como também é estrangeiro, da África, o advogado e presidente da AERM também foi ameaçado.
“Além dos xingamentos racistas, os dois policiais ameaçaram a gente e falaram para voltarmos para nossas terras. Fizemos boletim de ocorrência e os meninos fizeram corpo de delito. Começamos a correr atrás de ajuda e autoridades para as providências necessárias, o que não podemos é ver tudo isso calado. A gente quer mostrar para todos e todas que estes angolanos não estão sozinhos”, ressaltou Ronelson, que complementou:
“A gente já está requisitando o vídeo do condomínio onde eles foram acuados no domingo por esses policiais e funcionários da empresa e temos apoio de todas as entidades, movimentos sociais, comissão dos direitos humanos da OAB, do conselho municipal de igualdade racial e igrejas que também estão ajudando. Nós vamos provar para a sociedade que o que eles queriam é matar os meninos”.
Há controvérsias
Um dos agressores e ex-policial publicou um vídeo nas redes sociais para explicar a versão dele do fato, mas depois apagado. Numa publicação na página do Youtube de Edson Leonardo Pilatti, com o vídeo recuperado, ele, que está vestido de amarelo com dizeres na camiseta “meu partido é o Brasil”, diz que os angolanos que começaram a briga, que foram eles que agrediram o policial e ainda chama os angolanos o tempo todo de vagabundo.
O ex-policial também agride verbalmente o advogado.
“Quando ele começou a me agredir eu parei de falar na hora. Esse sujeito é desiquilibrado, implica com todo mundo, já agrediu vereador da cidade, ameaçou muitas pessoas, foi expulso da corporação por agredir colegas dentro e ainda tem processos e representações nas costas. Os meninos trabalham e estudam e só estavam querendo curtir o fim de semana como qualquer um”.
“O que esse cidadão quer é livrar o policial que estava fazendo bico de segurança da loja, que inclusive ele é sócio, para não dar problema. Mas se o policial estava só passando lá no momento da confusão, porque no domingo ele também foi acoar os meninos. E a imagem do vídeo da agressão mostra este policial na loja, controlando entrada e saída das pessoas”, finaliza o advogado.
Cresce mobilização de apoio a angolanos
Ronelson disse ainda que já procurou o Consulado Angolano em São Paulo e que na próxima semana uma comissão irá até o local averiguar os fatos. Ele também disse que a Comissão dos Direitos Humano da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Municipal de Igualdade Racial e igrejas também já estão junto na luta contra a violência sofrida pelos estrangeiros.
O movimento negro e outras instituições locais estão organizando uma mobilização no fim de semana depois da eleição para denunciar o caso de racismo na cidade. Segundo os apoiadores dos angolanos, o que aconteceu em Maringá foi racismo sim e isso precisa ser combativo.
“Aqui em Maringá tem diversos estrangeiros, nunca vimos violências como estas contra italiano ou inglês que vivem na cidade, por que? Quase mataram os meninos! Se eles tivessem cometido qualquer crime os funcionários da loja deveriam ter chamado a polícia e eles teriam o direito à defesa, mas não bateram e quase mataram. A sociedade está aceitando isso, mas nós não podemos aceitar. Foi um ato covarde e racista e jamais vamos abaixar a cabeça”, disse o coordenador da Pastoral Afro-Brasileira Arquidiocese Maringá, Rogério Caetano.
A entidade também foi uma das que assinaram a nota de repúdio à agressão dos angolanos na região.
Uma das fundadoras do Instituto de mulheres negras Enedina Alves Marques, militante do movimento união e consciência negra de Maringá e atualmente gerente da Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura da cidade, Cleuza Souza disse que as entidades negras e antirracistas estão se organizando para o ato da próxima semana.
Segundo ela, era para ser este fim de semana, mas como será eleição foi adiado.
Precisamos mostrar para os racistas que nós existimos e que nossas vidas importam. Vamos fazer esta mobilização porque a dor dos angolanos é nossa dor também. E este racismo e xenofobia precisam acabar, nãó é possoivel que no século 21 a gente ainda ve cenas horrorosas como esta que vemos no vídeo espalhado por tudo quanto é lugar. Chega de racismo e preconceito, não nos calaremos!”, afirmou Cleuza, conhecida como brechó.
*Edição: Marize Muniz