Escrito por: Walber Pinto
Para a pesquisadora e professora da USP, a questão que se coloca é até como e quando esses crimes ficarão impunes
A certeza da impunidade transforma até mesmo astros como o jogador do Real Madri e da seleção brasileira Vinicius Júnior, carinhosamente chamado de Vini Jr, em vítima constante de atos de racismo praticados pela torcida do Atlético de Madri e até por comentaristas locais. A impunidade dos criminosos foi duramente criticada pelo jogador, por internautas, dirigentes da CUT e por uma professora da USP.
Nesta quinta-feira (26), o jogador, conhecido pelo seu largo sorriso e pelo jeito alegre como comemora os gols – sempre dançando – viu, antes de entrar em campo para mais uma partida, torcedores do time adversário enforcarem um boneco negro, que seria Vinicius, com sua camisa 20 em uma ponte da cidade. A resposta dele foi mais um belo gol na partida e ainda postou nas redes sociais uma provocação saudável, dizendo que a capital espanhola "só tem um time" (ou seja, o dele)
A cena gerou revolta nas redes sociais, como o do perfil Futmais, menino fut, e vários questionamentos sobre a demora das autoridades da Espanha em investigar e punir os torcedores criminosos que sustentam seu racismo contra o jogador.
O que estão fazendo na Espanha com o Vinícius Júnior é de uma covardia, de uma maldade gigante.
A federação é completamente omissa. Não multa adequadamente, não age com a repressão que deveria contra os clubes.
Todo mês rola algo contra o garoto e não acontece nada. Que nojo! pic.twitter.com/d9KydygxOe
“O racismo é implacável e quando uma pessoa ocupa determinado espaço ele se manifesta de uma maneira muito terrível”, afirma a jornalista, doutora em Ciências da Comunicação e professora da Universidade de São Paulo (USP), Rosane Borges, ao analisar os crimes contra Vini Jr, um dos melhores do mundo.
O espaço ocupado, ou o sucesso de Vini Jr na Europa foi destacado pelo internauta Bruno Andrade:
A Europa, mais especificamente a Espanha neste caso, tem ódio mortal do sucesso de um garoto preto. Um brasileiro. Um jovem humilde e distante de polêmicas que driblou - e ainda dribla - diversos obstáculos, dentro e fora do campo. Vinicius Junior não é grande. É gigante!
— Bruno Andrade (@brunoandrd) January 26, 2023“A questão que se coloca", prossegue a doutora Rosane, "é como e quando a sociedade planetária vai e manifestar? Temos que ter mais mecanismos de endurecimento da lei”.
Para ela, que também é pesquisadora de comunicação, o racismo não dá trégua, mesmo quando a pessoa negra ascende socialmente. “A própria lógica racista nos leva a entender que quando você ascende socialmente, você não sofre racismo, e isso é uma falácia. Negro é negro em qualquer lugar e a gente vai ter esse ônus que é perpetuo”.
Essa não foi a primeira agressão racista contra o jogador na Espanha. Em setembro de 2022, um convidado de um programa de TV local disse que Vinicius deveria parar de dançar em suas comemorações, que deveria deixar de fazer 'macaquices'.
Dias depois, em mais uma partida entre Real e Atlético, torcedores do time rival cantaram do lado de fora do estádio: ‘Vinícius, você é um macaco’.
Em dezembro, torcedores do Valladolid ofenderam o jogador quando ele deixou o campo. E arremessaram objetos em sua direção.
“O que motiva (esses ataques racistas)?”, questiona Rosane, que responde: “é que quando as torcidas se juntam elas ofendem, são racistas, sexistas, e o racismo é recorrente dessa dinâmica de grupos. Ele é uma cifra que circula muito na sociedade brasileira e também mundial”.
Impunidade
Nas redes sociais, Vinicius Júnior criticou a comissão organizadora do time espanhol que não fez, até agora, absolutamente nada para punir os racistas. ‘Os racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a La Liga, a organizadora do campeonato espanhol, segue sem fazer nada’”, protestou o jogador.
A secretária nacional e Combate ao Racismo da CUT, Anatalina Lourenço, concorda que as autoridades espanholas passam imagem de que está tudo bem, mas que não se pode tolerar esses ataques contra nenhuma pessoa negra.
“Como esses ataques não são refutados veementemente e punidos na forma da lei, você passa uma imagem de impunidade. As autoridades espanholas estão passando essa imagem de que está tudo bem, e que devemos tolerar esse tipo de ação. Não nos esqueçamos: o racismo mata”, diz Anatalina.
Para secretária adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Sousa, a punição ao crime de racismo ainda é difícil porque a sociedade entende que há impunidade, e que, portanto, é um crime menor.
“Nós passamos por essa situação tanto no Brasil como no mundo porque falar sobre racismo e punir as pessoas que praticam esse crime é muito difícil, porque temos uma situação em que as pessoas têm que provar que foram vítimas desse crime, e mesmo quando é muito fácil de notar as autoridades ainda não compreendem que é um crime estruturante”, diz.
Times negam impunidade
Nesta quinta, a La Liga afirmou que a intolerância e a violência não cabem no futebol, e que vai solicitar sanções penais mais severas aos responsáveis.
O Atlético de Madrid disse que fatos assim são absolutamente repugnantes e inadmissíveis. O clube espera que as autoridades possam esclarecer o ocorrido e que a Justiça ajude a banir esse tipo de comportamento.
Já Real Madrid agradeceu as manifestações de carinho recebidas após o lamentável e repugnante ato de racismo, xenofobia e ódio contra o jogador da equipe, Vini Júnior. A polícia da capital espanhola disse que abriu uma investigação para encontrar os responsáveis.
“O caso de Vinicius é mais um que revela a tenacidade do racismo no século 21, uma sanha de desumanização”, finaliza Rosane.