Escrito por: Andre Accarini
Proposta de reforma do governo Bolsonaro faz leitura errada do funcionalismo público e apresenta soluções ainda mais equivocadas para supostamente modernizar o serviço público, diz deputado Ênio Verri
Apresentada como uma solução mágica para reduzir gastos dos Estados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, conhecida como a reforma Administrativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, representa, na verdade, mais uma forma de ataque do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) a serviços públicos fundamentais em áreas como saúde e educação e aos servidores de todo o país.
Os principais argumentos para a reforma são de que o Estado é ‘inchado’ e de que, em nome de uma modernização, é necessário reduzir o número de servidores que, de acordo com o governo, têm salários altos. Na verdade, os altos salários, pagos a juízes, procuradores e militares, não serão afetados pela reforma, mas isso eles não dizem.
Um levantamento feito pelo Dieese mostra que 53,1% dos servidores públicos ganham até 4 salários mínimos (R$ 4.180,00). Eles trabalham em áreas como a saúde, assistencial social, educação, serviços e administrativa.
Ainda de acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, a maioria dos funcionários públicos são municipais e a média salarial deles é ainda menor. Chegou a R$ 2.800,00 mensais em 2017, valor equiparado ao da iniciativa privada (entre R$ 2.4 e R$ 2,5 mil)
No serviço público, varredores de rua ganham, em média, R$ 1,6 mil. Professores de 1˚ a 4˚ série, com nível superior, R$ 3,3 mil. Médicos clínicos, R$ 9,8 mil. Administradores, R$ 10,3 mil. Engenheiros civis, R$ 11,6 mil. Auditores-fiscais da Receita, R$ 30 mil. Procuradores de Justiça, R$ 37 mil.
Mas, para confundir a sociedade, Guedes defende sua reforma insultando os trabalhadores e trabalhadoras a quem chegou a chamar de parasitas, marajás e até chegou a pedir, em coletiva de imprensa, que os servidores não ‘assaltassem o Brasil’, na tentativa de convencê-los que não deveriam ter reajuste salarial até o fim de 2021.
O ministro encerra seus ataques sempre dizendo que é necessário modernizar porque o serviço público não é eficiente, mas não diz que o governo Bolsonaro está promovendo um sucateamento, cortando investimentos para compra de novos computadores, reformas nos prédios e concurso para novos servidores.
Está claro que a dificuldade em atender à população não é porque os servidores são incompetentes ou porque ganham muito e, sim, porque faltam condições de trabalho, afirma o deputado federal Ênio Verri, líder do PT na Câmara e membro da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público.
“A maioria tem salário mediano (veja dados no fim da matéria) e não há trabalhadores suficientes para atender às demandas da população, seja na saúde, educação, aqueles na ponta de atendimento à população”, diz,
Verri afirma ainda que pelo tamanho da população, o Estado brasileiro é pequeno, ou seja, tem poucos servidores e está longe de atender a população no que ela precisa.
O número de servidores públicos no Brasil estava abaixo da média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2017, com 12,4% da força de trabalho. A média da OCDE é de 17,7%.
A reforma é seletiva porque não atinge a elite dos servidores, que têm rendimentos acima do teto salarial da categoria, hoje em cerca R$ 39 mil, e está concentrada no judiciário, ressalta o deputado.
“Aqueles que ganham muito e estão no campo da burocracia do Estado não serão atingidos pela PEC 32/2020. Essa reforma será, de fato, uma leitura errada [do serviço público] com uma solução mais errada ainda”, diz.
A leitura a que Ênio Verri se refere é a de que a solução é diminuir carreiras (cargos), baixar salários iniciais, acabar com estabilidade e ampliar a terceirização, o que para ele significa destruir o Estado favorecendo o setor privado.
Para o Secretário-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF), Sérgio Ronaldo, atualmente a estabilidade já não é um salvo-conduto para os trabalhadores.
De acordo com o dirigente, somente entre os federais, em média, 500 servidores públicos são demitidos por ano. “São trabalhadores que não cumprem com seus deveres e enfrentam processos administrativos”.
O fato concreto, diz Sérgio Ronaldo, é que a intenção do governo é enxugar o número de servidores, privilegiando a iniciativa privada na prestação de serviços e fazendo uma “economia para os cofres públicos que nada mais é do que provar que a política econômica do governo fracassou”.
A proposta de Lei Orçamentária para 2021 é um exemplo disso, segundo o Secretário-Geral da CONDSEF. “Para o ano que vem o orçamento é de cerca de R$ 4 trilhões. E só para a amortização da dívida, vão ser destinados 54%, ou seja, mais da metade do orçamento é para dar dinheiro a agiota internacional e banqueiro brasileiro. Por isso, diminuem o tamanho do Estado e de políticas públicas”.
A proposta de reforma Administrativa do governo Bolsonaro enfraquece a estabilidade dos servidores ao impor avaliação de desempenho como regra para manter o emprego. Por outro lado, não apresenta nenhuma sugestão de avaliação de desempenho das gestões que influenciam diretamente no trabalho realizado pelos servidores públicos, na opinião de José Celso Cardoso Junior, presidente da Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (AfIpea).
“A avaliação é saudável, mas tem que ser feita levando em consideração a natureza do serviço público. Avaliar a organização que resulta em determinado serviço e não avaliar o indivíduo”, diz.
José Celso explica ainda que o servidor não controla ‘variáveis’ com as quais tem que despenhar seu trabalho. “Não é ele o responsável pelas condições de trabalho, insumos e equipamento com os quais trabalha. É outro departamento”, explica e complementa que os modelos de avaliação não podem ser os mesmos da iniciativa privada.
“Não dá para comparar os dois setores porque o privado quer lucro e o público produz valor social”, afirma o técnico do Ipea.
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) elaborou uma série de materiais – os Cadernos da Reforma Administrativa – que descontroem os argumentos do governo para a reforma como foi proposta.
Para a Fonacate, é enganoso falar em “funcionalismo público” como se todas as esferas fossem iguais.
“É importante diferenciar as características do funcionalismo municipal, estadual e federal, bem como diferenciar as suas características em cada um dos três poderes da União”, diz trecho de um dos textos para explicar que para uma proposta de reforma deve se levar em consideração as diferentes realidades.
O material também traz dados sobre o número de servidores para desmitificar a ideia de ‘inchaço do Estado’.
Pelo levantamento da Fonacate, o percentual de trabalhadores na iniciativa privada em relação ao total da população subiu de 20,2% para 25,5%
“Considerando apenas o setor privado formal, de 1990 a 2015, o percentual de trabalhadores em relação ao total da população, subiu de 20,2% para 25,5%. O auge foi em 2011 quando chegou a 32%, no primeiro ano do governo Dilma Rousseff)
No caso do setor público, de 1986 a 2001 houve estabilidade do percentual de vínculos públicos, em torno de 4% do total da população.
Já entre 2002 e 2012 o percentual sobe gradualmente até 5,8% e, desde então, há certa estabilidade.
O Atlas do Estado brasileiro, estudo feito pelo Ipea, mostra que a participação dos gastos do funcionalismo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) cresceram modestamente a partir de 2011, passando de 9,6% em 2012 para 10,7% em 2017.
Entretanto, essa elevação pode ser explicada pela queda e estagnação do PIB no período e não propriamente pelo aumento das despesas com funcionalismo.
Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2010 mostra que países de renda alta costumam gastar cerca de 10,4% do PIB com o pagamento de servidores. A Europa gasta 10,2% de seu PIB com o pagamento de salários de servidores públicos.
- O Brasil hoje tem cerca de 11,4 milhões de servidores.
- o salário médio de um servidor do Executivo é de R$ 3,9 mil.
- o salário médio de um servidor do Legislativo é de R$ 6 mil
- o salário médio de um servidor do Judiciário é de R$ 12 mil
Edição: Marize Muniz