Escrito por: Cláudia Motta, da RBA
Idosos terão de continuar trabalhando para sobreviver num mercado de trabalho que pode ficar ainda mais retraído diante da redução de recursos e consequente encolhimento da economia nacional
Não são nada boas as perspectivas para a economia brasileira. Em março, o IBGE divulgou que o país tem 13,1 milhões de pessoas desempregadas. O Produto Interno Bruto, que mede o valor dos bens e serviços que o país produz num período, está em níveis baixíssimos – crescimento de 1% em 2017 e 1,1% em 2018, com expectativas para 2019 revisadas para baixo seis vezes consecutivas. Esses tímidos crescimentos ocorrem depois de o PIB ter recuado mais de 7% em 2015 e 2016.
Mesmo diante desse cenário desalentador, o governo Bolsonaro segue tendo como foco a "reforma" da Previdência que, se aprovada, deverá agravar esse quadro e aumentar em meio milhão o número de desempregados.
De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, os benefícios previdenciários passariam a ser calculados sobre a média de 100% das contribuições – o que rebaixaria o valor final – e somente após contribuir por 40 anos ao INSS o trabalhador teria direito ao valor integral. Além disso, os benefícios assistenciais, como os de Prestação Continuada (BPC), seriam desvinculados do valor do salário mínimo e não teriam garantida nem mesmo a correção monetária. “Isso deverá produzir um importante impacto negativo na renda disponível de um grande contingente de famílias brasileiras de baixa renda”, afirma o economista Marcelo Manzano.
Ele explica que, à medida em que a renda das famílias é negativamente afetada, mais gente acaba sendo forçada a buscar uma alternativa de renda. “Isso significa que a população economicamente ativa deverá se expandir. Haverá mais pessoas no mercado e menor volume de ocupações. A crise econômica que vai para o seu quinto ano já tem obrigado muitos idosos a retornar ao mercado de trabalho.”
Com a reforma da Previdência, ele afirma, essa tendência indesejável de aumento indesejável dos idosos entre a população economicamente ativa. "Seja por conta da extensão dos prazos de contribuição necessários para se poder acessar a aposentadoria, seja porque haverá redução dos valores dos benefícios previdenciários e assistenciais, contraindo a renda dos mais pobres e exigindo o retorno de parte dos não-economicamente ativos.”
Além disso, uma outra modificação prevista na reforma da Previdência de Bolsonaro propõe isentar as empresas que contratarem aposentados da contribuição para o FGTS, além de desobrigá-las da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. “Com isso, deverá ocorrer uma disputa espúria entre os diferentes grupos etários no mercado de trabalho, com os idosos (já aposentados) levando vantagem sobre os demais trabalhadores (já que custarão menos para as empresas). Seus filhos e seus netos, que em tese estão passando por etapas da vida em que a garantia de renda é ainda mais fundamental, poderão ficar de fora do mercado de trabalho. Essa reforma, se aprovada, fará com que os avós acabem capturando os empregos dos netos.”
Reforma não é remédio
Em artigo publicado no Brasil Debate, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) alertam para o risco de se acreditar que a reforma da Previdência seria remédio para tudo isso, como dizem alguns analistas. “Há uma crença, que não se ampara em dados estatísticos, de que se o país tem as contas públicas 'em ordem', haverá estímulo aos investimentos e à geração de empregos. Ora, os empresários investem se percebem que há demanda para seus produtos e serviços, não o fazem baseado na percepção de que as contas do governo estão 'em ordem'.”
Os estudiosos lembram as promessas jamais cumpridas de crescimento e criação de empregos com a reforma trabalhista, “que geraria segundo seus defensores, 5 milhões de empregos; como o foi a PEC do Teto de Gastos… Onde estão os frutos prometidos das reformas anteriores?”, questionam Ana Luíza Matos, Barbara Vallejos e Euzebio de Sousa, lembrando que se propaga um tipo de liberalismo seletivo, que acredita que a redução dos salários e dos direitos elementares dos trabalhadores irá retirar o Brasil da crise. “Mas o que se verifica é o contrário: a crise se aprofunda com a redução da capacidade de consumo das famílias e redução dos investimentos públicos e privados.”
Os pesquisadores ressaltam que vale o contrário: a criação de empregos tem impactos positivos na Previdência. “Em todo o período de 2009 a 2015 o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) urbano foi superavitário”, diz o artigo. “O aumento do emprego formal (+23,4 milhões) e da base contributiva da Previdência garantiu a sustentabilidade do Sistema até a crise que se inicia em 2015.”
Com a "reforma" trabalhista, o quadro mudou para muito pior. “Em vigor desde novembro de 2017, incentivou a substituição de empregos 'padrão' por contratos 'atípicos'. Esta mudança na lei reforçou a tendência à precarização assistida desde o início da crise econômica. As ocupações sem carteira assinada têm puxado a geração de postos de trabalho desde 2016.”
O resultado é que o número de contribuintes para a Previdência reduziu-se em 2% entre 2016 e 2018, frente ao aumento de 8% dos trabalhadores que não contribuem.
“Neste cenário, essa reforma afastará ainda mais os trabalhadores com salários mais baixos e mais afetados pela informalidade da previdência pública por não conseguirem cumprir os aumentos de exigência de tempo de contribuição. Por outro lado, a elevada informalidade reduz a receita da Previdência.”
E sugerem, em vez de se insistir na reforma da Previdência como solução para todos os problemas da sociedade brasileira, pensar em propostas para gerar empregos de qualidade no país e, por essa via ampliar, as contribuições ao sistema. “Jogar a esperança de recuperação da economia em uma reforma que afasta ainda mais os trabalhadores da seguridade social ao endurecer as regras de acesso e que não tem nenhuma relação lógica com a retomada do crescimento é, do ponto de vista dos trabalhadores, aprofundar a crise”.