Escrito por: Rosely Rocha
Para Berzoini, governo Bolsonaro faz ajuste fiscal sobre os trabalhadores da iniciativa privada e servidores e apresenta reforma suave para os militares
A reforma da aposentadoria dos militares começou a ser analisada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados. A proposta do governo de Jair Bolsonaro (PSL) prevê idade mínima de apenas 50 anos para os militares se aposentarem, tempo mínimo para receber benefício integral de 35 anos, aumento de alíquota de contribuição gradativa e menor do que a dos demais trabalhadores. E mesmo assim, os militares terão reajustes salariais de 5% a 31% para compensar a reforma nos benefícios previdenciários.
O conjunto de mudanças que o governo propõe não resolve o problema do desequilíbrio previdenciário, que é muito maior entre os militares do que entre os demais trabalhadores muito mais afetados pelas mudanças de regras, segundo ex-ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini.
“Hoje, os 233 mil pensionistas militares custam de subsídios, em média, R$ 99 mil per capital (por pessoa) ao ano, além daquilo que a categoria contribui. O déficit dos servidores federais é de R$ 66 mil per capita/ano, e o dos trabalhadores que pagam INSS, apenas R$ 5,3 mil ao ano”, diz o ex-ministro se referindo a diferença entre o que o governo arrecada para pagar benefícios e o que tem de complementar.
Para Berzoini, a verdade é que a reforma da Previdência é o ajuste fiscal sobre os trabalhadores, ou seja, como não tem recursos no Orçamento da União, quer economizar retirando direitos sociais e previdenciários dos trabalhadores.
E as propostas de Bolsonaro deixam isso muito claro. As diferenças entre as mudanças de regras dos militares, mais suaves e com menos prejuízos, e as dos servidores e trabalhadores da iniciativa privada, bastante perversas que aumentam o tempo de contribuição, reduzem o valor do benefício e instituem idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres, mostram isso.
Berzoini critica a forma de aumento do tempo de contribuição dos militares para receberem aposentadoria integral que subirá dos atuais 30 anos para 35 anos, tanto para homens como mulheres, só que lentamente e não vale para quem já está nas Forças Armadas.
A Proposta de Emenda a Constituição (PEC) nº 06/2019, nome oficial da reforma da Previdência dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores, aprovada na Câmara dos Deputados, prevê que para receber aposentadoria integral os homens terão de contribuir durante 40 anos e mulheres 35 anos. E a medida valerá para quem está no mercado de trabalho e para quem vai entrar depois que a PEC for aprovada no Senado e promulgada.
“A mudança da regra para as Forças Armadas será suave e progressiva e não valerá para quem já está na carreira, ao contrário dos demais trabalhadores e servidores da ativa que não terão o mesmo benefício, pois a reforma atingirá a todos a partir da sua promulgação”, afirma Berzoini.
Outro ponto criticado pelo ex-ministro da Previdência é o índice de contribuição dos militares, menor do que o dos servidores e do que o dos trabalhadores da iniciativa privada.
Hoje, os militares ativos e inativos contribuem com 7,5% do soldo (salário), mas pensionistas, alunos de escolas de formação e cabos e soldados durante o serviço militar obrigatório não pagam contribuição.
A proposta de Bolsonaro prevê aumento gradual das alíquotas. A cobrança subiria para 8,5%, no próximo ano; 9,5% em 2021 e, de 2022 em diante, para 10,5% sobre o rendimento bruto de ativos, inativos, pensionistas, cabos, soldados e alunos de escolas de formação.
Foi mantida em 3, 5% a alíquota do fundo de saúde, exceto para os alunos de escolas de formação, que continuam isentos desse pagamento. Com isso, a alíquota total máxima vai para 14% depois de 2022.
Ainda assim, a proposta é melhor do que para os servidores federais. Quem ganha mais de R$ 39 mil por mês pagará alíquota mínima de 16,79%, podendo chegar a 22%. Já os demais trabalhadores vão ter de contribuir com alíquotas entre 7,5% e 11,68%, dependendo da faixa salarial. E não tem isso de aumento gradual, os novos percentuais começam a vigorar a partir da aprovação da reforma.
Para Berzoini, os aumentos das alíquotas dos militares não cobrem os custos do pagamento de pensões. Ele cita como exemplo o fato da filha de militar e maior de 21 anos ter direito à pensão do pai, se ele já era militar à época da entrada em vigor da Medida Provisória 2.215/2001, do governo Fernando Henrique Cardoso, que foi ratificada por maioria da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, ainda tem direito a pensão as filhas de todos os militares que ingressaram antes de 2001, desde que paguem um adicional de 1,5% da alíquota. Filhas de militares que ingressaram depois de 2001 não têm o direito a receber a pensão.
“Embora a pensão por morte seja algo justo, é preciso ainda assim ter uma fonte de financiamento. Uma viúva, por exemplo, recebe por mais 5, 10 anos, mas uma filha que tenha ficado órfã aos 15 anos de idade pode receber por mais de 60 anos, e nem precisa ser solteira para receber a pensão integral”, diz.
A proposta de reforma dos militares, mais generosa do que a dos demais trabalhadores, pouco impacta no orçamento, acredita Berzoini. Para ele, os reajustes nos soldos e na ajuda de custo que eles terão direito a receber é uma forma que o governo Bolsonaro, de inspiração militar, encontrou para não irritar a categoria.
“Sou filho de oficial do Exército e tenho um grande reconhecimento pelo papel das Forças Armadas, mas eles não devem jamais intervir na política do país”, pondera Berzoini.
Aumento nos soldos
Entre os benefícios que constam na proposta estão o de aumentar de quatro para oito soldos (salários), a indenização recebida pelos militares quando eles se aposentam. Além disso, o projeto prevê que oficiais generais somem à aposentadoria os 10% de gratificação recebida por eles quando na ativa.
Outro benefício previsto na proposta é o pagamento do adicional de disponibilidade. O valor seria pago inclusive aos militares que estiverem na reserva. O pagamento mensal extra seria de uma proporção do salário, assim distribuídos: sub-tenente e coronel (31%), tenente-coronel (26%), major e 1º sargento (20%), capitão e 2º sargento (12%), 1º tenente e 3º sargento (6%) e demais militares (5%).
Ricardo Berzoini conta que tem defendido no Senado e na Câmara que os militares têm de ser bem remunerados, mas que tenham um sistema previdenciário compatível com a responsabilidade e se apropriando de uma grande parte do orçamento.
“Na verdade, misturaram assunto remuneração com assunto Previdência e, por conta disso, fizeram regras de transição não pesadas. Acoplaram no projeto um plano de cargos e salários generosos”, critica.
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Idade mínima
Pela proposta, os militares continuarão sem precisar atingir uma idade mínima para se aposentar; ao contrário dos civis que precisam ter 62 anos, se mulher e 65, se homem.
Tempo mínimo de serviço
O tempo mínimo de serviço também é menor do que os dos demais trabalhadores e subirá dos atuais 30 anos para 35 anos, mas somente para quem ainda não ingressou na carreira militar. Quem está na ativa precisará cumprir um pedágio de 17% sobre o tempo que falta hoje para a reserva.
Aposentadoria compulsória
A proposta apresentada pelo governo eleva o limite de idade obrigatória para os militares passarem para a reserva. Mas, de forma geral, a idade em que os militares de baixa ou média patente serão obrigados a se aposentar será mais baixa que a idade mínima exigida para que os civis se aposentem, que na reforma é de 62 anos para as mulheres e 65 para os homens.
Pela proposta, a idade máxima para soldados serem transferidos para a reserva subirá de 44 para 50 anos. A idade aumenta conforme a patente. No caso de tenente-coronel, por exemplo, a idade máxima subirá de 59 para 64 anos. E um general do Exército (patente mais elevada dessa Força), que hoje é obrigado a se aposentar aos 66, poderá seguir na ativa até os 70 anos.
Entre os civis, hoje apenas os funcionários públicos são obrigados a cumprir um limite máximo de idade para aposentadoria, aos 75 anos. A proposta de reforma da Previdência deixa em aberto a questão da aposentadoria compulsória para servidores, que deverá ser tratada posteriormente por meio de uma lei complementar.
Reforma dos militares será mais fácil de ser aprovada
O Projeto de Lei (PL) da reforma dos militares, ao contrário da reforma dos civis que foi enviada como Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é muito mais fácil de ser aprovada, pois necessita menos votos da Câmara e do Senado.
Um Projeto de Lei para ser aprovado requer a presença de, no mínimo, 257 deputados e a votação a favor de uma maioria simples, enquanto uma PEC necessita de 60% dos votos, em duas votações, das duas Casas.
A comissão que está analisando a reforma dos militares tem 31 membros titulares e outros 31 suplentes e terá o prazo de 40 sessões para votar um relatório. O deputado José Priante (MDB-PA) é o presidente e o relator é Vinicius Carvalho (PRB-SP).
Economia
De acordo com a proposta do governo, a União vai economizar R$ 10,45 bilhões em dez anos com a mudança das regras de aposentadoria dos militares.
No mesmo período, o governo pretende economizar mais de R$ 1 trilhão com a reforma da Previdência de servidores públicos federais e dos trabalhadores da iniciativa privada.
A princípio a reforma dos militares previa uma economia de R$ 97,3 bilhões, mas no Projeto de Lei (PL) foi incluída a reestruturação da carreira dos integrantes das Forças Armadas, com aumentos salariais e outros benefícios que impactam quase R$ 87 bilhões no orçamento.