Escrito por: Brasil de Fato
Para o especialista em direitos indígenas, o critério de demarcações ameaça povos e contraria padrões internacionais
O relator especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, pediu nesta terça-feira (13) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeite a tese jurídica do marco temporal das terras indígenas.
"Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a doutrina mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas", afirmou.
A tese jurídica defendida por ruralistas restringe a demarcação de terras ancestralmente ocupadas apenas às áreas habitadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O apelo de Tzay se estendeu ao governo federal e ao Senado brasileiro, onde o marco temporal tramita embutido no Projeto de Lei (PL) 490, já aprovado em regime de urgência pela Câmara.
"Incito o Governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os Povos Indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal Brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”
"Se a tese do marco temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta", justificou o relator da ONU.
O julgamento do marco temporal foi retomado pelo STF na última semana após um hiato de dois anos desde a última análise pela Corte. A tese jurídica tem até agora dois votos contrários, de Alexandre de Moraes e Edson Fachin, e um favorável, de Nunes Marques. A última movimentação foi do ministro André Mendonça, que pediu o adiamento de até 90 dias para concluir o voto.
José Francisco Calí Tzay, relator da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ressaltou que o marco temporal pode prejudicar mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos. Ele apontou ainda que a limitação é “contrária aos padrões internacionais”.
"A doutrina do marco temporal" tem sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka dos Povos Indígenas Guarani Kaiowa", alertou o relator.
O marco temporal é uma tese jurídica defendida pelo agronegócio, repudiada pelas organizações indígenas e considerada inconstitucional por juristas e advogados - indígenas e não indígenas.
A proposta muda radicalmente o critério para demarcações ao estabelecer que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da Constituição - podem ser reivindicadas por eles.
Se não tiverem provas de que ocupavam a área no período estipulado pelo marco temporal, centenas de grupos indígenas que foram expulsos de forma violenta de territórios - como ocorreu regularmente na ditadura militar de 1964, por exemplo - perderão o direito à terra.
A Constituição reconhece textualmente o direito originário dos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem mencionar nenhum critério de tempo para demarcações. Por isso, o marco temporal é considerado nitidamente inconstitucional por juristas, advogados e pelo Ministério Público Federal (MPF).