A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em suspender o julgamento sobre a homologação das terras indígenas na reserva Raposa Serra do Sol (RR), que aconteceria no dia 27 de agosto, em Brasília, gerou revolta e indignação aos povos indígenas e aos movimentos sociais. O fato é que, na ocasião, após a apresentação do voto do ministro Carlos Ayres Britto, que deu parecer favorável à manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, aceitou o pedido de vistas do processo feito pelo ministro Carlos Alberto Menezes.
O processo, cujos questionamentos visam anular a Portaria 534/2005 do Ministério da Justiça, que define os limites da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, homologada pelo presidente Lula em 15 de abril de 2005, ainda não tem nova data de julgamento.
A Terra Indígena fica a noroeste de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela e tem sido motivo de conflitos há anos. A área possui 1,67 milhão de hectares e é habitada por aproximadamente 15 mil índios das etnias Macuxi, Tauarepang, Patamona, Ingarikó e Wapixana, que ocupam 152 aldeias. Ao longo dos últimos 30 anos, as terras da reserva foram invadidas por grileiros arrozeiros que, não somente se instalaram no local, mas também, ampliaram as lavouras quando o processo de demarcação já estava em curso, o que é ilegal. Além de submeter os índios a situações análogas a de escravos nas fazendas, os grileiros são responsáveis pela violência permanente na área, agridem o meio ambiente, envenenam os rios da região com agrotóxicos e ferem os direitos constitucionais dos povos indígenas de Roraima.
Nos termos do Artigo 231 da Constituição Federal, os povos indígenas da Raposa Serra do Sol têm o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, comprovado pelos estudos realizados por ocasião da identificação de seus limites. Portanto, trata-se de um direito a ser respeitado e garantido pelo Estado, sendo o contrário disso, um retrocesso e violência aos direitos já adquiridos.
A Central Única dos Trabalhadores apóia a luta dos povos indígenas pela demarcação e exige que este direito, reconhecido pela Constituição Federal seja garantido e considera inadmissível que uma decisão do governo federal seja julgada a partir de questionamentos de uma elite composta por arrozeiros criminosos. A CUT reitera seu apoio à demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol e repudia a violência contra os povos indígenas, a discriminação e as tentativas de criminalização que tem surgido publicamente com o intuito de confundir a sociedade.
Várias ações têm sido tomadas pela CUT e pelos movimentos sociais para que o Supremo ratifique o decreto de homologação das terras da reserva indígena Raposa Serra do Sol e retire os invasores. A Executiva Nacional da CUT, reunida em São Paulo no dia 17 de setembro, aprovou a realização de uma atividade nacional de apoio e solidariedade aos índios, que será realizada no mês de outubro na capital paulista. Outra ação importante teve iniciou no dia 1º de setembro, quando a CUT Roraima protocolou uma denúncia junto à OIT pelo não cumprimento da Convenção 169, de 1989, sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas – em vigor no Brasil desde 25 de julho de 2003, após tramitar por onze anos no Congresso Nacional. No documento, a CUT reivindica plena aplicação da Convenção 169 da OIT que, nas disposições específicas, ao tratar de território, dispõe que deverá ser reconhecido aos povos indígenas o direito de propriedade e posse das terras que ocupam tradicionalmente.
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Para a vice-presidente da CUT Nacional e coordenadora da Comissão Nacional da Amazônia da CUT, Carmem Foro, presente na entrega do documento à OIT, juntamente com Dr. Ubiratan de Souza Maia do Instituto Warã de Direitos Indígenas e Dr. José Eymard Loguercio da Crivelli Associados, “a demarcação das terras da Raposa Serra do Sol é um dever do Estado e um resgate de parte de uma dívida histórica com os povos indígenas brasileiros. A delimitação legal de terras indígenas é fundamental para a subsistência de vários povos que vivem no Brasil. Representa a preservação cultural, a integridade dos limites territoriais e a preservação do meio ambiente e sua biodiversidade. Além disso, a demarcação assegura a proteção dos limites legítimos destes povos e encaminha parte da questão fundiária nacional. Para a CUT, uma decisão favorável à demarcação pelo STF favorecerá a aprovação de outras ações como estas em tramitação e que a Central tem sido forte porta-voz. Caso contrário, presenciaremos um retrocesso, uma ameaça à ampliação do processo de reforma agrária em nosso país”, alerta.
Leia abaixo o resumo da Convenção 169 da OIT
Disposições Específicas
Terras – compreende o conceito de territórios, o que cobre a totalidade habitat das regiões que os povos indígenas e tribais ocupam ou utilizam de alguma maneira.
Os governos deverão:
- reconhecer, quando for o caso, a relação especial que têm os povos indígenas e tribais com suas terras, inclusive os aspectos coletivos dessa relação;
- reconhecer os direitos de propriedade e de posse das terras que tradicionalmente ocupam; o direito ao uso das terras às quais têm tido acesso tradicionalmente para suas atividades tradicionais e de subsistência;
- identificar as terras dos povos indígenas e tribais e proteger seus direitos de propriedade e de posse, mediante sanções previstas pela lei contra toda intrusão não-autorizada e por meio de procedimentos para resolver as reivindicações de terras;
- proteger os direitos do povos indígenas e tribais sobre os recursos naturais de suas terras e territórios, inclusive seu direito de participar da utilização, administração e conservação desses recursos;
- consultar os povos indígenas e tribais antes de realizar trabalhos de prospecção e de exploração de minerais ou recursos do subsolo ou outros recursos cuja propriedade seja do Estado, mas que se encontram nas terras de propriedade dos povos indígenas e tribais;
- assegurar que os povos indígenas e tribais percebam uma indenização justa e eqüitativa por qualquer dano que sofram por essas atividades e que participem dos benefícios que produzam as mesmas;
- consultar os povos indígenas e tribais toda vez que se considere modificar sua capacidade de alienar suas terras;
- respeitar os procedimentos tradicionais de transmissão, entre os povos indígenas e tribais, dos direitos sobre as terras existentes;
- garantir aos povos indígenas e tribais um tratamento em igualdade de condições com os demais setores da população no desenvolvimento dos programas agrários nacionais;
- os povos indígenas e tribais não deverão ser removidos das terras que ocupam, a não ser em caso rigorosamente necessário.
No caso de remoção de suas terras ancestrais, os povos indígenas e tribais têm o direito de:
- só serem removidos com seu livre consentimento e com pleno conhecimento de causa ou ao termo de procedimentos adequados, inclusive consulta pública;
- regressar a suas terras quando deixarem de existir as causas que motivaram a remoção e o reassentamento;
- receber terras em qualidade e estatuto jurídico iguais às terras que antes ocupavam, caso não seja possível o retorno;
- ser plenamente indenizados quando forem reassentados.
Conheça abaixo a cronologia do Processo de reconhecimento oficial da Terra Indígena Raposa Serra do Sol
1917- Governo do Amazonas edita a Lei Estadual nº 941, destinando as terras compreendidas entre os rios Surumu e Cotingo para a ocupação e usufrutos dos índios Macuxi e Jaricuna.
1919 - Serviço de Proteção ao Índio (SPI) inicia a demarcação física da área, que estava sendo invadida por fazendeiros. O trabalho, entretanto, não é finalizado.
1977 - Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) institui um Grupo de Trabalho (GT) Interministerial para identificar os limites da Terra Indígena, que não apresenta relatório conclusivo de seus trabalhos.
1979 - Novo GT é formado. Sem estudos antropológicos e historiográficos, propõe uma demarcação provisória de 1,34 milhão de hectares.
1984 - Mais um Grupo de Trabalho é instituído para identificação e levantamento fundiário da área. Cinco áreas contíguas, Xununuetamu, Surumu, Raposa, Maturuca e Serra do Sol, são identificadas, totalizando 1,57 milhão de hectares.
1988 - Outro GT Interministerial realiza levantamento fundiário e cartorial sem chegar a qualquer conclusão sobre o conjunto da área.
1992/1993 - Funai decide reestudar a área, formando pela última vez novos Grupos de Trabalho.
1993 - Parecer dos GTs, em caráter conclusivo, é publicado no Diário Oficial da União no dia 21 de maio, propondo ao Ministério da Justiça o reconhecimento da extensão contínua de 1,67 milhão de hectares.
1996 - O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assina em janeiro o Decreto 1.775, que introduz o princípio do contraditório no processo de reconhecimento de Tis, permitindo a contestação por parte dos atingidos.
1996 - São apresentadas 46 contestações administrativas contra a TI Raposa Serra do Sol por ocupantes não-índios e pelo governo de Roraima.
1996 – O então ministro da Justiça, Nelson Jobim, assina o Despacho 80, rejeitando os pedidos de contestação apresentados à Funai, mas propondo uma redução de cerca de 300 mil hectares da área, com a exclusão de vilarejos que serviram como antigas bases de apoio à garimpagem, estradas e fazendas tituladas pelo Incra, que representa a divisão da área em cinco partes.
1998 - O ministro da Justiça, Renan Calheiros, assina o Despacho 050/98, que revogou o Despacho 080/96, e a Portaria 820/98, que declara a TI Raposa Serra do Sol posse permanente dos povos indígenas.
1999 - Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com pedido de anulação da Portaria nº 820/98.
1999 - Concedida liminar parcial ao mandado de segurança do governo de Roraima.
2002 - STJ nega pedido do Mandado de Segurança 6210/99, impetrado pelo governador de Roraima e que solicitava a anulação da Portaria nº 820/98.
2004 - Juiz de Roraima defere liminar que suspende parcialmente Portaria 820/98.
2004 - STF reafirma posição contrária à homologação.
2004 - STF suspende decisões que impediam homologação.
2005 - Ministra do STF suspende Portaria 820/98.