Escrito por: Luiz Carvalho

Responsabilidade fiscal é manter direitos e empregos

Fundação Perseu Abramo lança documento que coloca distribuição de renda como alternativa

Roberto Parizotti
Pochammn (em pé) durante apresentação da plataforma


Em discurso na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta segunda-feira (28), a presidenta Dilma Rousseff reforçou que a atual política econômica tem como mérito uma “forte redução das despesas”, “dos gastos” e “até dos investimentos”.

Para muitas organizações, porém, o caminho escolhido para solucionar a crise, ao invés de combater, trará mais recessão e, ao invés de ajustar as contas, aumentará o rombo com a diminuição da arrecadação por meio da queda no consumo, resultado do desemprego. 

Como o objetivo é mostrar que a saída não passa pela política recessiva, mas sim por um modelo de desenvolvimento que tenha como centro a distribuição renda, a Fundação Perseu Abramo (FPA) lançou nesta segunda-feira (28), em São Paulo, o documento Por um Brasil justo e democrático.

A iniciativa do Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas Para o Desenvolvimento, Fundação Perseu Abramo, Fórum 21, Plataforma Política Social, Le Monde Diplomatique Brasil e Rede Desenvolvimentista reúne propostas elaboradas por mais de 100 especialistas e é dividido em dois volumes. 

O primeiro, Mudar para sair da crise, combate aquilo que o presidente da FPA, o economista Marcio Pochmann, chamou de pensamento único do curto prazo, que foca na preservação dos ganhos para os especuladores, mas não dialoga com a maior parte das famílias brasileiras.

“A ditadura do curto prazo nos faz pensar pequeno e abrir mão do futuro”, apontou durante o lançamento. Para ele, com as lacunas estruturais apontadas no segundo volume, O Brasil que queremos, o país tem a oportunidade de crescer como poucos países tiveram.

Diagnóstico equivocado

Professor do Instituto de Economia da Unicamp e um dos organizadores do documento Pedro Rossi apontou também que a política econômica está fundada em um diagnóstico equivocado.

Ele repudia a ideia de que a culpa pela crise seria de uma junção entre a excessiva intervenção estatal, ao aumento exagerado de salários e uma nova matriz econômica desenvolvimentista.

Rossi ressalta que com a ampliação dos mercados consumidores, a empresas aumentaram a produção e a produtividade, especialmente entre 2005 e 2011, quando o ciclo virtuoso foi puxado pelo aumento da oferta de consumo. Muito mais do que o ciclo de commodities, como aponta o senso comum neoliberal.

O problema, destacou ele, é que esse crescimento veio acompanhado de algumas lacunas: apesar de diminuir a desigualdade, a inclusão veio muito mais por consumo do que por direitos. Além disso, faltaram políticas macroeconômicas e industriais, que conviveram ainda com uma taxa de câmbio desfavorável.

“Houve a modernização dos padrões de consumo sem que houvesse a modernização da estrutura produtiva e isso fez com nosso dinamismo sofresse forte impacto durante a crise internacional. Isso fez com que o empresário se tornasse cada vez mais um importador, principalmente a partir de 2011, quando a crise econômica foi mais sentida”, disse.

O professor criticou ainda a política de desoneração desconectada de contrapartidas sociais, que resultam na queda de arrecadação, somada à queda do crescimento. “Não deu o resultado esperado em termos de crescimento, setores engordaram a margem de lucro, mas não deram a resposta esperada.”

A situação costurada, que classificou de clima dominante de terrorismo fiscal, gerou ações equivocadas que aceleraram a crise. “Não havia nada de desastroso na situação fiscal. A dívida púbica caiu, o superávit primário de 2014 foi muito melhor do que o do Japão e dos EUA. Não estamos hoje com o FMI [Fundo Monetário Internacional] na nossa parte porque a crise não é tão grave quanto outras pelas quais já passamos do ponto de vista fiscal.”

Mas se a coisa não era tão ruim quanto parece, o governo tratou de deixar com o corte de investimento no setor público. “Estamos piores do que em dezembro do ano passado e irresponsabilidade fiscal é jogar o país numa recessão. O risco que temos aqui com o ajuste recessivo é de dar marcha ré social com redução de salários e direitos sociais, uma estratégia equivocada, ultrapassada, que não funcionou em país nenhum. Há necessidade de mudança na política econômica e há alternativas possíveis para o ajuste em curso.”

Emprego é o foco

Para o também professor do Instituto de Economia da Unicamp, Guilherme Mello, a alternativa é priorizar o emprego e a renda para dar sustentabilidade à arrecadação pública.

Mello explicou que a saída para a crise demanda um ciclo de políticas virtuosas. Ele sugere, por exemplo, retirar o superávit primário do cálculo sobre o investimento público, porque se paga quando gera emprego e desenvolvimento por meio de impostos arrecadados. E para recuperar a arrecadação pública, ele diz ser necessário o financiamento público.

Isso não se resume a injetar recursos, mas também cobrar de quem tem mais, por meio de uma reforma tributária. Mas, imediatamente, é necessário atuar em duas frentes: 1) derrubar a taxa de juros – “a inflação mais elevada decorre de decisão de reajustar uma série de tarifas públicas e o choque de custos não pode ser combatido com a taxa de juros, que só serve para deteriorar as contas púbicas. Gastamos 8% do PIB com juros que vão para rentistas, que acumulam mais e pioram distribuição renda”  e  2) regular o câmbio – “não há entra da nem fuga de capitais, tem um movimento grande de oscilação da taxa de câmbio por conta da regulação frouxa que permite especulação com nossa moeda”.

Crescer para não morrer – Essencialmente, o que prega a plataforma da FPA é algo que movimentos como a CUT têm defendido desde os primeiros sinais da crise, a necessidade de crescer com uma agenda positiva em um país no qual a demanda de infraestrutura é gigantesca.

Como ressaltou o professor Eduardo Fagnani, há um aspecto social e moral que o governo não tem compreendido. “A atual política interdita um projeto de desenvolvimento junto com reformas conservadoras no Congresso que estão querendo fazer os direitos retrocederem para o século 19. E isso pode dinamitar as pontes para projeto de desenvolvimento. Não se pode aceitar que demandas sociais da democracia não caibam no orçamento. Além disso, é preciso enfrentar o déficit de serviços públicos, não se pode falar em desenvolvimento sem garantir direitos sociais para toda a sociedade. E o crescimento da economia é condição necessária para combater as desigualdades”, definiu.