Não há anistia para violações de Direitos Humanos
Rosa Cardoso, da CNV, rebate informações divulgadas pela grande imprensa e afirma que Comissão recomendará responsabilização por crimes de lesa-humanidade
Publicado: 08 Dezembro, 2014 - 16h50 | Última modificação: 08 Dezembro, 2014 - 17h35
Escrito por: André Accarini, Henri Chevalier e William Pedreira
A advogada Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e coordenadora do Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, rebateu nesta segunda (8) informações divulgadas pela grande imprensa e afirmou que o relatório final da Comissão incluirá propostas de responsabilização civil, criminal e administrativa de todos os agentes públicos que colaboraram com o golpe e sustentaram o regime militar e também a não aplicação de dispositivos concessivos de auto-anistia.
"Há 114 trabalhadores urbanos que podemos dizer que foram assassinados, além de massacres e indução ao suicídio. Por tudo isso, nós queremos justiça e reparação, não nos contentamos apenas com a verdade", disse a advogada durante o Ato Sindical Unitário, em São Paulo, para a entrega oficial das recomendações dos trabalhadores à CNV.
Há 114 trabalhadores urbanos que podemos dizer que foram assassinados, além de massacres e indução ao suicídio. Por tudo isso, nós queremos justiça e reparação, não nos contentamos apenas com a verdade
Em referência à matéria publicada neste domingo na Folha de S. Paulo, na qual o advogado Pedro Dallari haveria destacado que a Comissão não fará recomendações sobre a revisão Lei da Anistia, Rosa afirma que a posição oficial da Comissão, em seu relatório - que será divulgado em Brasília, na quarta-feira (10) – é recomendar que não se aplique anistia a quem praticou crimes de lesa-humanidade, numa linguagem semelhante à sentença do Araguaia. A advogada também lembra que é preciso culpabilizar as empresas privadas pelo apoio dado à ditadura.
“As empresas não podem ser autoras porque não são pessoas físicas em nossa legislação”, afirma Rosa. “Mas há o caminho da reparação civil. A responsabilização que existe em debate sobre a Lei da Anistia é para os agentes do Estado. Agora, nós estamos falando de uma responsabilidade das empresas pela cumplicidade com os agentes públicos”. São 25 empresas que constarão no relatório, segundo a coordenadora.
Segundo a procuradora do Ministério Público Federal e presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga, a decisão do STF que reafirma a Lei da Anistia precisa ser repensada à luz de uma decisão interamericana.
“A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos disse que a Lei da Anistia vale, no Brasil, para os crimes praticados pelas pessoas contra o governo vigente e para todos aqueles atos que não se caracterizam como grave violação aos Direito Humanos. Em 1988, o Brasil assinou uma constituição brasileira em que diz que se submete às decisões dos tribunais internacionais em matéria de direitos humanos”.
Ou seja, para a procuradora, há margem para a responsabilização de agentes públicos e privados pelas repressões na Ditadura. Desde a primeira carta de direitos humanos assinada pelo Brasil, o país já se posiciona contra a violação de direitos humanos, afirma Eugênia. “Ao menos para ocultação de cadáver deve haver responsabilização. Porque é um crime que não prescreve”.
Ao longo de quase dois anos, o GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” fez um trabalho em sintonia com a Comissão Nacional da Verdade, finalizando com o relatório e as recomendações. Segundo Rosa Cardoso, das 43 recomendações do GT, 18 foram incorporadas pela Comissão Nacional da Verdade.
Comissão da Verdade da CUT entregará seus resultados no Congresso 2015- Foto: Roberto Parizotti“Exigimos que este esforço seja traduzido no relatório final da CNV, principalmente no que diz respeito à justiça e reparação a partir do resgate da memória histórica que apontou o significado golpe e repressão contra os trabalhadores, com graves violações, prisões arbitrárias e ilegais, torturas, execuções, demissões, intervenções em sindicatos, cassação de mandatos, além de toda uma legislação anti-trabalhista”, apontou Expedito Solaney, secretário de Políticas Sociais da CUT.
Solaney completou dizendo que a Comissão da Verdade da CUT entregará seus resultados no Congresso da Central de 2015.
Daqui em diante
Para o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade paulista "Rubens Paiva", a Comissão é um sucesso e sua principal consequência foi a ampliação do debate sobre o período ditatorial no Brasil.
“Quando começou o processo da comissão, nós discutíamos que havia tido um golpe militar. Depois ampliamos para golpe civil-militar, golpe empresarial-civil-militar e, hoje, é discutida a questão do ponto de vista dos trabalhadores”, destacou. Segundo ele, isso simboliza a compreensão, por parte da sociedade, de que a articulação em torno do golpe foi muito mais ampla do que os militares.
A procuradora Eugênia Gonzaga destaca o papel da mídia. Para ela, não se pode admitir qualquer resquício que pactue com a quebra do principio democrático. E a não culpabilização de empresas que apoiaram a ditadura as deixa à vontade para continuar apoiando medidas antidemocráticas. “A Folha de S. Paulo colaborou ativamente com a ditadura, inclusive cedendo veículos. Por conta de não se falar, pela impunidade, ela solta um editorial chamando a ditadura de ditabranda. Hoje estamos à volta de uma imprensa que não é imprensa, é partido”, afirma a procuradora. “Nós precisamos ter respostas jurídicas, democráticas, sem atentar contra os princípios democráticos”.
Saiba Mais
Os próximos passos, segundo a procuradora, será redirecionar os processos sobre o assunto para as regionais da procuradoria, sob recomendação de responsabilização dos que cometeram crimes de lesa-humanidade.
Segundo Rosa Cardoso, o relatório gerará muito interesse ao redor do mundo, principalmente por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de ONGs internacionais. Isto, pelo papel central do Brasil na América Latina e no mundo. “As cortes de todo o mundo vão querer ter a cópia de um relatório sobre a ditadura no Brasil”, afirma.
Após a entrega do relatório para a presidenta Dilma Rousseff, todo o material ficará disponível para consulta no Arquivo Nacional. O Ministério Público pretende, ainda, construir um Museu da Democracia com o conteúdo.
Requerimento ao MTE
As centrais sindicais assinarão um requerimento ao Ministério do Trabalho para que seja feito um levantamento das intervenções nos sindicatos entre os anos de 1946 a 1988. Com isso, as entidades pedem providências acerca das violações contra trabalhadores no período.
Como ação simbólica, os primeiros a assinarem o documento foram os três fundadores ainda vivos do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Raphael Martinelli, Clodesmidt Riani e Paulo de Mello Bastos. Como porta-voz, Martinelli afirma que a responsabilização de empresas que apoiaram a ditadura é necessária para que elas percebam que há consequências quando se atenta à Democracia. “A democracia está esperando de nós. Estamos em uma democracia que não é, ainda, a que nós queremos, mas é a que permite nos expressarmos e nos organizarmos para uma melhora na qualidade da democracia”.