RS: Audiência pública apoia projeto que susta liquidação da empresa pública de chips
Deputado Zé Nunes vai encaminhar à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa pedido de envio de moção de apoio à aprovação do PDL 558/2020 do Senado que susta efeitos do decreto de Bolsonaro
Publicado: 02 Dezembro, 2021 - 12h12 | Última modificação: 02 Dezembro, 2021 - 13h29
Escrito por: CUT-RS
A luta para suspender a liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S/A (Ceitec), única empresa pública que produz chips e semicondutores no Brasil e na América Latina, foi reforçada em audiência pública híbrida realizada nesta quarta-feira (1º) pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Após ouvir autoridades, especialistas e representantes dos funcionários, o presidente da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, deputado estadual Zé Nunes (PT), decidiu encaminhar à Mesa Diretora do parlamento gaúcho o pedido de envio de uma moção de apoio à aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 558/2020, do Senado Federal, que susta os efeitos do decreto de liquidação assinado em 15 de dezembro do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
O PDL 558 foi apresentado pelos senadores Jaques Wagner (PT-BA), Jean Paul Prates (PT-RN), Zenaide Maia (PROS-RN), Paulo Paim (PT-RS) e Humberto Costa (PT-PE). Segundo o requerimento de proposição da iniciativa, o fim da Ceitec é prejudicial ao país. “Sua extinção poderá comprometer o posicionamento estratégico do Brasil na manutenção da vanguarda e do domínio tecnológico”.
A Ceitec foi criada por decreto presidencial e instalada em Porto Alegre, em 2008, durante o governo Lula. Atua na área de semicondutores, projetando e produzindo circuitos integrados e tags de identificação por radiofrequência (RFID). Sua fábrica é capaz de fazer dispositivos eletrônicos, ópticos e microfluídicos (envolvendo fluidos em microescala).
No final de março do 2019, no governo Bolsonaro, a empresa foi incluída pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e, em junho de 2020, o Conselho do Programa (CPPI) encerrou estudos de avaliação e valoração da empresa. Na avaliação do Conselho, a liquidação é o cenário mais factível e com melhor custo-benefício.
Liquidação está suspensa pelo Tribunal de Contas da União
Em setembro de 2021, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou ao Ministério da Economia que interrompa o processo de desestatização do Ceitec até nova deliberação do Tribunal. No prazo de 60 dias, o Ministério da Economia precisará enviar uma série de informações à corte de Contas.
A decisão dos ministros foi baseada em voto do revisor da matéria, ministro Vital do Rêgo, que considerou frágeis as justificativas apresentadas pelo governo federal para fundamentar a desestatização da empresa.
O deputado Zé Nunes afirmou que a Comissão de Economia vai produzir um documento, a partir desta audiência pública, e tentar que o parlamento do RS, em nome de todos os deputados, reafirme a importância do Ceitec e solicite ao Congresso Nacional a votação do PDL ainda este ano. “Também vamos solicitar a manifestação do governador do Estado sobre o assunto”, informou
Para o parlamentar, o debate na audiência mostrou que será necessária muita luta para manter a Ceitec e reverter a decisão federal. “Esperamos que a empresa possa continuar, avançar e possa, sim, aprofundar suas articulações com o setor privado, sem abrir mão do que foi construído até agora em termos de investimentos em tecnologia de ponta”, analisou.
Cenário mundial de escassez de semicondutores
O professor da Faculdade de Economia da UFBA, Uallace Moreira, disse que o atual cenário mundial de escassez de semicondutores fez com que os principais atores globais na área de tecnologia (Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul) estejam anunciando grandes investimentos na expansão da sua capacidade produtiva.
“Este é um setor altamente subsidiado pelos governos em razão da sua essencialidade para o desenvolvimento”. Ele defendeu a atuação da empresa brasileira como um caminho para garantir a soberania nacional, através do fortalecimento de cadeias produtivas e capacidades construídas. “Nenhum país no mundo se desenvolveu dependente de empresas multinacionais”, lembrou Uallace.
O professor de Economia da Unifesp, André Roncaglia de Carvalho, disse que o valor de mercado da Ceitec, avaliado pelo Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (CPPI), que apontou para a liquidação da empresa, está equivocado ao levar em consideração um momento de refluxo, diferente do atual, que é de plena expansão.
Para André, a liquidação é uma irracionalidade, com efeitos danosos na economia doméstica, como paralisação de atividades e aumento da dependência em relação a outros países. Ele encerrou sua manifestação concluindo que a inovação e a tecnologia estão no centro das políticas econômicas, e que a escassez de oferta global de semicondutores abre janela de oportunidades para novos contratos e convênios de transferência tecnológica que podem fazer a Ceitec superavitária.
Falta política industrial e tecnológica para semicondutores
O representante da Associação dos Colaboradores do Ceitec (Acceitec), Silvio Luis Santos Junior, e o professor da UFRGS, Sérgio Bampi, falaram sobre os aspectos equivocados da liquidação e da responsabilidade política da decisão presidencial.
Conforme Silvio, a Associação busca apoio e sensibilidade política, pois o tema dos semicondutores afeta toda a sociedade em termos de inflação, dependência e soberania. Ele salientou o risco de perdas aos cofres públicos – cerca de R$ 1 bilhão - com o sucateamento do parque tecnológico da Ceitec e com a evasão de mão de obra qualificada.
Silvio ressaltou que a Ceitec é uma iniciativa estratégica do Brasil para garantir o domínio tecnológico completo da fabricação de circuitos integrados no país.
Bampi propôs que, além do apoio ao PDL que paralisa o processo de liquidação da empresa, seja reestabelecida uma política industrial e tecnológica para semicondutores e, por fim, aprovar a extensão do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores (PADIS).
Para Rossetto, não há interesse público na liquidação
A suplente do senador Paulo Paim (PT), Cleonice Back, saudou "a luta incansável dos funcionários da Ceitec, buscando apoio de todos os parlamentares do Rio Grande do Sul". Ela destacou que o senador "está junto desde o início dessa luta porque sabe a importância que tem essa empresa para o estado, o país e a América Latina".
Para Cleonice, que é também secretária-geral adjunta da CUT-RS, "o governo não tem ou não quer ter a compreensão do que significa essa empresa". Ela destacou a existência de vários projetos tramitando na Câmara e no Senado que visam suspender a liquidação da Ceitec.
O ex-ministro e ex-vice-governador Miguel Rossetto assegurou que não há interesse público na liquidação. Enfático, ele disse considerar o decreto presidencial uma estupidez, “Uma escolha pelo atraso que leva à perda de recursos públicos”, sentenciou.
Também se manifestaram o secretário estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, Luis Lamb; o assessor do senador Lasier Martins (Podemos); Leonardo Ribeiro; o representante do Ministério da Ciência e Tecnologia, Jorge Martins, o liquidante nomeado da Ceitec, Abílio de Andrade Neto; o representante da Prefeitura de Porto Alegre, André Barbosa; e o ex-presidente do Badesul, Marcelo Lopes.
Ainda estiveram presentes o secretário de Organização e Política Sindical da CUT-RS, Claudir Nespolo, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre, João Batista Massena, que estava junto com os diretores Jurandir (Bob), Marcelo, Agenor e Muniz, que também é funcionário da Ceitec.