Escrito por: Ademir Wiederkehr, CUT-RS

RS: Extrema direita ameaça e faz listas de boicote a empresários que apoiaram Lula

Especialista em direito administrativo afirma que pessoas atingidas devem reunir provas para ingressar com ações judiciais. Segundo ele, as listas podem configurar dano moral e concorrência desleal

Janaíra Ramos / Arquivo Pessoal

Os atos antidemocráticos realizados pela extrema direita aliada ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que ainda não aceitou a vitória do ex-presidente Lula (PT) nas eleições deste ano, não se restringem a concentrações e bloqueios de rodovias do país, em especial no Rio Grande do Sul e Santa Catarina que, sem apoio da sociedade, estão sendo desmontados.

Em várias cidades da Serra Gaúcha começaram a circular, por meio de grupos de WhatsApp, listas de boicotes, com várias ameaças, como “se precisar, vou aí te surrar", contra profissionais liberais e donos de lojas que teriam apoiado Lula.

A exposição de empresas e pessoas físicas nas redes sociais podem configurar uma atitude ilícita, disse ao G1 o advogado José Luiz Blaszak, que é  especialista em direito administrativo e eleitoral ouvido e identificou nas postagens dano moral e concorrência desleal.

“A liberdade do voto é garantida na Constituição, portanto, ninguém pode fazer boicote algum por conta do resultado de uma eleição”, disse ele o advogado que é ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso.

Entenda o caso

Os nomes de comerciantes e prestadores de serviço de Caxias do Sul, Flores da Cunha, Gramado, Casca e Nova Prata estão sendo expostos em listas que chegam carimbadas com as palavras "boicote", "comunistas" e "apoiadores do PT". Além do comércio local, em algumas dessas listas aparecem grandes redes lojistas do Brasil.

Logo no início das mensagens, o grupo avisa que a intenção é boicotar os estabelecimentos, ou seja, se recusar a comprar, usar ou frequentar algum local como forma de protesto pelo suposto apoio ao candidato do PT.

Uma das mensagens que mais chamam atenção é adornada por uma estrela vermelha do PT, com as frases: "Atenção, petista, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu". Outra, com a bandeira do Brasil, recomenda: "A partir de hoje, vejam onde vocês vão gastar seu dinheiro. Vamos comprar e usar serviços somente de quem pensa como você".

Segundo a Gazeta Gaúcha, em Casca, onde Bolsonaro teve 71% dos votos, contra 22% de Lula, as mensagens que mais chamam atenção tem uma estrela vermelha do PT, com as frases como "Atenção, petista, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu". Outra, com a bandeira do Brasil, recomenda: "A partir de hoje, vejam onde vocês vão gastar seu dinheiro. Vamos comprar e usar serviços somente de quem pensa como você". 

“Se precisar, vou aí te surrar"

Em Flores da Cunha, cidade onde Jair Bolsonaro (PL) teve 82% dos votos válidos no segundo turno, um dos donos de um restaurante citado na lista, que não quis se identificar, disse que não sabe como o seu nome foi parar no grupo  por não se manifestar politicamente de forma aberta. Ele conta que foi ameaçado após tentar conversar com uma das pessoas da lista. “O homem falou para mim: ‘se precisar vou aí te surrar’", afirmou.

Algumas das pessoas que foram citadas ou tiveram seus estabelecimentos citados na lista abriram um boletim de ocorrência coletivo na Polícia Civil. A ideia, agora, é entrar com uma ação judicial contra danos morais, conta o empresário.

‘Tu e a tua família nem deveriam existir”

Em Caxias do Sul, uma lista circulou com 47 estabelecimentos citados. Ao final da mensagem, os criadores fizeram o ‘L’ do Ladrão... e escreveram: “Não merecem o dinheiro dos conservadores."

Uma empresária que está na lista, que também prefere não ser identificada, conta que não é a primeira vez que tentam boicotar o seu restaurante por um posicionamento político. Ela relatou que se sentiu ameaçada após receber mensagens via Messenger.

“Recebi mensagens do tipo: ‘tu e a tua família nem deveriam existir’, além de outras ofensas. Eu fui lendo aquilo, chorando e ficando nervosa. Foi bem violento, não foi só puxar um boicote, foi agressão a mim e a minha família. Na época, eu não consegui sair da cama por três dias. Eu acho uma violência tão grande, mas vamos ter que atravessar esse momento novamente”, comentou.

O dono de outro comércio de Caxias do Sul, que também está na lista e prefere não ser identificado, afirma que sempre teve um posicionamento político e nunca o escondeu, mas fica triste pelas atitudes que estão sendo tomadas neste momento. 

“A ignorância está à solta. É uma ignorância política. Eu tenho a minha posição. Eu tenho o meu time de futebol, por exemplo, eu perco e fico triste, claro, mas a vida continua. Eu acho que estamos tomando um caminho nebuloso. Eu penso nas pessoas, nos menos favorecidos, essa é a minha postura. Eu me sinto magoado pela falta de compreensão das pessoas com os menos favorecidos”, relatou o empresário.

“Retaliação fascista”

Em Gramado e Canela, estabelecimentos e prestadores de serviços foram alvo de outra lista. Ela circulou em grupos de WhatsApp e no Instagram. 

“Esse boicote não é algo que a gente concorda e jamais permitiremos que isso se perpetue aqui. A gente não vai concordar com nenhum tipo de retaliação fascista desse tipo. Agora, temos que aparar as arestas e trabalhar”, afirmou o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur), Cláudio Souza.

Em Nova Prata, a lista já circulava na semana que antecedia o segundo turno das eleições, com 33 estabelecimentos e profissionais citados. Na introdução, os autores escreveram: "Deus não une pessoas, Ele une propósitos, princípios e valores sagrados. Vamos boicotar os comunistas de Nova Prata."

A Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) fez uma representação ao Ministério Público local sobre a lista divulgada. Em razão de o fato circular na internet, o caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), com atuação perante o Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O caso, agora, aguarda análise e manifestação da Procuradoria-Geral Eleitoral, em Brasília.

“Deveríamos trabalhar para pacificar o país”

Em São Marcos, foi presenciado um ato semelhante ao das listas. Na quinta-feira (3), a prefeitura anunciou o cancelamento da palestra com o escritor, poeta e empreendedor Bráulio Bessa. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram apoiadores de Bolsonaro criticando a escolha do palestrante por conta da posição política de Bessa, que anunciou voto em Lula nas redes sociais, e convocando protesto contra o evento.

Para o doutor em Ciências Humanas e professor de Filosofia, João Carlos Brum Torres, “deveríamos trabalhar para pacificar o país e não para extremar as pessoas em função de posição e opinião. É algo muito destrutivo, temos que pensar em manter o nosso país num mínimo de cordialidade e a capacidade de conviver com as pessoas que pensam diferente".

Com informações do jornal O Pioneiro