Parlamentares tentam suspender decreto de Bolsonaro que extingue estatal no RS
estatal brasileira é a única empresa da América Latina que atua na fabricação de chips e semicondutores
Publicado: 17 Dezembro, 2020 - 09h33 | Última modificação: 17 Dezembro, 2020 - 09h41
Escrito por: CUT - RS
Oito deputados federais protocolaram, na tarde desta quarta-feira (16) um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar os efeitos do decreto nº 10.578, publicado nesta quarta pelo governo Bolsonaro, no Diário Oficial da União, que autoriza a “desestatização” do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, a Ceitec, na modalidade de “dissolução societária”.
O PDL é assinado pelos deputados Henrique Fontana, Bohn Gass, Maria do Rosário, Marcon, Patrus Ananias, João Daniel, Erika Kokay e Nilto Tatto, todos do PT. Para eles, “a CEITEC é fundamental para Porto Alegre, para o Rio Grande do Sul e estratégica para o Brasil”. Segundo Henrique Fontana, "é mais um crime deste governo contra o futuro do país".
O senador Jaques Wagner (PT-BA) também anunciou a entrada de um projeto para sustar o decreto de Bolsonaro.
A estatal brasileira é a única empresa da América Latina que atua na fabricação de chips e semicondutores, utilizados na fabricação de componentes eletrônicos.
Decreto atropela julgamento de ações no TCU e STF
A publicação do decreto de Bolsonaro não aguardou o julgamento de uma ação impetrada no Tribunal de Contas da União (TCU) que apura irregularidades no processo de fechamento da empresa, localizada na Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre.
Além disso, a medida do governo foi tomada antes do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6241, ajuizada pelo PDT, que questiona a normatização da venda de estatais no país e tem julgamento previsto para sexta-feira (18).
Para o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, a decisão do governo mostra o descaso com a pesquisa, a ciência e tecnologia como fatores de desenvolvimento e soberania nacional. “A extinção da Ceitec revela que a política do Bolsano e do ministro da Economia, Paulo Guedes, é a destruição da indústria e a transformação do Brasil num grande fazendão”, criticou.
Segundo ele, “amplos setores do mundo acadêmico, empresarial e de organizações da sociedade civil do RS se mobilizaram para impedir que um empreendimento de tamanha envergadura como a Ceitec seja arruinado por um presidente que governa de costas para a soberania do Brasil, enquanto é devorado por águias astutas e sedentas por abocanhar o pouco de independência tecnológica que ainda nos resta”.
Fechamento vai custar mais caro do que mantê-la funcionando
Para a associação dos funcionários da Ceitec (Acceitec), que pretende recorrer na Justiça, o decreto "promove o entreguismo do país". A entidade vem chamando a atenção para o fato de que o fechamento da empresa vai custar mais caro do que mantê-la funcionando.
“Se a Ceitec fechar, precisará de R$ 300 milhões para descomissionar os equipamentos. É um parque com muitos químicos e gases tóxicos. É necessária uma licitação internacional para selecionar uma empresa estrangeira, licenciada para isso, vir desconectar”, explicou em ocasião anterior ao decreto o engenheiro Júlio Leão, porta-voz da associação.
A recomendação pela extinção foi formalizada pelo conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sob a alegação de que, apesar de aportes de R$ 800 milhões em duas décadas, a estatal ainda depende de injeções anuais de pelo menos R$ 50 milhões para cobrir a diferença entre receitas e despesas.
Números do próprio PPI projetam, no entanto, que essa diferença deixa de existir até 2028, mesmo no cenário mais pessimista. E essa trajetória pode ser acelerada para um balanço positivo na metade do tempo estimado, segundo os trabalhadores da Ceitec, que chegaram a levar ao governo federal um plano para manter a estatal de tecnologia funcionando, que envolve cortes de custos e perspectivas comerciais já em curso.
Mais um retrocesso de Bolsonaro
Segundo o deputado estadual Edegar Pretto (PT, “é mais um retrocesso do governo Bolsonaro”. O parlamentar postou nas redes sociais que eles “não querem um Brasil com capacidade de produção e mais uma vez colocam o país na era do atraso e a serviço de outros interesses”.
A deputada estadual Juliana Brizola (PDT) também condenou o decreto. “Além de autoritário, afrontando STF e TCU, novamente publicou ‘estudo’ leviano, sem assinatura de nenhum técnico. Brasil segue fadado à subordinação, ao entreguismo. Segue de joelhos, na contramão do mundo! Brasil colônia”. Também em suas redes sociais, ela divulgou um manifesto contra a extinção da empresa no início da tarde desta quarta.
A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol) denunciou o decreto de Bolsonaro no plenário da Câmara. "Vou lutar para impedir esse ato autoritário e salvar a Ceitec da sanha privatista de Guedes e Bolsonaro", apontou.
Decreto prevê demissão de funcionários concursados
O decreto que autoriza a desestatização informa que o processo de liquidação vai observar “os princípios da eficiência, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável e considerada a relevância da manutenção das atividades industriais de microeletrônica no país”.
Também autoriza “a publicização das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica, executadas pela Ceitec”. A proposta de dissolução societária prevê que os servidores contratados por meio de concurso público tenham os contratos rescindidos e seus direitos pagos.
A norma determina que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações vai definir as regras para a seleção e qualificação de entidade privada sem fins lucrativos como organização social, destinada a absorver as atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação no setor de microeletrônica desenvolvidas pela Ceitec. O processo deve durar até seis meses.
Ceitec sob ataque desde golpe de 2016
O projeto da Ceitec ganhou forma em 2000, quando um protocolo de intenções foi firmado entre os governos municipal, estadual e federal, instituições de ensino superior e empresas privadas (incluindo a Motorola).
As atividades do Centro de Design, onde são desenhados os projetos de chips, começaram nos parques tecnológicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC – RS), em 2005. No mesmo ano, também começou a construção do prédio.
Em 2008, o governo Lula (PT) decidiu encampar o projeto e, por meio de decreto presidencial, foi criada a Ceitec como empresa pública federal. Em 27 de março de 2009, o prédio administrativo e o design center da empresa foram inaugurados. Em 5 de fevereiro de 2010, Lula veio inaugurar a chamada sala limpa da fábrica.
No governo Dilma (PT), a Ceitec esteve focada em um projeto de desenvolvimento de microchips para passaportes. Era algo inovador que serviria de referência para nações estrangeiras e poderia gerar mais de R$ 25 milhões em receita, conforme levantamento da própria empresa. A pesquisa foi abortada após o golpe de 2016 por determinação do presidente golpista Michel Temer (MDB), que deu início ao processo de desmonte da estatal.