Escrito por: Luís Eduardo Gomes, do Sul 21

RS: Salário congelado dos professores corrói poder de compra, endivida e adoece

Os dados disponíveis no Portal mostram que, entre 2014 e 2018, as despesas do Estado com educação cresceram bem abaixo da média dos demais gastos públicos

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Alberto* é professor da rede estadual do Rio Grande do Sul desde 2008. Apesar de estar acostumado a fazer empréstimos no Banrisul e utilizar o cheque especial, decidiu, em 2014, ter um filho junto com a companheira da época. “O salário já era baixo, mas eu tinha crédito na praça, não estava negativado nem nada”, diz. Ele começou a perder o controle das dívidas após a filha do casal nascer, no início de 2015. Precisou retirar um novo empréstimo já para pagar a cesária. A situação foi se agravando à medida que a menina foi crescendo. Do salário de cerca de R$ 2,2 mil que recebia do Estado por 40 horas de trabalho, quase 80% eram consumidos pelo aluguel e pela escolinha da filha. A partir daí, começou a tirar um empréstimo atrás do outro. “Começou com um empréstimo pessoal, depois crédito especial, crédito do minuto, empréstimo automático, depois consignado. O Banrisul foi o grande algoz disso tudo”, diz.

Ele conta que, quando começou a atrasar o pagamento do aluguel e do condomínio, passou a ir a pé do apartamento em que morava, na Av. Anita Garibaldi, em Porto Alegre, até a escola estadual Oscar Tollens, localizada na Rua Vidal de Negreiros, um trajeto de mais de seis quilômetros que ele levava uma hora para fazer todas as manhãs. Na hora do almoço a caminhada era ainda maior, quase oito quilômetros até outra escola estadual localizada no bairro Floresta, onde dava aulas pela tarde. Ao final do dia, mais uma caminhada, agora um pouco mais curta, de cerca de 2,5 km, até voltar para casa. Uma rotina de mais de 15 quilômetros e duas horas de caminhada por dia. “Para não gastar, eu acordava mais cedo, escondido da mãe da minha filha, e saía de casa caminhando às 6h, para chegar na escola às 7h. Eu não ia a pé para economizar, era porque eu não tinha mesmo como ir. E era essa a maneira de não faltar na escola”, afirma.

Em 2018, Alberto foi nomeado professor municipal de uma cidade do Vale dos Sinos. Ele diz que, com o novo salário, conseguiu reequilibrar suas contas, ainda que permaneça pagando empréstimos. O contracheque cedido pelo professor à reportagem (abaixo) mostra que o salário dele no último mês de março foi de R$ 1.695,51, incluindo vantagens e o completivo do Piso do Magistério. Contudo, descontadas contribuições e as despesas fixas em folha, seu salário líquido foi de R$ 661,10.

A realidade de Alberto não é muito diferente da maioria dos professores e funcionários de escolas no Rio Grande do Sul, que vivem atualmente com praticamente o mesmo salário que recebiam em novembro de 2014, quando entrou em vigor a última parcela de 13,72% do reajuste concedido à categoria pelo governo Tarso Genro (PT). Desde então, receberam apenas o reajuste no completivo pago pelo Estado para que nenhum professor receba menos do que o Piso Nacional do Magistério, que era de R$ 1.917,78, em 2015, e atualmente está em R$ 2.557,74, para uma jornada de 40 horas semanais. O completivo, contudo, não influi nos benefícios do plano de carreira, que são calculados pelo salário básico.

Thaís Birck Dillenburg, 35 anos, enfrenta a crise dos professores estaduais em dobro na família. O marido, Bruno Bunilha Moraes, 34 anos, também é professor. Juntos, eles somam 80 horas de aulas em escolas estaduais na cidade de Canoas, onde moram. E ela ainda ainda ministra mais 20 horas na rede municipal de Nova Santa Rita. No final do mês, o salário líquido de ambos fica na casa dos R$ 5 mil. Recebidos, desde 2015, em parcelas ou atrasado. “Quando o parcelamento iniciou, ainda no governo Sartori, quando um recebia R$ 300, o outro também recebia R$ 300”, diz.

As contas começaram a atrasar. Apesar de não gostarem de fazer compras básicas no crédito, tiveram que recorrer ao cartão para pagar o supermercado e a gasolina. Mas adiar o pagamento também era um problema por si só. A fatura do Banrisul vence no dia 2 de cada mês, uma data que não conseguem alterar — como alteraram das contas de luz e internet, por exemplo –, mas as maiores parcelas do salário só caíam depois dessa data. Quando o salário começou a ser atrasado, em vez de parcelado, também entrava na conta posteriormente. O resultado: juros. O mesmo problema ocorre com a prestação do imóvel adquirido pelo Minha Casa, Minha Vida. Para tentar fazer frente aos atrasos, passaram a contratar um empréstimo no Banrisul que equivale à antecipação do salário, uma operação que também carrega juros. Thaís estima que, em média, ela e o marido somados têm uma despesa fixa de pelo menos R$ 70 por mês somente com o pagamento de juros. “Se a gente for somar o montante de juros que já pagamos, além de juros do cheque especial, é assustador”, afirma.

Além dos juros, há a perda do poder de compra. Há quatro anos, Thaís gastava cerca de R$ 50 por semana com gasolina em um trajeto que inclui deixar Bruno na escola estadual Guilherme de Almeida, onde ele é vice-diretor. Como ela se divide entre a escola Margot Giacomazzi, em Canoas, e uma escola em Nova Santa Rita, fica com o carro até o final do dia. Hoje, o combustível consome cerca de R$ 90 semanais. A TV a cabo foi cancelada, mesmo que gostassem de ver o noticiário dos canais fechados. Também deixaram de ir ao cinema e a shows. Eliminaram tudo o que poderia ser considerado supérfluo e ainda trocaram as marcas de produtos que gostavam por opções mais baratas. “A gente acaba tendo que se privar porque hoje não sobra absolutamente nada do salário”, diz.

Um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-RS), a pedido da reportagem, aponta que a cesta básica de Porto Alegre aumentou 40% entre dezembro de 2014, quando passou a valer o último reajuste concedido aos professores, e março de 2019. Outras despesas, no entanto, tiveram altas acima desse patamar. A kilowatt de luz, por exemplo, aumentou 57%. O gás de cozinha, 52%. A tarifa mínima da água subiu 160%. A passagem de ônibus, 54%. A tarifa do Trensurb, 125%. A gasolina comum, 48%. O telefone celular, 46%. Em uma simulação com uma lista desses gastos, o Dieese apontou que os gastos básicos de uma pessoa com esses itens somavam, em dezembro de 2014, R$ 1.863,99 mensais, enquanto hoje chegam a R$ 2.460,69.

No início de maio, o carro do casal estragou. O orçamento da conserto deu R$ 2,5 mil. Depois de muito choro, conseguiram parcelar em cinco prestações. Ainda assim, apertou ainda mais a situação financeira. Não conseguem economizar. “Quando a gente se depara com uma situação de emergência, não temos como fazer nenhuma reserva”, diz Thaís. Sem reserva, não podem fazer planos. “Ter um filho é um projeto adiado”.

Após quatro anos de congelamento salarial e em que as negociações com o governo do Estado pouco avançaram na gestão de José Ivo Sartori (MDB), em 29 de abril, a direção do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) se reuniu com o governador Eduardo Leite (PSDB) e com um grupo de secretários estaduais para tratar de um possível reajuste salarial. O sindicato pede 28,78% de aumento, o que equivaleria apenas às perdas inflacionárias da gestão anterior. No encontro, a presidente da entidade Helenir Schürer Aguiar, afirmou que os professores se encontravam no “limite da miserabilidade”. Inicialmente, Leite disse que se sensibilizava com a situação, mas que, no momento, não havia espaço para um reajuste. Posteriormente, chegou a conceder que havia espaço para a negociação. Ao final, as partes concordaram em manter uma mesa de negociação aberta, com reuniões a cada 15 dias. Para a próxima, marcada para o dia 27 de maio, a expectativa do Cpers é que haja algum avanço por parte do governo.

A partir de dados disponibilizados pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), o Dieese aponta que os gastos com pessoal da Secretaria da Educação (Seduc) representavam 37,8% da folha de pagamento do Estado em dezembro de 2014, quando passou a valer o último reajuste concedido aos professores. Atualmente, representa 30,2%. Caso o governo concedesse o aumento de 28,78% reivindicado pelo Cpers, representaria 34,5%, ainda abaixo do percentual de quatro anos atrás

Investimento em educação estagnado

Um dos argumentos utilizados pelo governo para justificar a necessidade constante de ajuste fiscal e, consequentemente, não conceder reajuste aos professores, é de que as despesas com pessoal têm um crescimento vegetativo, gerado pelos triênios e outras vantagens das carreiras dos servidores, na casa dos 3% ao ano. Dados disponíveis no Portal da Transparência apontam que, de fato, o gasto com encargos e pessoal aumentou 26% entre 2015 e 2018, de R$ 33.548.838.137,87 para R$ 42.346.270.268,19.

Quando são considerados apenas os gastos da administração direta do Executivo com pessoal e encargos, o crescimento acompanhou as despesas totais do Estado. Saíram de R$ 29.763.566.246,98, em 2015, para R$ 37.781.764.713,12, em 2018, alta também de 26%. Contudo, essas mesmas despesas da Seduc caíram 1,82%, de R$ 7.568.748.168,51 para R$ 7.431.345.642,28 — levando em conta 2014, houve crescimento de 9%. Essas mesmas despesas também cresceram para os servidores do Ministério Público, com alta de 16% no período, e para o Poder Judiciário, com alta de 14%, enquanto reduziram cerca de 5% no Poder Legislativo, de 488.522.636,08 para R$ 464.622.329,69.

Evolução dos gastos do RS

Os dados disponíveis no Portal mostram que, entre 2014 e 2018, as despesas do Estado com educação cresceram bem abaixo da média dos demais gastos públicos. Em 2014, as despesas efetivas registradas pelo governo do Estado — isto é, o que de fato foi gasto — somaram R$ 51.456.405.949. Em 2018, os gastos atingiram R$ 68.827.702.798, uma alta de 33%. Levando em conta apenas o governo Sartori, entre 2015 e 2018, as despesas aumentaram 25%. Já os gastos efetivos em educação saltaram de R$ 7.717.758.872,41 para R$ 8.192.221.361,56, alta de apenas 6%. Contudo, considerando apenas o período do governo Sartori, os gastos com educação caíram 0,34%, uma vez que, em 2015, foram empenhados R$ 8.219.349.814,50 na área.

A queda nas despesas da educação pode ser explicada, em parte, pela redução do número de alunos e, consequentemente, de professores no Rio Grande do Sul, dada a redução na contratação de professores em caráter emergencial. De acordo com o Censo Escolar de 2006, o mais antigo disponibilizado pela Secretaria de Educação (Seduc) em sua página, o Estado tinha naquele ano 1.369.452 alunos matriculados e 67.845 professores em sala de aula. Em 2014, no último ano do governo Tarso Genro, o número de alunos matriculados na rede havia caído para 1.013.582, enquanto o de professores tinha sido reduzido para 49.248. O Censo Escolar de 2017, o último finalizado, registrou 930.616 matrículas e 43.712 professores em sala de aula, reduções, respectivamente, de 33% e 36%.

No entanto, o Portal da Transparência também registra uma forte queda no investimento — os gastos não fixos — na última gestão. Em 2014, esse valor chegava a R$ 161.640.643,76. Em 2015, R$ 82.292.013,29, uma queda de 49%. Em 2018, caiu ainda mais, para R$ 49.819.356,04, cerca de 40% em relação ao ano anterior e 70% em relação a 2014.

Clarice Dal Médico começou a trabalhar no Colégio Estadual Cândido José de Godói, no bairro Navegantes, de Porto Alegre, em 2003. Ela recorda uma conversa que teve com um colega algum tempo depois. “Uma noite a gente estava conversando e um dos professores disse: ‘Eu não me assusto se chegar um dia que o professor vai ganhar por 20h um salário mínimo’. Eu pensei: ‘esse cara deve estar fora de si’. Pelo salário que era e pelo que era o salário mínimo”.

O tempo passou, ela segue na escola, o colega está em outra, mas ainda no Estado, e há professores com 20 horas que ao fim do mês, ou quando recebem, não tiram um salário mínimo limpo. “Uma pessoa que tem uma faculdade, que tem uma pós-graduação, que se dedica a ensinar. Sabe o que é o mesmo salário de 2014? O que tu compra com R$ 10 e compra hoje?”

 

Desde 2014, ela é responsável pela área de recursos humanos da escola, além de também atuar na direção e como supervisora. Nesse período, nenhum professor da escola conseguiu ter uma promoção de nível pelo governo do Estado, o que deveria ocorrer à medida que eles vão se aperfeiçoando na profissão. Mas o que acontece, na prática, é que sequer são avaliados em termos de publicações e cursos que fazem. “A última avaliação que foi feita na escola foi em 2014, referente a 2013. Depois que entrou o Sartori, não teve mais nada”.

Essa realidade vai na contramão de um velho discurso em defesa da aplicação de critérios meritocráticos dentro da escola, sempre defendido em governos do PSDB e

Precarização das escolas

A Cândido José de Godói conta hoje com 51 servidores ativos, entre professores e funcionários. Clarice diz que, dos 17 professores que foram nomeados para trabalhar na escola após o concurso realizado em 2013, seis já deixaram o Estado. “Nós tivemos os melhores professores saindo. Um porque foi trabalhar na Prefeitura, outro foi trabalhar em Santa Catarina. Outra foi trabalhar no circo”, conta.

Ela diz que, entre os contratados mais jovens, que não têm estabilidade garantida, o normal é ficarem até dois anos, antes de irem fazer outra coisa. “Ou é alguém que está fazendo mestrado, aí convém ficar”, diz. No entanto, ela conta que também há casos de professores há muitos anos na rede estadual pedindo exoneração. “Um excelente professor de história tinha 16 anos de Estado e saiu no início do ano passado”, diz. “Quando eu entrei nessa escola, tinha aquelas professoras antigonas, que tinham entrado no início do magistério e seguiam. Agora não é mais assim, tem uma grande rotatividade, o que é péssimo para a educação”.

do MDB no Estado. Hoje, não há incentivo real para os professores se qualificarem. “Tu vai fazer um curso e imagina que ele irá te ajudar em alguma coisa. Que coisa? Salarial, além do conhecimento. Eu vendo a minha força de trabalho para o Estado e a minha força é dar aula. Eu tenho que me qualificar e tenho que ter um retorno por isso, mas não existe nada. Existe cobrança de algumas formações com péssima qualidade oferecidas pela Seduc e depois o professor fica com um certificado que não vale nada para ele”, diz.

Em março, a Assembleia Legislativa aprovou o fim da licença prêmio, que permitia que os professores que não conseguissem usufruir de um tempo de aperfeiçoamento fora de sala de aula pudessem converter períodos a que tinham direito em vantagens financeiras. Os únicos avanços que os professores ainda recebem são os triênios, mas o governo Leite fala abertamente da necessidade de revisão do plano de carreira da categoria, o que pode levar a cortes também desse benefício. “Não tem mais o que tirar. Só se ele não quiser pagar, quiser que a gente faça um trabalho de missão. Daí a gente vai para a África, que é mais chique”.

Além da saída dos professores, os quadros das escolas estão sendo enxugados para economizar custos. Thaís Dillenburg conta que a Margot Giacomazzi tinha profissionais atuando na supervisão em três turnos no passado. Agora, tem apenas uma supervisora para dar conta dos cerca de 890 alunos que estudam de manhã, à tarde e à noite. Só há uma merendeira. A limpeza também é feita por apenas uma funcionária em cada turno. Sem falar na falta de recursos para manutenção. “A escola está destruída. Chove mais dentro do que fora. Teve um muro que desabou há cinco anos e não foi feito nada. Se um dia acontecer uma tragédia, não tem nenhuma perspectiva de verba para manutenção”, diz.

Uma categoria humilhada

Como responsável pelo RH, Clarice diz que é possível ver o adoecimento da categoria, físico e psicológico. Professores, mesmo jovens, entrando em licença de saúde. Também percebe os professores desanimados, com dificuldades para exigirem dos alunos.

Ela relaciona o aumento da violência contra professores à precariedade das condições de trabalho da categoria. “O professor virou algo que todo mundo xinga, que o aluno xinga, que o pai do aluno xinga. Para mim, é por causa do governo, que desqualifica a nossa função. Todo mundo sabe que nós ganhamos uma miséria. Nós temos aluno de Ensino Médio em estágio ganhando a mesma coisa que professor. Os pais ficam sabendo disso. A gente faz uma manifestação por alguma coisa, o Estado mete a polícia em cima da gente. Isso vai minando”, afirma.

Thaís concorda que a imagem do professor vem se deteriorando cada vez mais à medida que a condição financeira da categoria vai se precarizando. “O professor está numa situação de humilhação tão grande, que a gente não consegue ter o respeito absoluto do aluno. A gente passa a imagem de coitado, de miserável. Eu lembro de quando começaram os parcelamentos, os alunos chegaram a falar de fazer uma vaquinha para comprar cesta básica”, conta. Para ela, apesar de muitos professores não abordarem o assunto em sala de aula, os alunos sabem que eles passam por problemas financeiros. Eles veem, por exemplo, os professores levando marmita para a escola porque não têm condições de pagar uma refeição.

Além da humilhação perante a comunidade escolar, Clarice avalia que os professores estão passando por um processo de envergonhamento à medida que as condições materiais pioram. Este envergonhamento foi admitido por Alberto, ao pedir para ter seu nome modificado. E, para Clarice, acaba reduzindo o poder de mobilização da categoria. Mesmo com as diversas greves que ocorreram no governo Sartori, incluindo a de 2017, que durou mais de 90 dias, ela argumenta que faltou força à categoria para lutar contra a precarização. Para ela, há uma questão simbólica que impede muitos professores de se levantarem fortemente contra o parcelamento e congelamento de salários, o medo de que pessoas próximas possam considerar a situação como uma humilhação.

“Além de sofrer uma perda do poder de compra, ter o salário parcelado, fica feio tu admitir isso. Tua moral parece que vai ser atingida. O professor tem que ter uma formação muito segura para ir para frente de uma turma, fazer com que ela não o desrespeite e dizer: ‘Olha, eu não recebi o meu salário, estou com a minha conta de luz para ser cortada’. Não é qualquer um que consegue dizer isso. Porque a gente vive numa sociedade que condena o pobre, condena aquele que não tem um bom salário”, diz Clarice. “Como que eu vou chegar na frente dos colegas e dizer que estou mal?”

Ela própria sente isso na pele, na comparação que é feita por familiares. “Se tu me pergunta porque eu sou professora. Eu sou filha de agricultor e, para nós, lá fora, ser professor era uma grande coisa. Tive que sair de casa. Eu não me arrependo de ser, porque é algo que gosto. Eu tive um irmão mais novo que nunca quis estudar, sempre fez bagunça. Agora ele trabalha com marmoaria e diz assim: ‘tá aí, tu estudou, fez faculdade, eu não, e agora ganho o teu salário longe’. Então, dentro da própria família, o pessoal percebe”.

Diante de tantos problemas, é impossível que a situação financeira não acabe afetando o trabalho em sala de aula. “O nosso planejamento regular já não seria suficiente para dar conta de todas as atividades. Obrigada a trabalhar 60 horas, esse tempo fica mais resumido ainda”, diz Thaís.

Clarice diz que se pergunta o porquê de, apesar dessa situação, muitos professores ainda buscarem fazer carreira no Estado. “Eu acho que no trabalho tem alguma coisa de gostar. Agora, não é porque os professores gostam de serem professores que o governo tem que fazer isso”.