Rumo à greve: Em Manaus, trabalhadores da educação protestam contra aula presencial
Governador mantém decisão mesmo sem testagem para alunos, EPIs sem qualidade e 3 em cada 10 profissionais da educação com teste positivo para Covid-19
Publicado: 01 Setembro, 2020 - 14h57 | Última modificação: 01 Setembro, 2020 - 16h38
Escrito por: Érica Aragão
Professores do Amazonas, onde 3 em cada 10 dos 500 trabalhadores da educação testados têm o novo coronavírus ativo, reagem contra as aulas presenciais que começaram no dia 10 de agosto e paralisam as atividades nas escolas, mas mantém as aulas remotas para não prejudicar os alunos da rede pública.
A paralisação das aulas presenciais em defesa da vida foi decidida pela categoria em assembleia mediada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas (Sinteam), na semana passada. E nesta terça-feira (1º), primeiro dia da paralisação, 50% das 123 das escolas já aderiram ao movimento, apesar das ameaças do governo do estado, comandado por Wilson Miranda Lima (PSC), que insiste em manter as aulas presenciais.
Manaus foi a primeira capital que retornou às escolas, mesmo o estado tendo batido recordes de contaminação por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, três meses antes. Em maio, o Amazonas chegou a ultrapassar as regiões Sul e Centro-Oeste juntas em número de pessoas infectadas, o sistema de saúde colapsou e muitos morreram por falta de assistência.
O governo do estado, que não se preparou para combater a pandemia, também não seguiu protocolos para o retorno das aulas presenciais, afirma a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) em Manaus e ex-presidente do Sinteam, Isis Tavares Neves.
“Fomos nas escolas fiscalizar e vimos aglomerações na entrada, alunos sem máscara e salas de aula com vidros chumbados, sem ventilação natural, e EPIs [Equipamento de Proteção Individual] de péssima qualidade”.
Segundo a dirigente, foi com muito diálogo que a entidade conseguiu mobilizar os trabalhadores para se negarem a ir às escolas a partir de hoje, por tempo indeterminado, e só manter a aula remota para não prejudicar os alunos. “Porque nossa intenção é salvar vidas e se o governador não recuar iremos fazer uma greve, ou seja não vai ter aula presencial nem remota”, disse.
De acordo com Isis, tem escolas que já têm metade dos profissionais da educação contaminados, fora os assintomáticos. E como os alunos não são testados, o governo não está seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), porque só isola o contaminado e não a rede de pessoas que tiveram contato com quem ficou doente. Além disso, ressalta que a maioria dos trabalhadores e alunos usa o transporte público e o número de contaminados pode ser muito maior.
“As medidas de Bolsonaro contra o funcionalismo público contribuem ainda mais para a insegurança da categoria em reagir à estas atrocidades”, afirmou a dirigente se referindo ao presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), complementando:
“Mas a defesa da vida falará mais alto e os trabalhadores da educação estão muito apreensivos, se precisar faremos trancaços nas portas da escola para que não tenha aula presencial”.
Apoio é fundamental
O apoio e a solidariedade ao movimento têm sido fundamental para manter a cabeça erguida e continuar na luta, segundo a dirigente. A categoria conta com apoio de outros sindicatos e das centrais sindicais da região, que inclusive publicaram uma carta de solidariedade à categoria. E educadores de todo o Brasil se solidarizam com a luta travada pelos professores e funcionários de escola do Amazonas.
Enquanto uns salvam vidas outros salvam políticos
A diretora da CNTE lembrou ainda o processo de impeachment do governador por improbidade administrativa e crimes de responsabilidade em relação a recursos destinados ao combate do novo coronavírus que foi arquivado pelos deputados estaduais.
“Enquanto a gente vê o governador sendo salvo de um impeachment porque lavou dinheiro com a pandemia e deixou milhares de pessoas morrerem por sua incompetência, nós trabalhadores não temos apoio de nenhum parlamentar no estado e muito menos da justiça”.
Papel do sindicato
Os pais estão apoiando cada vez mais o sindicato e dialogando cada vez mais com os representantes da entidade, diz a dirigente. O Sinteam também abriu um espaço de denúncias para que a comunidade escolar possa manter os dirigentes informados e para poderem agir em defesa da vida.
Isis ainda ressalta que o município de Manaus assinou um decreto do retorno das aulas presenciais só para o ano que vem e que talvez isso ajude a sensibilizar o governo e possa contribuir na luta em defesa da vida da categoria. E que o sindicato usará este argumento para que as escolas estaduais fechem.
Questão econômica
A categoria já havia feito uma paralisação em defesa da vida, mas teve desconto do salário, o que deixou os trabalhadores e as trabalhadoras apreensivos em relação às mobilizações e em fazer uma greve, o que é normal em um estado pobre, onde 60% da população está vivendo do auxílio emergencial de R$ 600 e um pouco menos de 500 mil pessoas têm carteira assinada.
“Uma realidade complicada para nós aqui no Amazonas, mas não desistiremos. Não vai ser fácil esta luta, mas temos que ter responsabilidade com a vida das pessoas”, afirmou Isis.
Luta na justiça
O Sinteam solicitou ao Ministério Público Estadual que fossem mantidas as aulas remotas e que a rede estadual não reiniciasse as aulas presenciais devido aos riscos de vida de toda comunidade escolar. A resposta do Ministério Público foi que não havia provas que justificassem o não reinício das aulas presenciais, endossando a decisão da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas.
“A resposta do MP não levou em consideração a subnotificação, o fato de não haver UTI’s com leitos suficientes para o atendimento no estado, os riscos de novos picos da doença, que ocorreu mesmo em países que aparentemente tiveram o controle da pandemia e que a trataram com a seriedade devida. Ou seja, a preservação da vida foi desconsiderada”, diz trecho de carta das centrais sindicais criticando a postura do MP.
Assista o vídeo da Campanha #naorespondaessachamada
*Matéria editada por Marize Muniz.