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Saiba o que Bolsonaro quer esconder com os decretos de sigilo de 100 anos

Sigilo foi imposto sobre vacinação do presidente, processo contra Pazuello, acesso dos filhos Carlos e Eduardo ao Planalto, reuniões com pastores investigados e caso de Flávio Bolsonaro com “rachadinhas"

Publicado: 30 Agosto, 2022 - 09h33 | Última modificação: 30 Agosto, 2022 - 19h06

Escrito por: RBA

Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou vários decretos de sigilo de 100 anos sobre temas espinhosos para ele, familiares e apoiadores. O tema foi citado pelo ex-presidente Lula no debate deste domingo, mas sem detalhar o teor das medidas. Mas internautas ficaram curiosos e fizeram crescer as buscas do termo “sigilo de 100 anos” no Google na noite de ontem. O candidato à reeleição já lançou quatro decretos para evitar que processos incômodos se tornem públicos.

Ele apela a uma brecha regulamentada na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) em seu artigo 31, parágrafo primeiro, inciso I. Conforme a lei, informações pessoais, relativas a intimidade, vida privada, honra e imagem terão acesso restrito. “Independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem.”

Em janeiro de 2021, o Planalto decretou sigilo de até 100 anos ao cartão de vacinação do presidente e a informações sobre as doses de vacinas já recebidas pelo chefe do Executivo. Não se sabe se porque ele não tomou mesmo, ou se contrariou seu próprio discurso antivacina e tomou escondido. Questionado na época se pretendia se vacinar contra a covid-19, Bolsonaro reafirmou que seria o último a se imunizar.

Cem anos de proteção a Eduardo Pazuello e filhos

Em maio de 2021, para beneficiar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, Bolsonaro decretou sigilo de 100 anos de um processo interno. O Exército apura a participação do general em um ato político ao lado do presidente naquele mês. A decisão foi da comissão formada por servidores do alto escalão de sete ministérios. A justificativa foi de que a divulgação do documento representaria risco aos princípios da hierarquia e da disciplina do Exército.

O pedido de acesso foi feito pelo jornal Folha de S.Paulo, que questionou também o fato de Pazuello não receber punição. Em resposta, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) afirmou que a ausência de uma “punição não pode ser compreendida como ausência de risco aos pilares da hierarquia e disciplina, expressos no artigo 142 da Constituição Federal”.

No final de julho, Bolsonaro determinou sigilo de 100 anos para dados de acessos ao Palácio do Planalto dos filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro. A informação foi revelada pela revista Crusoé, que requisitou o acesso por meio da Lei e Acesso à Informação.

Cartões usados para ingressar no edifício-sede do governo federal haviam sido confirmados pela própria Presidência da República por meio de documentos encaminhados à CPI da Covid-19.

Segundo a publicação, entre abril de 2020 e junho de 2021 Carlos, o filho 02, visita o Palácio do Planalto pelo menos 32 vezes. Seu irmão Eduardo, o 03, esteve no gabinete do pai, oficialmente, pelo menos em três momentos, registrados no mês de abril de 2020.

Em nome da honra da família do presidente

Ambos participavam de reuniões do chamado gabinete paralelo, que orientava Bolsonaro na condução da pandemia. E também do chamado “gabinete do ódio“, grupo de assessores que trabalham no Palácio do Planalto com foco nas redes sociais. Inclusive na gestão de páginas de apoio à família Bolsonaro que difundem desinformação e atacam adversários políticos do presidente.

Mas a Secretaria-Geral da Presidência justificou que as informações solicitadas “dizem respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos familiares do senhor Presidente da República, que estão protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei nº 12.527, de 2011”.

Na época, Bolsonaro chegou a dizer à Rádio 96 FM de Natal (RN) que não havia “nada de esquisito” nem de “anormal” no fato de o governo ter colocado sigilo de 100 anos nos dados dos crachás dos filhos do mandatário e em seu cartão de vacina. “Olha só o que diz a lei, que o meu sigilo, questões pessoais minhas podem ter até 100 anos. O que pediram para mim? Foi minha carteira de vacina, isso é pessoal meu. Então nós, aqui, temos direito por lei. Agora, eu vou entregar a minha carteira de vacina? Daqui a pouco vou entregar coisas pessoais se eu não negar isso daí. Então, não tem nada de esquisto, nada de anormal no que foi feito. A minha caderneta de vacina é pessoal e ponto final”.

Escândalo dos pastores no MEC

Em 13 de abril, em meio ao escândalo de corrupção no Ministério da Educação que mais tarde levaria à demissão do ministro e pastor Milton Ribeiro, um internauta usou as redes sociais para questionar Bolsonaro sobre a decretação dos sigilos. “Presidente, o senhor pode me responder por que todos os assuntos espinhosos/polêmicos do seu mandato você põe sigilo de 100 anos? Existe algo para esconder?”

“Em 100 anos saberá”, respondeu Bolsonaro, usando a mesma rede social.

 

 

 

Em julho, o Palácio do Planalto decretou sigilo sobre os encontros de Bolsonaro com os pastores lobistas do MEC Gilmar Santos e Arilton Moura. Ambos são investigados pela operação de um esquema de desvios de recursos da educação para municípios em troca de propina. O fato veio a público após o jornal O Globo pedir, por meio da Lei de Acesso à Informação, a relação das entradas e saídas no Palácio do Planalto de ambos os religiosos, incluindo reuniões com o presidente.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo ministro Augusto Heleno, informou que a solicitação “não poderá ser atendida” porque a divulgação das informações poderia colocar em risco a vida do presidente da República e familiares.

Sigilo no caso das “rachadinhas” envolvendo Flávio Bolsonaro

No mesmo mês, a Receita Federal impôs sigilo de 100 anos em processo que acusa o órgão de atuar para auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”. Documentos obtidos em fevereiro pelo jornal Folha de S.Paulo mostram que a Receita mobilizou por quatro meses cinco servidores para apurar acusação feita pelo senador, filho do presidente, de que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Anteriormente, a Receita havia liberado os documentos, pois considerava a investigação encerrada. No entanto, não havia motivo para restringir a sua divulgação. Segundo a Receita, os documentos possuem informações pessoais, limitando assim o acesso a agentes públicos e aos envolvidos no processo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já disse que vai derrubar os sigilos, se for eleito. Os argumentos presidenciais de que as informações são pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem – uma proteção da Lei de Acesso à Informação – estão sendo desvirtuadas da mesma maneira que a liberdade de expressão para justificar a disseminação de ódio e de tudo aquilo que não interesse nem à sociedade e nem à democracia.