Saiba os motivos que levam alguns setores a estarem com escassez de mão de obra
Ausência de políticas atrativas explica a falta de trabalhadores em setores como supermercados e construção civil, e não é ausência de qualificação, apontam presidentes da Contracs e Conticom
Publicado: 25 Março, 2025 - 16h32 | Última modificação: 25 Março, 2025 - 16h41
Escrito por: Luiz R Cabral | Editado por: Rosely Rocha

Ultimamente setores de supermercado e da construção civil têm divulgado em sites especializados do setor e em grandes empresas de comunicação que estão com dificuldades de contratação de trabalhadores e trabalhadoras por conta da falta de mão de obra especializada. Afirmação essa que sindicalistas da CUT discordam.
Julimar Roberto de Oliveira Nonato, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs), diz que o primeiro ponto a ser esclarecido nessa questão “é que a falta de qualificação dos trabalhadores está fora de cogitação. Na verdade, ocorre o oposto: os profissionais estão cada vez mais capacitados. Essa realidade permite que escolham empregos melhores. Os trabalhadores optam por não aceitar vagas nesses estabelecimentos porque têm alternativas mais vantajosas”, explicou.
Cláudio da Silva Gomes, o Claudinho, presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira, filiados à CUT (Conticom), reforça esse argumento e tira a responsabilidade da falta de especialização de mão de obra na construção civil.
Para ele, “o problema não está somente na reposição dos profissionais que se aposentam ou migram para outras áreas, mas também na baixa atratividade da profissão. Salários pouco competitivos, ambientes de trabalho desgastantes e riscos à saúde têm afastado principalmente os mais jovens. A juventude busca alternativas com menos exposição e maior flexibilidade. Inclusive as mulheres”
Para entender melhor o fenômeno, o presidente da Contracs elucida a questão sobre o ponto de vista dos trabalhadores e trabalhadoras do setor e não dos patrões que querem se desresponsabilizar-se da questão.
Condições de trabalho, salários baixos e leis trabalhistas
Julimar entende que a escassez de mão de obra no setor de supermercados e hipermercados não é um problema isolado. Pelo contrário, é resultado de uma combinação de fatores estruturais que afetam diretamente as condições de trabalho oferecidas por esses estabelecimentos. Ele destacou, ainda, outros pontos que explicam a fuga de profissionais desses locais.
As condições oferecidas são consideradas desgastantes. “Não é uma questão de educação ou preparo técnico. É uma escolha consciente dos trabalhadores por ambientes menos exploratórios”, afirmou.
Um segundo fator apontado pelo presidente da Contracs é o impacto das reformas trabalhistas. Essas mudanças dificultaram as negociações coletivas e resultaram na precarização das condições de trabalho. O setor de supermercados, por exemplo, figura entre os que pagam os piores salários e oferecem os ambientes mais insalubres.
Com o mercado de trabalho aquecido – a taxa de desemprego está em torno de 4%, segundo dados recentes –, os profissionais encontram oportunidades em outros segmentos. “Hoje, os trabalhadores e as trabalhadoras buscam não apenas remuneração digna, mas também qualidade de vida. Isso inclui um ambiente de trabalho justo e horários compatíveis com suas necessidades familiares”, ressaltou.
Escala de trabalho inadequada
Outro ponto crucial é a rigidez das escalas de trabalho. A tradicional jornada 6x1, comum em supermercados, já não atende às expectativas dos profissionais. Mesmo quando há aumento de salário ou benefícios adicionais, como plano de saúde, a preferência é por empregos em outras áreas.
“O trabalhador quer uma carga horária menor e uma rotina que permita descanso e convívio familiar. Hoje, ele entende que trabalha para viver, e não vive para trabalhar”,
Qualificação e novas tecnologias
O avanço tecnológico exige uma revisão das práticas de trabalho. Escalas mais flexíveis e justas podem ser o caminho para atrair novamente os trabalhadores. Com o aumento do número de postos de trabalho disponíveis, os profissionais conseguem migrar para setores mais atrativos, como indústrias ou outros ramos do serviço. “Eles têm acesso a opções melhores e não veem motivos para permanecer em um supermercado”, explicou.
Supermercados e hipermercados
O setor dos supermercados é um dos que estão dentro dessa análise que joga o problema da escassez da mão de obra nas costas do trabalhador brasileiro com o argumento de falta de capacitação. Segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), divulgados em setembro de 2024, o setor enfrenta uma crise sem precedentes: 357 mil vagas estão abertas, representando 3,9% do total de trabalhadores empregados.
Segundo a Abras, os motivos são as taxas de desemprego em níveis historicamente baixos que reduziu o número de candidatos disponíveis no mercado e a mudança no perfil dos jovens. Tradicionalmente, os supermercados eram o primeiro emprego de muitos. Hoje, eles preferem trabalhos informais ou investem em negócios próprios.
Dados do IBGE mostram que o número de jovens entre 18 e 29 anos com empresas cresceu 23% entre 2013 e 2023. No entanto, apenas 8,6% desses empreendedores são empregadores, indicando precarização e informalidade. Outro obstáculo, para os empresários, rebatido acima pelos sindicalistas, é a falta de qualificação.
O último dado é de um levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, e divulgado em 12 de março deste ano, é que há escassez de mão de obra em oito das 10 ocupações mais importantes de folha de pagamentos, que correspondem a 70% da força de trabalho do setor de supermercados.
Construção Civil
Um outro setor que vem jogando o problema da escassez da mão de obra na conta do trabalhador brasileiro é o da construção civil.
Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas aponta que 82% das empresas da construção estão com dificuldade de contratar novos trabalhadores.
"É muito normal faltar entre 20 e 30% de mão de obra em cada canteiro que a gente administra. Mão de obra é hoje o nosso grande gargalo", afirmou Sylvio Pinheiro, diretor da G+P Soluções, numa entrevista dada ao Jornal Nacional no último sábado (22).” Profissional com experiência então? Está mais difícil ainda de encontrar; 70% dos empresários dizem que não conseguem mão de obra qualificada”, afirmou na reportagem e acrescentou: “eletricista, mestre de obra, pedreiros, a gente não tem mais encanadores, instaladores. Não tenho mais tão técnico como tinha antigamente".
Para o presidente da Conticom, a construção civil, é um dos pilares da economia brasileira, vive hoje um dilema crítico: a falta de renovação na mão de obra. A média de idade dos trabalhadores saltou de 35 anos para impressionantes 45 anos na última década. “Esse envelhecimento preocupa empresários e especialistas, que vêem na ausência de jovens no setor uma ameaça ao futuro da atividade”, disse.
Filhos de operários, muitas vezes, preferem carreiras informais como entregadores ou motoboys. Essas ocupações, embora igualmente arriscadas, oferecem autonomia e dispensam vínculos empregatícios formais. No entanto, Cláudio alerta “que esses trabalhadores não contam com as mesmas proteções e medidas de segurança garantidas pela legislação trabalhista”.
Ambiente hostil e falta de incentivo
Outro fator que contribui para o desinteresse é o próprio ambiente de trabalho. Exposição a intempéries, jornadas extenuantes e condições precárias são realidades conhecidas na construção civil. Esses aspectos desestimulam não só os jovens, mas também as mulheres, que poderiam ser uma solução para o déficit de mão de obra.
Apesar disso, poucas empresas têm investido em políticas que incentivem a participação feminina no setor. "Há um mercado potencial sendo ignorado", criticou o presidente da Conticom. Ainda assim, iniciativas nesse sentido permanecem tímidas e insuficientes para reverter o cenário.
Soluções paliativas e desafios estruturais
Diante da crise, o setor tem buscado alternativas, mas muitas delas carecem de eficácia. Um exemplo é a parceria entre a Câmara Brasileira da Construção e beneficiários do Cadastro Único (CadÚnico), programa social do governo federal. Embora essas pessoas possam ingressar temporariamente na atividade, sua permanência é incerta. "Sem mudanças estruturais, dificilmente elas se engajarão", afirmou.
Mudanças agora
A construção civil enfrenta um desafio de sobrevivência. Sem uma força de trabalho renovada e motivada, o setor corre o risco de perder relevância no cenário econômico. Para evitar isso, é necessário repensar desde as condições de trabalho até as estratégias de recrutamento.
Como resumiu o sindicalista Claudinho: "valorizar a profissão e torná-la atrativa é o primeiro passo para garantir o futuro da construção civil. “Resta saber se empresários e governantes estarão à altura do desafio”.