Salles precisa explicar à Justiça contrabando e R$ 14 milhões ‘suspeitos’ na conta
Entre 1º de janeiro e 2012 e 30 de junho de 2020, o escritório do qual o ministro Ricardo Salles é sócio movimentou mais de R$ 14 milhões
Publicado: 20 Maio, 2021 - 12h37 | Última modificação: 20 Maio, 2021 - 12h41
Escrito por: Daniel Giovanaz Brasil de Fato | São Paulo (SP)
A Polícia Federal (PF) deflagrou, na última quarta-feira (19), a operação Akuanduba, que investiga nove crimes que teriam sido cometidos por integrantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
Entre os delitos citados, estão crimes contra a administração pública, como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando de madeira.
Dez servidores do MMA e do Ibama foram afastados pelo juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a quebra de sigilo fiscal e bancário do ministro Ricardo Salles. Ele foi alvo de mandados de busca e apreensão em seus endereços, em São Paulo e no Pará.
Entre os servidores afastados, três são ex-policiais militares nomeados por Salles: Wagner Tadeu Matiota, superintendente de Apuração de Infrações Ambientais do Ibama; Olímpio Ferreira Magalhães, diretor de Proteção Ambiental do Ibama; e Olivaldi Alves Azevedo Borges, secretário adjunto de Biodiversidade do MMA.
As acusações contra Salles se dividem em dois eixos: facilitação de contrabando e movimentações suspeitas por meio de seu escritório de advocacia. Entenda o que o ministro precisará explicar à Justiça na sequência das investigações:
Contrabando
Em 10 de janeiro de 2020, três contêineres carregados de madeira oriunda do Pará sem autorização do Ibama aportaram no estado da Geórgia, nos Estados Unidos. Um funcionário do porto estadunidense desconfiou de irregularidade e barrou a carga, que estava em nome da empresa Tradelink Madeiras.
O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos da América (FWS, na sigla em inglês) acionou imediatamente o Ibama, que confirmou que as cargas não haviam sido analisadas pelo setor competente.
Quinze dias depois, a Superintendência do Ibama no Pará enviou uma carta às autoridades dos EUA apresentando uma nova versão e propondo legalizar retroativamente a carga, de modo a permitir sua entrada no país.
Ainda em fevereiro do ano passado, um funcionário da embaixada dos EUA no Brasil se reuniu com o então presidente do Ibama, Eduardo Bim, para questionar o que estava por trás das comunicações conflitantes do órgão.
Essa sequência de acontecimentos chamou atenção da PF, que acompanhou as movimentações por cerca de um ano antes de deflagrar a operação Akuanduba.
Ao solicitar busca e apreensão contra Salles, a PF mencionou um "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais", de "caráter transnacional".
Esse esquema seria baseado na legalização retroativa de "milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020.". Além disso, o Ministério teria criado "sérios obstáculos à ação fiscalizatória do Poder Público no trato das questões ambientais."
A investigação cita indícios de favorecimento a empresas por funcionários do MMA e do Ibama, o que caracterizaria crime de advocacia administrativa. Não foi comprovado, até o momento, o pagamento de propina ao ministro ou a servidores – esse é um dos objetivos da quebra de sigilo bancário.
Segundo Alexandre de Moraes, os indícios levantados por meio de depoimentos e documentos sinalizam o "envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles."
A PF afirma ainda que um integrante da Agência Brasileira de Informação (Abin), André Heleno Azevedo Silveira, teria sido nomeado coordenador de Inteligência de Fiscalização especificamente para "obstaculizar eventual investigação da Polícia Federal", em agosto de 2020.
Nunca houve, por parte do Ibama ou do MMA, uma explicação pública sobre o imbróglio envolvendo a legalização retroativa de cargas de madeira que deixaram o país.
Salles ainda é alvo de uma notícia-crime impetrada junto ao STF por Alexandre Saraiva, então superintendente da PF no Amazonas. Na ação, sob responsabilidade da juíza Cármen Lúcia, o ministro é acusado de proteger madeireiros e de atrapalhar as investigações.
Saraiva foi demitido assim que denunciou Salles.
Movimentações suspeitas
Em sua decisão pela quebra de sigilo, Alexandre de Moraes citou um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que aponta "movimentação extremamente atípica" envolvendo o escritório Carvalho de Aquino e Salles Advogados, do qual Salles é sócio com 50% de participação.
Não é a primeira vez que o escritório é alvo da Justiça. Em junho de 2020, a mãe do ministro, Diva Carvalho de Aquino, também teve seu sigilo bancário quebrado. Foi quando o Ministério Público identificou a movimentação de R$ 2,75 milhões da conta do escritório para a conta pessoal de Salles.
Durante o período analisado, 2013 a 2017, o atual ministro atuou como Secretário Particular do então governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e como Secretário de Meio Ambiente de São Paulo.
Segundo o Ministério Público, as declarações de Imposto de Renda do ministro não condizem com "o rendimento verificado nas transações bancárias."
Moraes amplia o raio de observação das transações suspeitas e aponta que, entre 1º de janeiro e 2012 e 30 de junho de 2020, o escritório do qual o ministro é sócio movimentou mais de R$ 14 milhões.
A movimentação foi considerada "suspeita" e "extremamente atípica", mas a situação "recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos", segundo o ministro do STF.
Na sequência das investigações, Salles será ouvido e precisará comprovar a origem desses valores, que saltaram drasticamente no período em que ele assumiu o Ministério.
O ministro se pronunciou sobre a operação Akuanduba, mas ainda não detalhou os pontos citados. Segundo Salles, a operação foi "exagerada e desnecessária". Conforme pronunciamento do ministro à imprensa, Alexandre de Moraes teria sido "induzido ao erro" pelo inquérito da PF.
O ministro disse que o Ministério do Meio Ambiente atua "sempre com bom senso, pelas leis e pelo devido processo legal" e que as ações citadas pela PF nunca ocorreram.
Não foi possível entrar em contato com os demais investigados citados na matéria.
Edição: Rebeca Cavalcante