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Se Bolsonaro mudar as NR’s, acidentes de trabalho vão aumentar ainda mais

Com a desculpa de gerar emprego, Bolsonaro quer mudar regras que salvam as vidas de milhares de trabalhadores, alertam entidades

Publicado: 22 Maio, 2019 - 09h30 | Última modificação: 22 Maio, 2019 - 15h48

Escrito por: Rosely Rocha

Reprodução
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O anúncio do governo de Jair Bolsonaro (PSL) de que vai reduzir em até 90% as normas que garantem proteção e segurança do trabalho preocupa entidades de defesa dos trabalhadores como a CUT, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Sem as normas, o risco de os acidentes e doenças ocupacionais aumentarem ainda mais é muito maior.

Atualmente, quase três mil trabalhadores e trabalhadoras perdem a vida em consequência de acidentes de trabalho, mais de 14 mil são afastados por lesões incapacitantes e mais de 700 mil têm doenças laborais, por ano, segundo dados oficiais da Previdência Social. 

“Esses são dados”, alerta o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, “ que não levam em conta milhões de trabalhadores que estão na informalidade. Isso sugere que o problema, já muito grande, é, na realidade, muito maior”.

Entre as 36 Normas Regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no trabalho que o governo quer rever para, segundo Bolsonaro, gerar mais empregos, está a NR 12, que regula máquinas e equipamentos, justamente o setor responsável pelo maior número de acidentes de trabalho no país. Para Bolsonaro, a NR12 é uma trava à geração de novos postos de trabalho.

Entre 2012 e 2018, foram registrados 528.473 acidentes de trabalho (15,19% do total) envolvendo máquinas e equipamentos. Do total de acidentados, 2.058 morreram e 25.790 foram submetidos a amputações ou enucleações, que é a extirpação de um órgão após incisão.

Segundo o MPT, o total de mortes causadas por esse grupo é três vezes maior e o de amputações chega a ser 15 vezes maior do que a média das demais causas de acidentes do trabalho.

A indústria frigorífica, que registra, em média, 54 ocorrências por dia, está no topo do ranking de acidentes de trabalho do ramo alimentício. Em 2017, foram 20.595 acidentes nos frigoríficos - 7,9% a mais do que em 2016.

“O manuseio de equipamentos pesados e cortantes, o ritmo acelerado de trabalho, a exposição à umidade e a baixas temperaturas e os choques térmicos são fatores que podem aumentar as chances de acidentes e adoecimento, especialmente se não forem adotadas medidas de segurança”, diz o procurador do Trabalho, Sandro Eduardo Sardá, que também é gerente Nacional do Projeto de Frigoríficos do MPT-SC.

Para evitar que essa tragédia social que tira vidas e destrói lares aumente ainda mais, a CUT construiu um grupo de trabalho com outros parceiros com experiência em saúde e segurança do trabalho para lutar contra a extinção ou reformulação das NR’s.

“A CUT não tem se furtado ao debate por mais complexo que seja, muito menos este. É nosso princípio o direito à vida, à saúde e ao desenvolvimento seguro e saudável das atividades laborais. Por isso, vamos lutar até o final”, afirma a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva.

A saúde do trabalhador é um direito humano que não se discute, se cumpre
- Madalena Margarida da Silva

“Nossa luta será intensa pela garantia de nossos direitos, não só de empregos, porque em ambiente insalubre e inseguro não tem trabalho decente”, acrescenta a secretária.

O procurador do MPT, Leonardo Osório Mendonça, concorda e vai além. Para ele, tanto empregadores quanto trabalhadores e sindicatos têm de lutar pela segurança no trabalho.

“É importante que todos atuem na prevenção de acidentes, em prol de um ambiente seguro. Só assim vamos mudar a cultura de que a segurança é gasto. Ao contrário, nos países desenvolvidos, em que as normas protetivas são mais rígidas do que as do Brasil, segurança é investimento e é assim que todos devem entender”, afirma.

“Todo o trabalhador, independentemente do vínculo com a empresa, tem direto a um trabalho seguro e adequado”, ressalta Leonardo.

Para ele, o governo pode querer desburocratizar, se considera as NRs burocráticas, mas não pode reduzir o patamar protetivo ao trabalhador.

Mendonça conta que, nos últimos três anos, houve 17 alterações nas NRs, debatidas pela comissão tripartite, formada por representantes do governo, do empresariado e dos trabalhadores, com consenso entre todas as partes. A última sobre ergonomia aguarda a publicação do governo para passar a valer.

Ele explica que o órgão atua como ouvinte na comissão, mas pode se manifestar se concorda, ou não, com alguma mudança, desde que seja para melhorias na NR e esteja em acordo com o cumprimento da Constituição e dentro dos acordos firmados pelo Brasil com a Organização Mundial do Trabalho (OIT).

“O próprio empresariado, assim como os trabalhadores, aperfeiçoa as normas, adequando-as à realidade, mas sem prejuízos à segurança e à saúde do trabalhador”, afirma o procurador, que é coordenador nacional da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente no Trabalho (Codemat).

Já o presidente do Sinait, Carlos Silva, critica duramente a proposta do governo de rever as normas de segurança no trabalho e a politização de um debate que deveria ser técnico.

Segundo ele, existem 30 comissões tripartites instaladas e cada uma constrói e revisa as NR’s a partir das necessidades da segurança e todas são “atualizadas em compasso com a engenheira e a medicina. Não podem ser mudadas por uma questão política”.

‘Passar a faca’ não resolve. Na verdade, vai trazer mais problemas e acabar com o trabalhador morto
- Carlos Silva

Governo não dialoga e é negligente

A falta de diálogo por parte do governo é uma das críticas que a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, faz em relação ao anúncio de Bolsonaro. Para ela, o estado de insegurança promovido pelo governo coloca em risco a saúde e a vida do trabalhador.

“Estamos vivendo um momento em que o governo quer implantar o Estado mínimo, tirando todas as políticas de proteção social, saúde e de Previdência. É o caos completo”, avalia a dirigente.

Já o presidente do Sinait diz que o governo escolhe negligenciar ao invés de enfrentar e resolver a epidemia de acidentes e doenças do trabalho, com uma enorme gama de consequências, em diversos setores.

Para Carlos Silva, mesmo sem ainda mexer nas NRs, a reforma Trabalhista já piorou os níveis de segurança do trabalho, pois desconsidera o tempo de jornada como um atributo à segurança.

“Ao retirar o controle legal acerca dos meios de registro de jornada de trabalho, como fez a reforma Trabalhista, acontece uma sobrejornada em que o cansaço e a desatenção do trabalhador são fatores que provocam ainda mais acidentes”, explica Silva.

Acidentes causam prejuízos à Previdência

As despesas com afastamentos acidentários custaram R$ 732 milhões à Previdência Social, de 2012 a 2018. Os dados são do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, ferramenta criada pelo MPT em parceria com a OIT, que reúne informações de bancos de dados oficiais do governo.

No mesmo período, o montante de gastos previdenciários com amputações geradas por acidentes de trabalho foi de R$ 191 milhões, sendo que R$ 131 milhões foram motivados por amputações causadas por máquinas, o que corresponde a 69% do total das despesas.

Além disso, o Observatório aponta que o país perdeu mais de 14 milhões de dias de trabalho nesses sete anos somente por conta de afastamentos provocados por acidentes com máquinas.

Para Madalena, o fator econômico não deve ser o principal motivo de preocupação do governo. A vida é que deve estar em primeiro plano.

“Os acidentes têm um custo para a Previdência, mas esses custos não podem ser de responsabilidade do trabalhador acidentado e doente. Mesmo em um cenário de desemprego, o trabalhador deve ter o direito de recusar um trabalho perigoso. Garantir o direito de recusa é preservar sua vida, garantida por lei, sem penalidade de perder o emprego”, diz Madalena.