Escrito por: Karina Vilas Boas/Azael Júnior

Secretária de Relações Internacionais...

Também vice- presidenta da IEAL (Internacional da Educação para América Latina), Fátima Silva sublinha papel da consciência e do coletivo

 

Fátima Silva, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em EducaçãoA professora Fátima Silva é pedagoga formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), atuou como professora em Coronel Sapucaia, cidade do interior de Mato Grosso do Sul próxima à fronteira com o Paraguai, onde ingressou no movimento de luta pela educação. Sua história de vida pessoal se confunde com o envolvimento nas causas sociais. Foi presidente da FETEMS (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), atualmente é secretaria de Relações Internacionais da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e vice- presidenta da IEAL (Internacional da Educação para América Latina). Fátima está sempre presente nas ações e atividades da FETEMS, contribuindo diretamente com a luta dos trabalhadores e trabalhadoras em educação de Mato Grosso do Sul. 


FETEMS: Quando iniciou no sindicalismo imaginava em chegar à vice-presidência de um organismo sindical internacional?

Fátima Silva: Eu não imaginava, sempre digo que tive a minha formação no âmbito da esquerda. Desde criança tive contato direto com a luta por uma sociedade mais justa, humana e igualitária, como exemplo, posso citar um fato que me marcou muito e que me lembra uma pessoa muito especial na minha formação política e pessoal, que é a minha avó, que já faleceu, ela me levava, quando eu tinha uns oito anos, há um lugar e falava para eu rezar para os presos políticos, na época eu não entendia, depois de algum tempo descobri que era um trabalho das comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, que eram contra o regime ditatorial e lutavam por liberdade.

A minha formação sempre foi no campo da luta, contestando as ordens impostas. Eu comecei a trabalhar muito cedo na cidade de Coronel Sapucaia e logo entrei para a militância dos movimentos sociais, após algum tempo assumi a missão de fundar, junto com outros companheiros e companheiras, a Associação de Professores de Coronel Sapucaia. A mensagem que quero deixar é que o mais importante não é o cargo que você ocupa, mas aquilo que você representa na sua trajetória, o cargo é consequência de todo um trabalho e de uma conjuntura política. Estar na IEAL, como vice-presidenta, não é apenas pelo meu trabalho e atuação no movimento, é porque existe no Brasil um movimento sindical da educação organizado, fortalecido e que possui uma grande importância mundial.


FETEMS: Como você vê as atuais demandas no sindicalismo brasileiro e internacional?

Fátima Silva: Se analisarmos o conjunto do mundo em um processo de globalização, em que as notícias e problemas são quase onipresentes, o maior desafio é fazer uma globalização humanizada. Temos um sistema capitalista em crise, que não se preocupa com os seus trabalhadores e trabalhadoras. Então o grande desafio é fazer uma globalização nos moldes que os trabalhadores e trabalhadoras defendem, com unidade e solidariedade, enfrentando o grande mercado que se expropria dos nossos direitos trabalhistas.

Atualmente temos uma parte do mundo em guerra, outra em crise, que sonham em ter uma sociedade que respeite os direitos sociais e para isso temos que nos adequar a realidade de cada país e as circunstâncias econômicas e políticas do momento.

FETEMS: Nessa luta entre capital e trabalho é possível que o trabalhador saia vitorioso? O que é preciso para que isso aconteça?

Fátima Silva: O sistema capitalista está em crise e as crises deste sistema são cíclicas, o capitalismo não vai perdurar para sempre, como o feudalismo foi suplantado por outro modelo, este sistema também será um dia. Eu sou socialista e luto por um mundo que seja mais justo e igualitário, agora dizer quem vencerá essa batalha, se serão os trabalhadores e trabalhadoras ou os donos do capital, é uma incógnita, mas o que posso afirmar é que até o momento a história tem mostrado que em várias partes do mundo os trabalhadores e trabalhadoras têm conseguido diversos avanços, mesmo que sejam circunstancias e dentro dos moldes do sistema capitalista. Não temos como prever quem vai sair vitorioso nessa disputa, mas o fato é que toda a sociedade tem ciência de que a concentração do capital na mão de poucos é que traz as desigualdades e as injustiças sociais


FETEMS: Qual é o grande papel da educação? Como o Brasil se insere nesse contexto?

Fátima Silva:Como diria o grande Paulo Freire “A educação sozinha não muda o mundo”, mas sabemos que a educação e a escola ajudam a mudar a sociedade, pois é nela que se constrói e forma os indivíduos. A educação é fundamental para superar as desigualdades no sistema do mundo globalizado. Temos duas visões de educação, uma visão feita para a autonomia, soberania, crescimento individual e coletivo da nação e outro processo visto pelo olhar do capital, para os empresários, para atender as demandas de mercado. Então qualidade na educação depende também da ótica da classe social que a pessoa faz parte. Também podemos afirmar que no contexto geral a educação é fundamental para o desenvolvimento dos nossos países e para que este desenvolvimento venha acompanhado de justiça social.

As grandes diferenciações e comparativos em relação ao Brasil ocorrem através dos sistemas de avaliação, muitos deles colocam o país nas últimas posições, um exemplo disso, é o famoso sistema PISA, onde os a forma de avaliar compara os alunos dos países Nórdicos com os alunos das escolas indígenas, de Dourados ou de Aquidauana. Realidades e condições sócio- econômicas totalmente diferentes e não equivalentes.

Posso citar um fato para ilustrar o que quero dizer, eu tenho uma amiga na Noruega, as filhas dela vão caminhando por trinta minutos até a escola, possuem acesso a um ensino de alta qualidade, ficam sete horas na escola, essa mesma amiga tem um vizinho que é ministro de Estado, e ele vai ao trabalho de metrô, ou seja, ocupa o transporte público, o que isso quer dizer, quer dizer que um sistema de avaliação, seja ele em qualquer área do setor público, tem que analisar as condições do processo que existe nesses países, como também as condições de vida das pessoas.

As desigualdades sociais, a concentração de riquezas nas mãos de poucos, influencia muito a qualidade da educação pública e na verdade influencia todo o desenvolvimento de um país. Nós sabemos que o Brasil já superou a França economicamente, porque não somos tão desenvolvidos como eles? A resposta é simples, porque temos a nossa frente o desafio de fazer com que essa riqueza e o desenvolvimento não sejam concentrados na mão de poucos. E na área da educação temos que fazer com que as nossas escolas públicas sejam boas, bem equipadas, com profissionais bem valorizados. Se analisarmos perceberemos que os ricos e as elites desse país já tem acesso a um ensino público mais avançado nas escolas particulares, o problema gritante está na disparidade entre o ensino público e o privado.

FETEMS: A América Latina assistiu um avanço de governos progressistas, mas recentemente houve um retrocesso com o golpe no Paraguai. Está havendo um retrocesso democrático?

Fátima Silva:Vamos dividir o mundo em três partes, uma parte em guerra no Oriente médio, outra é a União Européia que está em crise e a América Latina que está em crescimento econômico e conquistas sociais. A América Latina tem experimentado governos do campo democrático popular, são governos de coalizões muito contraditórios, mas se existe contrariedade apresentam em comum o desmonte do estado neoliberal. São governos que não privatizam como privatizou o neoliberalismo e tem como traço comum as políticas sociais, nessas políticas sociais está colocado o aumento do acesso do número de crianças, jovens e adultos, a educação e a produção de renda.

O que aconteceu no Paraguai e em outros países do continente mostra a fragilidade da democracia e das unidades políticas. Na época da ditadura todos os governos se uniam, a operação Condor é exemplo disso. O recente fato no Paraguai nos mostra claramente essa fragilidade, que foi iniciada nos golpes militares dos anos 70, quando os militares iam às ruas com os tanques e tomavam o poder a força, agora a maneira de tomar o poder é diferente, temos uma “nova modalidade”, mais sutil, que chamamos de golpe “civil”, que é quando o Legislativo e o Judiciário se unem para tomar o poder dentro das normas da “Lei”. O Paraguai foi o último país a sair da ditadura, mas os resquícios continuaram. A eleição de Fernando Lugo ocorreu através de uma frente de coalizão, ele já havia sofrido 23 tentativas de golpe antes de ser deposto.

Existe, porém, outra tese que diz que essa parte do Cone Sul da América Latina tem ficado muito empoderado, lembrando que foi essa região que acabou com a intenção da formação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e barrou o fortalecimento do MERCOSUL e é ai que entra o papel fundamental de liderança do Brasil, que precisa apoiar e lutar pelo restabelecimento da democracia, já que há alguns anos, após a implantação de um governo popular e democrático, deixamos de priorizar os Estados Unidos como única relação econômica e fomos procurar os países árabes e asiáticos.

O que temos que ter claro e sempre que pudermos temos que enfatizar é que o golpe no Paraguai é cercado de “interesses”, que estão extremamente ligados aos grandes conglomerados transnacionais na região e a Base Militar Norte Americana que deve ser instalada no país.

FETEMS: Como sindicalista qual a sua análise das dificuldades que estão sendo impostas por muitos para implementar no Brasil a Comissão da Verdade, que irá desvendar muitos fatos da época da ditadura militar?

Fátima Silva:Primeiro precisamos entender que existem pessoas que não estão interessadas em que as páginas desse livro sejam reabertas e a partir disso utilizam diversos meios para que isso não aconteça como a grande mídia, as influências políticas e assim por diante, por exemplo, existe um “grande” jornal (leia-se a Folha de São Paulo) que diz que no Brasil não houve ditadura e sim “ditabranda”, talvez o comparativo deles seja porque no Brasil temos três mil mortos ou desaparecidos, enquanto na Argentina sejam trinta mil, e nós não podemos permitir isso, porque não importa que seja uma vida, a ausência de democracia e de respeito pelo povo deve ter peso igual em todo o Mundo.

Cabe a nós, a cada cidadão brasileiro, ir à luta e exigir a implementação desta Comissão, todos precisamos ter claro que a ditadura no Brasil, como em todas as ditaduras, foi feroz, sangrenta, tirou o direito de muitos pais de verem os seus filhos crescerem, primeiro porque muitos foram para o exílio e muitos outros foram mortos, assassinados brutalmente, porque pensavam diferente e tinham a ânsia da liberdade.

O Estado brasileiro deve reparação a essas pessoas e suas famílias, afinal de contas muitos batalharam para que hoje possamos viver em uma democracia. E aí não podemos deixar que tenha anistia, tortura é crime inafiançável. A instituição da Comissão da Verdade é o pagamento de uma divida que o estado brasileiro tem com o seu povo, a verdade não é só importante para as famílias a verdade é importante para todos os brasileiros e brasileiras, que possuem o direito de saber o que aconteceu em seu país, enquanto nação, temos que deixar isso registrado. A indenização financeira não repara a perda afetiva ou emocional, mas é uma forma simbólica de reconhecimento do Estado.

Estabelecer a verdade é deixar para as futuras gerações o que verdadeiramente se passou no país, para valorizarem a liberdade e não permitirem nunca mais que fatos como esse aconteçam.