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Sem informação, higiene e abrigos, população de rua de SP está vulnerável à covid-19

Prefeitura anunciou medidas de contenção, mas moradores e entidades relatam dificuldades e temem contaminação em massa

Publicado: 26 Março, 2020 - 09h50 | Última modificação: 26 Março, 2020 - 09h57

Escrito por: Marina Duarte de Souza, Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Agência Brasil
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Diante do aumento de casos do novo coronavírus no Brasil e, principalmente, em São Paulo (SP), a orientação dos órgãos de saúde é o isolamento em casa. Mas, para pelo menos 24 mil pessoas que vivem em situação de rua na capital paulista, a quarentena domiciliar não é uma possibilidade.

O número integra os dados do último censo da população de rua apresentado pela Prefeitura, que mostra também que mais de 3 mil moradores de rua têm mais de 60 anos, ou seja, estão no grupo de risco da epidemia.

Para o movimento social o total de pessoas em situação de rua é ainda maior e chega a mais de 33 mil. Como essa população poderá lidar com a covid-19 sem abrigo, alimentação e acesso a higiene?

Vulnerabilidade

O governo municipal anunciou a implantação de cinco centros de acolhida de emergenciais neste domingo (22). Serão oferecidas um total de 400 novas vagas, que se somarão às 17,2 mil já existentes. Um dos espaços, na região da Subprefeitura Vila Mariana, será utilizado por pessoas já diagnosticadas com coronavírus e que necessitam de isolamento domiciliar. 

Segundo a administração, a medida visa poder esvaziar parcialmente os centros que já existem, viabilizando um espaçamento maior entre os beliches. A prefeitura também anunciou a instalação de pias no centro da cidade e abordagens às pessoas em situação de rua por meio das equipes dos programas Consultório na Rua e Redenção na Rua. 

As providências só foram tomadas após mobilização da sociedade civil, como o abaixo-assinado promovido pelo padre Júlio Lancellotti, da Pastoral Povo de Rua para distribuição de álcool em gel e aumento de abrigos por parte do poder público.

Para o líder religioso da Casa de Oração do Povo, no bairro da Moóca, população na rua continua bastante vulnerável e carece de informações. Ele disponibilizou a paróquia como abrigo para moradores com suspeita da doença.

“O que consigo verificar, que eu sinto e presencio, é que a população de rua está aflita e ainda com poucas informações, com dificuldade de aceitar que os serviços de acolhimento fiquem em quarentena. Muita gente desprotegida sem nenhuma informação, muitos não estão conseguindo alimentação e estão sem acesso à água potável”, conta Lancellotti.

O Núcleo de Direitos Humanos do Povo de Rua e o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) endossam as observações do coordenador da Pastoral Povo de Rua e destacam que as medidas da administração municipal ainda não tiveram efeitos práticos na vida dessas pessoas. Em tempos de quarentena e com políticas públicas fragilizadas, a população de rua fica ainda mais desassistida.

“Tinham grupos de pessoas que doavam alimentos para a população de rua, mas esses grupos na semana passada já se retiraram da rua. Muitas pessoas em situação de rua recebem alimentos dos restaurantes, mas que a partir desta semana também estão estarão fechados. Então eles não tem comida, água, kit de higiene, não tem nada”, explica Nina Laurindo, coordenadora do Núcleo.

Segundo ela, as pias prometidas pela Prefeitura também não foram implementadas.

Robson Correia de Mendonça, da coordenação estadual do MNPR, reafirma a preocupação. Ele distribui material de higiene na Praça da Sé, na região central da cidade e relata: "eles estão completamente desinformados".

"A Prefeitura está deixando a desejar a respeito dessas informações e também nas ações de prevenção. Aqui no centro de São Paulo, os kits de higiene que eu distribui não deu nem para a metade das pessoas. O que eles [moradores de rua] dizem é que eles passam recolhendo os nomes, mas não encaminham para nada e só dão informações paliativas.”

"Mantenham a distância"

O panorama observado pelas entidades que acompanham e prestam assistência à população de rua, também está presente nos depoimentos colhidos pela reportagem do Brasil de Fato

Edilei Manegade Carneiro, de 42 anos, está em situação de rua há quatro meses e frequenta um centro de acolhimento da Moóca, que atende cerca de 1.150 pessoas.

Ele conta que ainda não houve nenhuma separação de camas e a única ação informativa de que teve notícia foi uma palestra, mas que ele pôde assistir porque não estava na unidade naquele momento.

“A única coisa que está lá é na hora do refeitório, que entra de seis em seis e só pedem ‘mantenham a distância’, mas dentro dos quartos é todo mundo junto. Domingo à noite, quando eu cheguei lá, foi montado uma tenda e eu até agora estou sem saber para o que é. Eu percebo que as pessoas que estão na rua estão bem perdidas, eu estou vendo muito um silêncio nas ruas. Os centros de convivência estão numa super lotação, está complicada a situação”, explica Carneiro.

Já Roberto Francisco dos Santos, em situação de rua desde 2009, não ficou sabendo de nenhuma palestra, apenas viu informações em cartazes no centro de acolhimento frequentado por ele, no bairro do Brás, que atende cerca de 120 pessoas.

As camas, conta ele, também não foram separadas, mas houve uma alteração do horário de atendimento que antes só oferecia as noites para abrigo e agora está atendendo 24 horas, mas, para Santos, permanecer trancado no abrigo é o mais complicado.

“A partir das 8h30 a gente não pode mais sair, nós estamos obrigados a ficar até o outro dia. Claro que eles dão almoço e por ai vai. Só nesse albergue que eu estou é totalmente fechado, não tem quadra, espaço de lazer. Eu, por exemplo, eu não consigo ficar lá. Eu ouvi dizer que o governo vai decretar que os moradores fiquem 24 horas no albergue, mas eu acho meio enlouquecedor, eu não conseguiria ficar”, desabafa Santos.

Problema de todos

“Essa sociedade pode pagar um preço muito alto por não pensar em políticas públicas para essa população também”, denuncia Nina Laurindo, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Povo de Rua, ao apontar que a falta de humanidade e de cuidado com da população em situação de rua diante do novo coronavírus pode refletir em mais contaminações.

O coordenador estadual do MNPR, Robson Correia Mendonça, afirma que já existem de alguns casos da população de rua e alerta. “A contaminação seria de quase 90% desta população na cidade, porque o risco de passar um para o outro é muito maior, porque ele não tem onde ficar, se separar, ele não pode contar com isso. Vai ser lamentável, vai ser triste. A mortalidade vai ser enorme.”

Soluções

Além do acesso a higiene, alimentação e água potável, os movimentos sociais pontuam a necessidade de implementação de abrigos em escolas, hotéis, ginásios que possam servir de acolhimento e prestação de serviços para esta população durante a epidemia. 

Algumas destas medidas também constam em documentos de recomendações ao poder público expedidos na semana passada. Um deles foi produzido pelo Ministério Público de São Paulo, com orientações apenas sobre a capital paulista. 

“Nos fizemos esse documento à Prefeitura com algumas diretrizes que listávamos importantes para reduzir o risco, porque eliminar a gente não vai conseguir, do contágio da população de rua. E o retorno foi excelente, embora todos nós sempre tenhamos aquela sensação de que era possível fazer mais”, explica o promotor  de Justiça de Direitos Humanos, Eduardo Valério.

outro documento abrange todas as prefeituras e estados no país e foi produzindo pelo Grupo de Trabalho Em Prol das Pessoas em Situação Rua da Defensória Pública da União (DPU).

“Nossa recomendação é que as secretarias municipais e estaduais de assistência social pautem atuações no sentido de disponibilizar kits de higiene para a população em situação de rua, evitar as aglomerações nos centros de acolhidas, e, principalmente, focada na utilização de espaços ociosos  para que haja realocação dessas pessoas com a disponibilização de locais de banheiros para que elas se higienizem, para evitar a propagação do vírus como publico muito prioritário”, explica a defensora pública e coordenadora nacional do GT, Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi, que afirma ainda que o órgão vai acompanhar a implementação das medidas durante essa semana.

Para o Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, “todos estão tentando achar uma saída, mas ainda está difícil.”