Sem-teto protestam no centro de São Paulo contra prisão arbitrária de lideranças
Só nesta quarta-feira (26) os advogados conseguiram ter acesso aos autos do inquérito para solicitar a liberdade dos militantes
Publicado: 26 Junho, 2019 - 16h02 | Última modificação: 26 Junho, 2019 - 16h06
Escrito por: Rodrigo Gomes, da RBA
Centenas de sem-teto organizados por vários movimentos de moradia da capital paulista protestam desde o início da tarde de hoje (26), pelas ruas do centro da capital paulista reivindicando a libertação das quatro lideranças presas na última segunda-feira (24), sob acusação de extorsão. “O poder Judiciário e a polícia ignoraram que essas pessoas sempre prestaram todas as informações, nunca se negaram a colaborar com a justiça”, ressaltou o militante da Central de Movimentos Populares (CMP) Hugo Fantom.
“É uma trama pela criminalização dos movimentos sociais. Nossas lideranças atuam para defender o direito da população mais pobre de morar no centro. Para garantir que esse monte de apartamentos e prédios abandonados sejam destinados a moradia popular. Queremos que o judiciário volte a sua atenção para quem realmente causa injustiças e problemas para a cidade, que são os especuladores”, disse Fantom.
A marcha saiu do Páteo do Colégio, caminhando pelas ruas do centro até a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP). Depois os manifestantes seguem até a sede do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos locais está sendo entregue um manifesto pedindo a libertação imediata das lideranças presas. “Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia”, diz o texto.
Somente nesta quarta-feira os advogados dos sem-teto conseguiram ter acesso ao inquérito para analisar a justificativa das prisões e pedir o relaxamento delas. Durante quase três dias, os presos tiveram seu direito de defesa impedido. “Os pedidos através do Sistema informatizado do Tribunal de Justiça para habilitação e acesso aos autos estão sendo indeferidos. Isso impede e exercício da ampla defesa e do contraditório. É cerceamento de defesa e viola as disposições legais e constitucionais”, afirmou o advogado e membro do Conselho Estadual de Defesa da Pessoas Humana (Condepe) Ariel de Castro Alves.
O vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT), junto com outros parlamentares e líderes políticos, esteve no ato manifestando apoio aos sem-teto e repúdio à prisão das lideranças. Ele reforçou a intransigência do poder judiciário em garantir a ampla defesa dos presos. “Não conseguimos sensibilizar a juíza de que essas pessoas não ficaram nada de errado, não cometeram nenhum crime que justifique essas prisões arbitrárias”, afirmou.
A Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. A Defensoria Pública e os advogados vão ingressar com pedidos de liberdade na tarde de hoje. A prisão temporária é de cinco dias. As ordens foram expedidas pelo juiz Marco Antônio Martins Vargas. Na ação foram presas Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva (a Preta Ferreira), Ednalva Silva Franco e Sidney Ferreira Silva.
O delegado André Figueiredo, que pediu as prisões, disse que os mandados estão baseados em depoimentos de 13 testemunhas e grampos telefônicos que teriam apontado a prática de extorsão e desvio de dinheiro nos movimentos. “As testemunhas dizem que pagavam R$ 200 a R$ 400 e esse valor não era usado em melhorias. Aqueles que não pagavam eram ameaçados e agredidos. Não estamos acusando os movimentos, mas pessoas que atuavam nos movimentos”, afirmou.
Segundo o delegado, entre os investigados está Carmen Silva, coordenadora do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), que foi inocentada no início deste ano em outro processo baseado nas mesmas acusações por falta de provas e de fundamentos à acusação. Os dois filhos dela, Sidney e Preta, foram presos. “Não tenho conhecimento do outro processo dela (Carmen). Podem ser testemunhas diferentes”, afirmou Figueiredo – depois de questionado sobre a semelhança entre as atuais acusações e as que levaram à prisão arbitrária de Carmen.
Ontem, militantes dos movimentos de moradia iniciaram uma vigília em frente ao 89º Departamento de Polícia (DP), no Portal do Morumbi, onde estão detidas as três mulheres, exigindo a libertação dos quatro líderes sem-teto presos. Segundo Heloísa Silva, da CMP, a ação vai ser mantida até a libertação. “Não vamos deixá-las sozinhas. Sabemos que elas estão firmes, estão juntas. E sabem que nós estamos com elas”, afirmou. Sidney está detido do 2° DP, no Bom Retiro.
Preta Ferreira enviou uma carta aos sem-teto, reafirmando sua inocência e a importância de manter-se firme na luta. “Eu e as meninas estamos nos fortalecendo, nos cuidando. Estamos ansiosas para rever vocês. Ainda não conseguimos comer, não por falta de comida. É porque aqui não desce mesmo. Estamos presas por lutar por nossos direitos e isso nos fortaleceu mais. Ninguém chuta cachorro morto. Nossa luta não é em vão. Continuarei lutando, foi assim que aprendi desde menina”, relatou.
Leia o manifesto distribuído no protesto dos sem-teto contra as arbitrariedades:
Lutar não é crime! Moradia é direito!
Manifesto de Resistência à Criminalização dos Movimentos Populares
Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia. Neste 24 de junho, em operação repleta de constrangimentos ilegais e baseada em acusações dissonantes à realidade, o Poder Judiciário, policiais civis e o delegado do DEIC – Departamento Estadual de Investigações Criminais, sob o comando do governador João Doria, reprisaram o modus operandi da operação Lava Jato e se valeram da truculência policial na busca, apreensão e prisão de várias lideranças dos movimentos populares, numa flagrante criminalização dos movimentos sociais.
A ação do DEIC executada pelo delegado André Vinicius Figueiredo teve como base denúncias anônimas e grampos telefônicos, num processo que corre em segredo de justiça, iniciado no inquérito que apurou as causas do incêndio e desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandu, em maio de 2018. Vale ressaltar que nenhuma das pessoas detidas tinha qualquer relação com o edifício que veio abaixo. O Sistema de Justiça utiliza o subterfúgio de práticas ilícitas daquele prédio para perseguir lideranças e movimentos sem qualquer relação com o caso, e que possuem uma história, reconhecida nacional e internacionalmente, de defesa do direito à moradia.
Além da prisão temporária de Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva, Ednalva Franco e Sidney Ferreira, foram também determinadas 17 buscas e apreensões de lideranças das ocupações. Alega-se que práticas de cobrança para manutenção dos imóveis ocupados são feitas de forma ilícita. De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, a investigação foi instaurada a partir de uma denúncia anônima realizada há cerca de um ano. Em sua coletiva de imprensa, no entanto, ficou nítida a inexistência de fundamento que embase as prisões. As ocupações mantidas pelas referidas lideranças realizam manutenção periódica e possuem infraestrutura validada inclusive pelas autoridades, além de possuírem estatuto, promoverem assembleias e prestação de contas. Há uma evidente tentativa de se utilizar do desastre ocorrido na ocupação do Paissandú para perseguir e intimidar outros movimentos de moradia da região do centro.
As arbitrariedades do Poder Judiciário seguiram nesta terça-feira (25/6), com a demora por parte da Justiça em aceitar a constituição dos advogados de defesa, impossibilitando o acesso aos autos do processo, um claro cerceamento do direito de defesa. Esse é mais um capítulo da investida contra a classe trabalhadora e seus representantes, desencadeado com a prisão arbitrária do ex-presidente Lula, a partir de um conluio da justiça com o poder econômico para impor ao país um projeto anti-popular.
O direito à moradia tem sido alvejado com os cortes de investimentos e a desconfiguração do Programa Minha Casa Minha Vida. Ao desmonte das políticas públicas e à exclusão social se somam os ataques aos movimentos populares, que organizam a luta pelo direito à moradia e por um projeto democrático-popular para o país.
A afirmação do direito à cidade, à moradia digna, e a presença dos pobres e trabalhadores nas ocupações da região central de São Paulo são atos de resistência diária contra a especulação imobiliária e a segregação social. Por isso, os diversos movimentos populares, sindicais, partidos políticos e organizações da sociedade civil conclamam a todas as pessoas defensoras da democracia e dos direitos sociais a se juntar na jornada de resistência contra a criminalização da luta e em defesa da moradia como um direito.
Para que a verdade seja a base da Justiça. O delegado e o Judiciário não pode dar crédito a denúncia de APROVEITADORES que buscam a proteção ilegal do poder público para não pagar despesas de água, luz, manutenção, segurança e limpeza do espaço de moradia.
Exigimos de todas as autoridades competentes:
A imediata libertação dos presos políticos e o fim da perseguição política, pelo Judiciário, contra a legítima luta dos movimentos populares.
Assinam:
CMP – Central de Movimentos Populares, FLM – Frente de Luta por Moradia, UMM – União dos Movimentos de Moradia
da Grande Sâo Paulo e Interior, MMLJ – Movimento de Moradia na Luta por Justiça, Mulheres Negras na Frente, Levante
Popular da Juventude, BR Cidades, UMM – União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior, Marcha
Mundial das Mulheres, Consulta Popular