Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA

Sem verbas para cisternas, 350 mil famílias do semiárido não têm água para beber

Na falta de recursos federais, rede de entidades capta doações para a campanha Tenho Sede. Meta é construir reservatórios caseiros para armazenar água de chuva para consumo humano e produção de alimentos

Divulgação/ASA Brasil

O governo de Jair Bolsonaro deve entrar para a história também por suas políticas que penalizam a população mais pobre, inclusive aquela que vive no sertão dos estados nordestinos e no norte de Minas Gerais – o chamado semiárido brasileiro –, que enfrentam dificuldades diárias até para acesso à água de beber. Naquela região, 350 mil famílias ainda dependem de caminhões-pipa no período mais crítico das secas.

A estimativa é da Articulação do Semiárido (ASA Brasil), rede que reúne entidades sindicais e religiosas e movimentos sociais que atua nessas regiões construindo cisternas e capacitando a população para o uso adequado dessas tecnologias simples, porém tão eficientes que são reconhecidas pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Água para beber e produzir alimentos

A redução de investimentos do governo Bolsonaro em cisternas afeta também aqueles que precisam de um segundo reservatório de água, nesse caso para produzir alimentos e criar animais. Ou seja, a roça e a produção de aves, ovos e leite para o sustento familiar e com possibilidade de gerar renda, ainda é sonho para cerca de um milhão de famílias do semiárido.

“Comunidades rurais, povos tradicionais, quilombolas, camponeses, agricultores familiares. Mais de um milhão de famílias no semiárido ainda necessitam que a água para produção de alimentos chegue em suas comunidades. Nós precisamos ainda construir muito mais cisternas nas zonas rurais e multiplicar casas de sementes”, disse à RBA Valquíria Lima, coordenadora Executiva da ASA pelo estado de Minas Gerais.

Outras famílias, no entanto, já conquistaram suas cisternas. Atualmente não precisam mais caminhar até quatro horas com lata de água na cabeça e conseguem viver da agricultura. É o caso da dona Joelma, de Araras (PB), Maria das Graças, de Esperança (PB), dona Nena, de Cumaru (PE) e tantas outras que dão seu depoimento no site da campanha Tenho Sede lançado pela ASA Brasil justamente para tentar suprir a omissão do governo federal (vídeo abaixo).

A ASA Brasil começou sua atuação com o debate sobre o acesso à água para consumo, que é um direito humano reconhecido pela Organização das Nações Unidas. Com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a construção de cisternas foi incorporada entre as políticas apoiadas pelo estado, entrou no orçamento e o programa foi aprimorado

Fome Zero, Sede Zero

Foram criados o programa de cisternas para armazenamento da água de chuva para produção de alimentos, que é pioneiro, depois as cisternas nas escolas, para garantia da merenda, o banco e a casa de sementes, visando a segurança alimentar e soberania das famílias que aprenderam a conviver com o semiárido.

“Passamos a ter os maiores apoios a partir de 2003, onde dentro do programa Fome Zero se inseriu no debate o Sede Zero, sendo a água elemento motivador de todo o território do semiárido. Sem água não tem vida, não tem comida, não tem produção para as famílias da zona rural. Então ele teve seu auge, em um crescente de investimento do estado brasileiro para que a gente pudesse ampliar cada vez mais essa ação e pudesse chegar a números expressivos, como um milhão de famílias tem a tecnologia de armazenamento de água de chuva para produção de alimentos”, disse Valquíria.

No entanto, a partir de 2015 vieram as políticas de cortes na área social e no seguinte o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Na sequência, a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziu o orçamento, que foi praticamente zerado pelo atual governo.

Para Valquíria, a questão é que programas como o das cisternas não são estruturantes. Ou seja, dependem muito da vontade política dos governantes. “E como os governos mudam, a vontade política também muda. O governo atual prefere investir recursos para outros tipos de tecnologia de acesso a água do que em programas que são comprovadamente eficientes e que dialogam com a realidade, o contexto, demanda e realidade das comunidades do semiárido. A gente sempre viveu uma luta constante sobre investimentos, as políticas, precisamos sempre de muita mobilização, incidência social, demarcar espaço, disputar recurso, e orientar a vontade política. nada veio de cima pra baixo, foi preciso muita organização social, muita conquista social”.