Seminário da Contee alerta para desnacionalização do ensino
Mercantilização avança com recursos do FIES e do Prouni, denunciam professores
Publicado: 24 Setembro, 2015 - 14h48 | Última modificação: 01 Outubro, 2015 - 10h21
Escrito por: Leonardo Wexell Severo
Antonio Olmedo, Fátima Silva, Madalena Guasco e Celso Napolitano: mais verbas para a educação pública. Foto: Jordana Mercado“Estamos diante de uma crescente desnacionalização do ensino, uma mercantilização que avança em nosso país com recursos públicos do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e do Prouni (Programa Universidade para Todos). Nesta disputa entre o público e o privado o problema não está só no financiamento, mas no conteúdo ideológico que passa a ser repassado”, afirmou a professora Fátima Silva, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), no seminário “Os diferentes modos de privatização da educação no mundo e as estratégias globais e locais de enfrentamento”. Iniciado na segunda-feira e encerrado nesta quinta, o evento realizado pela Contee, no Hotel Braston, reuniu especialistas e sindicalistas do ramo.
“O fato é que essas instituições do mercado preferem trabalhar com o FIES e o Prouni, pois há uma transferência automática de recursos, é dinheiro líquido e certo, sem os riscos de uma mensalidade”, destacou Fátima, lembrando que programas pensados para ser transitórios acabaram se cristalizando, passando a sugar importantes parcelas do Orçamento da educação para os cofres privados. “A qualidade do ensino também vem sofrendo com esta opção”, alertou, “uma vez que essas empresas trabalham com a demissão de quadros altamente qualificados, substituídos por professores que ganham 50% menos”.
SETOR ESTRATÉGICO
Prestigiando o Seminário, o professor João Antonio Felicio, presidente da Confederação Sindical Internacional e membro da executiva nacional da CUT, também alertou para os riscos do avanço do capital estrangeiro “em um setor estratégico, que dialoga com a construção de um projeto de país, de nação”. Transferir o ensino universitário a essas grandes corporações transnacionais, sublinhou, “abre espaço para que sejamos submetidos à sua hegemonia econômica e política, deixando o país refém dos seus interesses”.
João Felicio também alertou para o fim da liberdade de cátedra através da “padronização” imposta pelas instituições mercantis, “sem relação com a nossa concepção cultural, geográfica ou histórica, pois suas necessidades são tão somente a de gestão da empresa, a maximização dos lucros com mão de obra barata, anulando o papel do cidadão”. “Qualquer professor que expresse uma concepção diferente desta ficará muito pouco tempo nestas instituições, será dispensado”, enfatizou.
O professor Celso Napolitano, presidente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), denunciou que “com o FIES, as grandes corporações trocaram receitas duvidosas por certas, um capitalismo sem risco, com aluno cativo e dinheiro do Tesouro Nacional”. Citando a entrevista do reitor da Universidade Federal do Rio, Roberto Leher, Celso lembrou que com a aquisição da Anhanguera pelo grupo internacional Kroton, o conglomerado passou a contar com 1,2 milhão de estudantes, “passando a ser maior do que todas as universidades federais juntas”.
No dia 22 de abril de 2013, quando Kroton e Anhanguera anunciaram sua “fusão”, criando uma nova companhia, avaliada em 5,9 bilhões de dólares – a maior do mundo – passaram a contar com 123 campus de ensino presencial, 647 polos de ensino à distância, unidades em 80 cidades do país e mais de dois mil cursos de graduação, mestrado e doutorado, tendo obtido receita líquida de 3 bilhões de reais e lucro líquido de 420 milhões de reais. Naquele momento a fusão englobava cerca de 15% de todos os alunos do ensino superior do país.
No Brasil, apontou Celso Napolitano, cinco fundos de investimento têm 40% das matrículas da educação superior brasileira e apenas três fundos controlam 60% da educação à distância. Também presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso apresentou o estudo “Análise econômico financeira de empresas do setor de Educação” com indicadores e resultados dos grupos (de capital aberto) Kroton-Anhanguera, Estácio, Anima e Ser; e empresas particulares de capital fechado (Mackenzie e Unicsul). Entre outros abusos, foi constado que as companhias Kroton, Anima, Estácio e Ser tiveram, em média, salto de 201% na receita líquida no período, direcionando cada vez menos recursos aos professores.
Contando com a injeção de recursos públicos, em agosto de 2013, o grupo americano proprietário da Anhembi Morumbi adquiriu as Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) por R$ 1 bilhão, passando a contar com mais de 200 mil alunos no país. Em outubro do mesmo ano, o Grupo Anima, formado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH) e a UNA, da capital mineira, a Unimonte de Santos e o fundo de Investimento BR Educacional, na sua oferta pública inicial de ações (IPO) na Bolsa de Valores, captou 468.1 milhões de reais para expansão de suas atividades. Em 11 de abril de 2014, o mesmo Grupo Anima adquiriu uma tradicional instituição educacional da capital paulista, Universidade São Judas Tadeu, com 25,8 mil alunos em 35 cursos, por R$320 milhões.
SISTEMA PERVERSO
Para Lucas da Silva Tasquetto, pesquisador de pós-doutorado pela UFRGS e professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nem foi preciso o Brasil ser signatário de acordos de livre comércio para que o capital estrangeiro pintasse e bordasse, tanto na aquisição de empresas quanto na negociação da bolsa de valores. “Temos um sistema lucrativo privado de massa extremamente perverso”, disse Tasquetto, defendendo uma ação governamental mais firme para frear o descontrole.
Na avaliação de Lalo Watanabe Minto, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), sem regras para sua atuação, “o capital está se apropriando do setor educacional de todas as maneiras possíveis, legais e ilegais, éticas e não éticas”. Esta apropriação “pelos interesses políticos, econômicos e ideológicos de grupos tornam o ensino um modelo de negócio rentável”, desprezando sua importância para o interesse individual e coletivo. “Temos que retomar as lutas em defesa da educação pública como único modo de resistir e contrapor-se a essas forças, que são muito poderosas”, defendeu, denunciando a crescente a influência privatista sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário). Exemplo disso, citou, são os 10% do PIB para a Educação, alvo de intensa disputa entre o público e o privado.
A professora Madalena Guasco Peixoto, coordenadora-geral da Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), traçou um histórico da expansão da educação superior brasileira, a partir da mercantilização e financeirização do setor. A concentração mercantil, avalia, ganhou força a partir do ProUni e do Fies.
Para Madalena, além de lutar para que os recursos públicos fiquem integralmente na esfera pública, é fundamental buscar uma regulação mais eficiente para garantir a qualidade do ensino, obrigando as instituições a cumprirem com suas responsabilidades. “Daí a importância em pressionar pela aprovação do Insaes (Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior)”, sublinhou.
Iniciado na segunda-feira e encerrado nesta quinta, o evento realizado pela Contee no Hotel Braston, em São Paulo (SP), contou com a parceria da Internacional de Educação (IE), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes-Federação).