Escrito por: Redação CUT
Privatização vai prejudicar os mais pobres que podem ficar em água e saneamento e ainda pagar contas mais altas pelos serviços, alertam trabalhadores do setor e especialistas
O Plenário do Senado aprovou na manhã desta quinta-feira (6) o Projeto de Lei (PL) nº 3261/2019, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que trata da privatização dos serviços de saneamento básico no Brasil.
O projeto, que estabelece o Marco Legal do Saneamento Básico e foi feito sob medida para substituir a Medida Provisória (MP) nº 868, que perdeu a validade na última segunda-feira (3), antes de ser votada, será encaminhado para a Câmara dos Deputados.
Ao contrário do sistema atual, que determina que os serviços sejam prestados pelos estados e municípios, e a Agência Nacional de Águas (ANA) é responsável apenas pela regulação do acesso e uso dos recursos hídricos federais, o PL prevê que a agência terá a função de estabelecer normas de referência de regulação dos serviços de saneamento. As normas devem “estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos serviços”, além de “buscar a universalização e a modicidade tarifária”, diz o texto do PL. Se o projeto for aprovado pelo Congresso Nacional, a prestação do serviço por empresas privadas dependerá de contratos de concessão.
O modelo de privatização, segundo trabalhadores do setor e especialistas, vai prejudicar os mais pobres que podem ficar em água e saneamento e ainda pagar contas mais altas pelos serviços.
Em um país com mais de 55 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, privatizar o saneamento é prejudicar e condenar os pobres, afirma o engenheiro civil Clovis Nascimento, sanitarista e pós-graduado em Políticas Públicas e Governo.
“É lamentável essa aprovação a toque de caixa no Senado sem qualquer diálogo amplo com a sociedade”, criticou Clovis Nascimento, que também é presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge).
O presidente da FNU, Pedro Blois, lembra que hoje as tarifas arrecadadas nas cidades mais ricas ajudam a garantir os serviços de água e esgoto para as cidades mais pobres. Com a privatização, as cidades ricas, que mais arrecadam com a conta de água, vão ficar com as empresas privadas e as cidades pobres ficarão com as prefeituras ou com o Estado, que não terão condições de garantir água e esgoto para seus moradores.
Sem o subsídio cruzado, em que os superavitários financiam os deficitários, quem vai pagar a conta é a população, complementa Edson Aparecido, assessor de saneamento da FNU. Ele alerta ainda que que as contas de água e esgoto devem aumentar e muito.
A tramitação do PL da sede e da conta alta
A expectativa de alguns líderes partidários do Senado era obter mais tempo para analisar a matéria, que foi apresentada logo após a MP 868 caducar. Outros senadores argumentaram que a matéria já foi discutida em larga escala, e que, após passar pela Câmara dos Deputados, voltará para o Senado de qualquer maneira para ser avaliada. Também destacaram a situação crítica do saneamento básico no País – apenas 45% do esgoto é tratado, apontam os dados do Instituto Trata Brasil.
Mas a matéria também é alvo de muitas críticas na Casa. De acordo com alguns parlamentares, a privatização do serviço pode prejudicar os pequenos municípios, economicamente menos atrativos para empresas particulares, como alertaram trabalhadores do setor e especialistas.
“Não se faz saneamento, e nenhuma empresa privada fará saneamento, se não houver aporte público nos locais de pobreza. Quantos munícipes conseguem pagar? Vai fazer em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista [as três maiores cidades da Bahia]. Mas o resto, no lugar de aumentar o acesso à água, vai diminuir, porque os prefeitos não bancam porque não têm condição. Ninguém vai investir se não houver taxa de retorno”, afirma o senador Jaques Wagner (PT-BA).
Já os defensores afirmam que é um avanço que vai permitir a melhora do setor e a maior cobertura para a população.
Apesar da experiência negativa no Amazonas, o senador Eduardo Braga (MDB) defendeu a proposta afirmando que é importante fazer um bom texto. Segundo ele, esse foi o problema do desastre da privatização do serviço na capital amazonense.
“Vinte anos se passaram, e as metas continuam não cumpridas na área de esgoto, apesar de a tarifa estar sendo cobrada. Em relação ao abastecimento de água, só foi possível cumprir as metas graças a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Por essas experiências é que nós procuramos agora ajudar a elaborar um texto que atendesse não só grandes regiões com potencial econômico, mas os municípios do interior do Brasil”, afirmou.
Os senadores Angelo Coronel (PSD-BA), Weverton (PDT-MA) e Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, mostraram-se preocupados com o futuro das empresas públicas e de seus trabalhadores.
“Sabemos como funciona essa logística. Só o capital privado não resolve de uma hora para outra. Tem que levar em conta o que vai melhorar e para quem. As empresas de telefonia, por exemplo, abandonaram as cidades pequenas. Até hoje não tem sinal de celular em pequenos municípios do interior do Maranhão. As aéreas só querem operar onde ganham, assim como os bancos [...] Eles não têm compromisso nenhum com o povo. Só querem lucratividade. Além disso, funcionários das empresas estão em risco. Na Câmara, o debate vai ter que ser mais profundo”, avaliou Weverton.
Entenda o PL 3.261/2019
* Prevê a licitação do serviço com a participação de empresas privadas.
* A sustentabilidade econômico-financeira dos contratos de saneamento se dará por meio do pagamento de taxas, tarifas e tributos. Eles podem ser cobrados diretamente pelas empresas concessionárias para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais.
* Proíbe a celebração de contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos administrativos considerados de natureza precária. Por emenda, será aceita a prorrogação dos contratos de programa, por uma única vez, até a amortização dos investimentos. Os contratos de programa são firmados entre estados e municípios para prestação dos serviços de saneamento em colaboração e não exigem licitação.
* Prevê a realização de licitações em blocos de municípios, agregando cidades mais e menos rentáveis, como forma de garantir ganho de escala e viabilidade técnica e econômica para a prestação do serviços.
* Abre a possibilidade de gratuidade para famílias de baixa renda e a adoção de subsídios para usuários de baixa renda sem capacidade de pagamento, desde que se observe o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
* Os contratos de concessão e os contratos de programa para prestação dos serviços públicos de saneamento existentes na data de publicação da lei permanecerão em vigor até o fim contratual.
* Dá prazo até 2 de agosto de 2021 para as capitais e municípios das regiões metropolitanas acabarem com seus lixões. Para os demais municípios, há prazos com base em critérios demográficos:
2 de agosto de 2022 para municípios com mais de 100 mil habitantes
2 de agosto de 2023 para municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes
2 de agosto de 2024 para municípios com menos de 50 mil habitantes
* A União e os estados serão obrigados a manter ações de apoio técnico e financeiro aos municípios para o alcance de tais metas.
Com Agência Senado