Escrito por: Rosely Rocha
Oposição ainda tenta barrar itens mais prejudiciais para trabalhadores e trabalhadoras e centrais pedem que Senado pare a votação até governo explicar números falsos
O Senado vota em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019, da reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro (PSL), nesta terça-feira (1º).
O presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre, prevê que a análise e votação do texto do relator Tasso Jereissati (PDSB/CE) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) termine no período da manhã. À tarde, o texto deve ser votado no plenário.
Durante a análise na CCJ, os partidos de oposição vão tentar barrar quatro pontos considerados extremamente prejudiciais aos trabalhadores e trabalhadoras:
. o pagamento do abono salarial somente para quem ganha até R$ 1.364,43. Hoje, recebem trabalhadores que ganham até dois salários mínimos (R$ 1.996,00).
. o aumento no tempo de contribuição das aposentadorias especiais.
. a redução em até 40% no valor do benefício da pensão por invalidez.
. e o tempo mínimo de contribuição para se obter a aposentadoria integral, que, se aprovado, chegará a 40 anos para homens e 35 anos para as mulheres. Hoje, é de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens.
Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, todo o texto da reforma é um ataque aos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, especialmente os mais pobres, que dificilmente conseguirão se aposentar se PEC for aprovada do jeito que está. De acordo com Vagner, a luta da oposição para tentar reverter os pontos mais perversos é importante, mas o que o Senado deveria fazer de fato é interromper a votação e pedir ao governo dados corretos sobre a necessidade da reforma, como a CUT e outras cinco centrais pediram nesta segunda-feira (30) por meio de nota oficial.
O dirigente se refere a levantamento feito por pesquisadores da Unicamp, que concluíram que os dados que o governo apresentou ao Congresso Nacional para aprovar a reforma são falsos.
Os professores comprovaram que, ao contrário do que disseram os técnicos do governo, as aposentadorias por tempo de contribuição geram superávit para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e têm impacto positivo na redução da desigualdade.
“A maioria dos trabalhadores se aposenta por idade porque não consegue contribuir por 15 anos. E a média do valor da aposentadoria é de apenas R$ 1.300,00”, pontua Vagner.
“O que o governo Bolsonaro quer é deixar o trabalhador e o aposentado na miséria e forçar os que ganham mais a pagar uma Previdência privada. Esta reforma só atende os interesses do capital financeiro”, diz Vagner.
“O que o Senado deveria fazer é interromper a análise e votação e exigir do governo uma resposta a denuncia da Unicamp”, afirma o dirigente.
A advogada e especialista em Previdência Social, Julia Lenzi, do escritório LBS, explica que, quando se faz projeção econômica é preciso trabalhar com meios termos e analisar os impactos que tal medida traria, por exemplo, se o Produto Interno Bruto (PIB) crescesse 1%, se crescesse acima disso. Além disso, tem de analisar as estatísticas históricas do PIB, para se construir um cenário futuro.
”O governo não fez nada disso. Simplesmente trabalhou com extremos. Calculou que o PIB não vai crescer em décadas. Claro que isto gera um impacto negativo em todas as contas públicas e na Previdência. Eu nunca vi uma estatística ser trabalhada apenas com uma projeção econômica de crescimento zero”, critica Julia.
“O governo construiu um cenário ideal para validar seus argumentos que a Previdência vai falir. Eles não fizeram cálculos e sim propaganda. E pior, argumentar que o PIB será zero, é abandonar um projeto de crescimento econômico. É não ter nenhum compromisso com a geração de empregos”, avalia a advogada.
Já o senador Paulo Paim (PT-RS) diz que diante dos dados dos pesquisadores da Unicamp entrou com pedido de audiência pública na CCJ para ouvir o governo e os autores da pesquisa.
“A audiência deverá ocorrer amanhã [terça-feira]. É preciso mostrar que não podemos aprovar esta reforma que não combate privilégios e só ataca os trabalhadores mais pobres”, afirma.
Os pontos mais cruéis da reforma
Ao falar sobre os pontos que os senadores vão tentar derrubar, caso a sessão não seja interrompida, Paim disse que nunca viu nada tão cruel, tão desumano e sem o mínimo compromisso com os direitos humanos, como o texto do relator Tasso Jereissati.
“O texto da reforma tem um monte de problemas. Imagine trabalhar 20 anos e se acidentar para receber metade do que tem direito hoje. Um pai de família, com dois filhos, por exemplo, que receberia R$ 4 mil vai receber em torno de R$ 2 mil, praticamente a metade”, diz Paim, se referindo à redução de 100% para 60% do valor do benefício, calculado em cima da média salarial desde 1994 e não mais pelos 80% dos melhores salários.
Outro ponto criticado por Paim é diminuir o número de trabalhadores com direito ao abono salarial. Para o senador há um contrassenso na decisão do relator porque ao mesmo tempo em que Jereissati diz que a reforma combate privilégios, ele está aprovando a retirada de um benefício de quem ganha tão pouco.
“O abono salarial é voltados aos trabalhadores com piores salários. Retirar esse direito de pelo menos 13 milhões de pessoas pobres, que ganham acima de R$ 1.300,00, mas não ultrapassam dois mínimos, não combate privilégios”, critica Paim.
“É um absurdo o relator dizer que a reforma é para combater privilégios e tirar do trabalhador que ganha menos”, complementa a advogada Júlia Lenzi.
O terceiro ponto que a oposição vai combater na votação da reforma é a mudança no tempo de contribuição para a aposentadoria especial de trabalhadores que atuam em trabalhos insalubres e periculosidade. A proposta do relator acaba com a aposentadoria especial.
Hoje, dependendo do grau de periculosidade, o trabalhador se aposenta com 25, 20 e 15 anos de contribuição nessas atividades. A reforma incluiu um gatilho que soma o tempo de contribuição na atividade insalubre, o tempo de contribuição em atividade comum e idade. São 66 pontos para quem hoje pode se aposentar com 15 anos de atividade insalubre, 76 pontos para quem tem de trabalhar 20 anos e 86 pontos para atividade que exija no mínimo 25 anos de contribuição.
O problema, segundo Julia Lenzi, é que ninguém vai conseguir atingir esta pontuação. A advogada calcula que quem começou a trabalhar em mineração aos 20 anos de idade, por exemplo, se tiver de atingir 66 pontos, só vai se aposentar aos 51 anos e não mais aos 35.
Já quem trabalha em atividade de risco moderado que se aposentaria com 25 anos de contribuição. Vai ter de trabalhar muito mais. Hoje, quem começou aos 20 anos, teria direito ao benefício aos 45 anos. Pela tabela para chegar aos 86 pontos, só teria direito a aposentadoria aos 66 anos - um ano a mais do que a aposentadoria por idade.
“Para um mineiro serão mais 16 anos trabalhando com a saúde debilitada, correndo riscos, num trabalho pesado e perigoso. Ou seja, o tempo de trabalho será aumentado mais do que o dobro de hoje que são 15 anos. A aposentadoria especial é uma medida de proteção à saúde do trabalhador. Não faz sentido condicionar a aposentadoria a essa somatória. Isto, na verdade, é uma forma disfarçada de instituir idade mínima de aposentadoria para esses trabalhadores”, diz Júlia.
O senador Paulo Paim reconhece que se a reforma da Previdência for aprovada, ela vai acabar com a aposentadoria especial, deixando os trabalhadores mais vulneráveis.
“O trabalhador deste setor já não tem estabilidade, e se ele quiser o benefício integral vai ter de trabalhar praticamente o dobro do tempo. É o fim da aposentadoria especial“, diz.
Já o aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria integral e a redução no valor do benefício no cálculo para quem não atingir os 40 anos de contribuição (homens) e 35 (mulheres) é um dos pontos da reforma mais devastadores para os trabalhadores, acredita o senador.
“O trabalhador brasileiro consegue ficar empregado em média seis meses por ano. Se já era difícil pagar 15 anos do INSS para se aposentar, imagine se a reforma passar”.
Texto não precisa voltar para a Câmara
Uma das desculpas que Tasso Jereissati tem dado para não aprovar as emendas apresentadas pelos senadores é de que se o texto for alterado deve voltar para a Câmara dos Deputados para nova análise e votação, e ele quer manter o cronograma da votação da reforma, previsto para terminar ainda neste mês de outubro.
Tanto Paim quanto Júlia Lenzi dizem que, no caso do abono salarial e da aposentadoria especial, bastava suprimir o texto do relatório.
“Não tem lógica manter esse texto. Não teria nenhum custo para a tramitação da reforma assim como não teve a retirada do BPC [ Benefício de Prestação Continuada ] e a aposentadoria dos rurais”, afirma Júlia.
Em protesto, Paim diz que vai apresentar seu voto em separado.
“Vou apresentar meu voto em separado porque não concordo em nada com esse texto e também vou ler a nota das centrais sindicais, que vêm lutando e resistindo contra a reforma da Previdência”, diz Paim, lembrando que no dia da análise do texto é a data em que há 16 anos, o ex-presidente Lula sancionou a lei que estabelece o 1º de outubro como o Dia do Estatuto do Idoso.
“Eles estão acabando com o futuro das gerações do presente e do futuro e colocando em risco as do passado”, alerta.