MENU

Servidores da Fundação Casa são contra redução da maioridade

Trabalhadores afirmam que ressocialização exige estrutura e condições dignas de trabalho

Publicado: 10 Abril, 2015 - 16h18 | Última modificação: 10 Abril, 2015 - 16h28

Escrito por: CUT-SP - Vanessa Ramos

Latuff
notice
Trabalhadores apontam que polícias públicas devem vir antes das penalidades


Mulheres e homens que trabalham em diferentes áreas da Fundação Casa, com adolescentes e jovens autores de atos de violência, estiveram reunidos nesta quinta-feira (9), em frente à Assembleia Legislativa de São Paulo, para cobrar resposta do governo estadual à pauta da campanha salarial.

Mas a atividade não parou por aí. Como uma das pautas mais caras à sociedade está em evidência e tem relação direta com o ambiente de trabalho desses servidores, eles também aproveitaram para se posicionar contrários à PEC 171, de 1993, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.  Ela foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, no último dia 31 de março, e segue tramitando.

“Sabemos que o sistema ainda não tem as condições plenas, mas tirar a chance de um adolescente ou jovem ser recuperado e colocá-lo nas cadeias é o mesmo que não tratar o problema em sua raiz. Ao mesmo tempo é permitir que ele, em processo de formação, se forme definitivamente na escola do crime, onde atuam grandes facções, seja aqui em São Paulo ou no restante do Brasil”, afirma o presidente Aldo Damião Antônio, do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança, ao Adolescente e à Família (Sitraemfa).

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. “As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades”, diz a organização.

Os dados da Unicef são confirmados pela psicóloga Maria Helena Machado, que há 15 anos trabalha na Fundação Casa. Hoje atua na Casa São Luiz 2, na região extrema da zona sul da capital. “Existe um recorte racial nas casas, os adolescentes internos em sua grande maioria são negros. Conversamos com eles sobre a questão racial, mas com o apoio de parceiros da própria comunidade. É o que sempre digo, a socioeducação precisa ser feita de forma adequada para dar certo”. 

A servidora explica que os menores perguntam o que é a PEC. “Não conseguem compreender de maneira geral, isso porque a proposta de reduzir a maioridade penal apresenta um discurso vazio. Mas a questão é também outra, esses adolescentes foram excluídos desde a infância, da creche, da Emei [Escola Municipal de Educação Infantil] e da escola formal. Segregados na sociedade, se tornaram infratores”.

Contradição permanente

O agente de apoio socioeducativo da Fundação Casa, Laércio José Narciso, expressa descontentamento com as condições de trabalho e diz existir negligência do estado tanto com os servidores como com os adolescentes e jovens.

“Alguns viram pra mim e dizem: - ‘senhor, de boa, eu vou dirigir minha caranga [carro] e conhecer os manos dentro da cadeia´.  Não são todos que pensam assim e que querem conhecer um CDP [Centro de Detenção Provisório], mas com certeza muitos não entendem que a cadeia vai afastá-los do convívio social”.

Por outro lado, Narciso, que é também autor do livro “Cadeia de Chocolate”, no qual aborda o cotidiano dentro da Fundação Casa, observa que existem adolescentes que apontam outro lado. “Outro me disse também: – 'senhor, aqui tenho gel, pasta de dente e danone. Em casa, eu não tenho nada disso. Lá tenho dois irmãos internados, mais um na cadeia. Quando sair daqui, não sei o que vou fazer”, relata a fala do menino da periferia de São Paulo.

Maria Helena lembra que existem unidades que comportam 90 menores, mas que hoje acolhem cerca de 250. Ela reitera que, além da superlotação nas unidades, cada psicólogo chega a atender, em média, de 30 a 50 adolescentes semanalmente. “Não temos condições de atendimento no espaço físico dentro dos centros de ressocialização, nem salas de atendimento psicológico e nem onde atender os adolescentes. Muito menos conseguimos resguardar o sigilo do atendimento psicológico”.

Segundo ela, as mães dos adolescentes e jovens chegam a ser atendidas pelos psicólogos em salas de revista. “Para quem não sabe, são salas sem janelas e com apenas uma porta. Além de estarmos expostos a riscos ambientais, estamos expondo os adolescentes e a família toda a esta situação”, lamenta.