Servidores de Beberibe (CE) são as novas vítimas de práticas antissindicais
Prefeita ameaça com demissões mesmo sem greve ter iniciado. Subprocurador geral do MPT e Secretária de Organização e Política Sindical da CUT denunciam aumento da perseguição aos que procuram seus direitos
Publicado: 15 Março, 2022 - 08h30 | Última modificação: 15 Março, 2022 - 08h40
Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz
Multas que vão de R$ 5 mil a R$ 1 milhão por dia, muito além da capacidade financeira dos sindicatos, proibições de greves antes mesmo de serem deflagradas pelos trabalhadores, e também de manifestações públicas. Essas são algumas das ações que cerceiam a liberdade sindical, prevista na Constituição brasileira, mas que, na prática, não vem sendo cumprida, nem pela Justiça, nem por autoridades públicas.
Já tivemos os exemplos recentes da prisão de dirigentes do sindicato dos motoristas de ônibus no Maranhão por causa da paralisação da categoria e dos policiais civis de Pernambuco; as proibições de greve dos petroleiros, antes mesmo de se iniciar e a dos professores de Quixadá (CE) de fazerem manifestações, entre outras práticas antissindicais com o apoio da Justiça.
Na última semana foi a vez dos servidores municipais da cidade de Beberibe (CE) serem surpreendidos pela prefeita Michele Cariello de Sá Queiroz Rocha (PL), que enviou à Câmara Municipal um decreto que diminui o valor do Plano de Cargos de Carreira e Remuneração (PLCR) dos professores com mestrado e doutorado, rebaixando seus salários.
Como os professores e as demais categorias que compõem o serviço público local ameaçavam entrar em greve reivindicando reajuste salarial, a prefeita simplesmente enviou outro decreto que corta o ponto e pode abrir processo administrativo contra os servidores, antes mesmo do início da paralisação.
O Decreto seria votado na Câmara Municipal de Beberibe na última quinta-feira (10), mas os servidores pressionaram os vereadores, impedindo a sessão. Uma nova votação está marcada para o dia 17 (quinta). Segundo o sindicato, a polícia deve ser chamada, mas a categoria diz que manterá a mesma pressão. Diante da intransigência da prefeitura, os servidores municipais decidiram pela greve na última sexta-feira (11). Até o momento estão parados 350 servidores, sendo que 300 são professores. Veja abaixo as reivindicações dos servidores.
Este aumento da violação ao direito constitucional de fazer greve é criticado pela Secretária de Organização e Política Sindical da CUT Nacional, Graça Costa, ao lembrar que se deve recorrer à Justiça quando não há mais negociação entre os sindicatos e patrões, quando é iniciativa privada ou o Executivo no caso de servidores públicos.
“Estamos resguardados por leis brasileiras e a legislação internacional que preveem um processo de negociação onde há a organização dos trabalhadores e dos patrões. Os patrões ou o Executivo não têm direito de intervir na atuação sindical, assim como os trabalhadores não interferem nas associações e sindicatos patronais”, diz Graça, que complementa: “o governo municipal de Beberibe fere a liberdade de organização ao direito de greve que protege os servidores municipais. É simplesmente uma violação de direitos que está acontecendo por parte da administração”.
A prática antissindical que vem ocorrendo em todo o país é condenada pelo subprocurador geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Francisco Gerson Marques de Lima. Ele se diz preocupado com o crescimento dessas ações tanto por parte da iniciativa privada como do Poder Executivo.
“Há um pouco de tudo nessas decisões, desconhecimento e má orientação sobre direitos sobretudo entre prefeitos e outras autoridades que estão desrespeitando os direitos sindicais”, afirma o subprocurador geral do MPT.
Marques de Lima acrescenta ainda que as decisões conservadoras por parte do Judiciário em relação aos direitos trabalhistas, já vem ocorrendo há muitos anos, com o afastamento de parte da magistratura do movimento sindical.
“A gente percebe o aumento de proibições a greves e movimentos. São desde multas elevadas para os sindicatos, que às vezes nem entrou em greve,apenas avisou o estado de greve e já sai decisão liminar com multas elevadas e determinação de garantia de comparecimento de 80% dos trabalhadores. Isso não é greve”, afirma o subprocurador-geral do MPT.
Os grandes grupos econômicos quando violam a legislação do trabalho, as indenizações são muito menores. Para os trabalhadores há casos de R$ 100 mil ao dia e ainda com desconto direto na contribuição sindical, sem esperar uma decisão final. São tratamentos diferentes para empresas e para quem reivindica direitos e até mesmo só o cumprimento da legislação em vigor
O advogado que atende a CUT Nacional do LBS Advogados, Eymard Loguércio concorda com o subprocurador-geral do MPT, de que a justiça brasileira é conservadora e, em todas as suas esferas, e vai além ao dizer que não foi à toa que o ex-juiz Sergio Moro e o ex- procurador do MP Deltan Dallagnol, conseguiram produzir a farsa da Operação Lava Jato que condenou o ex-presidente Lula à prisão por 508 dias, mas que foi inocentado de todos os processos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Esses procedimentos já ocorriam em outros contextos, mas se percebe uma atuação mais forte no governo de Bolsonaro, que tem um ambiente político mais propício ao conservadorismo. Onde houve greves, houve retaliação, sobretudo nas que envolvem o setor público como transporte, saúde e educação”, diz Eymard.
Para ele, a Justiça reagiu em geral de forma conservadora, mesmo com poucas greves que ocorreram nos últimos dois anos, por causa da pandemia da covid-19.
“Em geral há um crescente aumento de imposição de multa, de limitação de greve e atuação judicial até antes de acontecer a greve. Se os trabalhadores não acordarem para essa situação neste ano de eleição estaremos cavando um poço ainda mais profundo nas relações de trabalho, nos próximos quatro anos”, afirma Eymard.
A diferença de atuação do MPT e o MP
O subprocurador-geral do MPT explica que no exemplo de Beberibe, a conduta antissindical é possível ser combatida judicialmente e administrativamente, configurando improbidade da prefeita. Mas o MPT não tem competência para atuar neste caso e sim o Ministério Público (MP) e a Justiça local, mas é preciso provocá-los, bem como a Câmara dos Vereadores, no caso de uma ação administrativa.
“O MPT pode atuar nos regimes celetistas ou da iniciativa privada, chamando as partes para conversar e se não houver consenso pode promover um dissídio coletivo. No caso de regime estatutário, a competência é do Ministério Público (MP)”, conta Marques de Lima.
As reivindicações dos servidores e professores de Beberibe
Os professores querem reajuste de 33,24% estendido aos motoristas e secretários escolares, como prevê a lei do piso nacional do magistério. Segundo o Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Beberibe, Ednado Norato Maia, com a aprovação do Novo Fundeb no final de 2020, que aumentou o repasse de recursos para a educação, a previsão de para a cidade teve um acréscimo de 10% para 12%. Já o valor estimado para recebimento pelo município no início do ano era de R$ 47,9 milhões e, no final de 2021 chegou a quase R$ 53,5 milhões.
“Os recursos sempre vêm num valor a mais do que o previsto. No ano passado houve uma sobra de recursos de mais de R$ 8 milhões, e o município teve que fazer um rateio R$ 5,4 milhões para os profissionais da educação porque sobrou dinheiro. Fazendo um paralelo entre o que o município pagou em 2021 para os professores, incluindo o rateio, e o que o município irá pagar este ano com o reajuste de 33,24%, será gasto com folha quase o mesmo valor que se gastou no ano passado”, explica Ednaldo
Ainda segundo o dirigente, a previsão de repasses para 2022 é de 15% de acréscimo em relação ao ano passado, e o montante será de R$ 64,7 milhões. E com base nesse valor, o reajuste linear de 33,24% será o equivalente a 57,25% (R$ 37 mi) da receita a que o município receberá, para ser concedido a partir de março, sem retroativo. Se o município fosse conceder esse reajuste também para os professores temporários e os demais servidores efetivos, iria utilizar 70% (R$ 45,6 mi) dos 64,7 milhões.
“O que se percebe pelos dados é que está faltando apenas boa vontade da gestão para conceder o reajuste, uma vez que sem o pagamento retroativo o município estaria economizando mais de 2 milhões de reais”, diz Ednaldo.
Para as outras categorias o sindicato pede reajuste de 15,03% que é o acumulado da inflação dos últimos dois anos. O índice também se baseia no reajuste de 10,06% em todos os tributos do município e a gestão só concedeu 5% de reajuste aos servidores.
“Isso traria uma valorização digna e justa para todos, principalmente os servidores da saúde que trabalham e trabalharam na pandemia de uma forma heroica. Esses são os pontos principais da nossa reivindicação, e pela falta de negociação com a gestão deflagramos o estado de greve. Mas, nós contamos com a sensibilização da prefeita e pedimos que ela reveja a posição dela, que ao em vez de ameaçar o servidor para que não faça greve”, conclui o dirigente.
A Secretária de Organização e Política Sindical da CUT Nacional, também critica a prefeita de Beberibe de colocar em risco a organização dos servidores por um serviço público de qualidade, que estão tentando organizar, colocando por terra tudo o que foi conquistado nesses anos de lutas e organização. Mas pede que os servidores não fujam da luta.
“Parabenizo a direção do sindicato e peço a todos os trabalhadores e trabalhadoras que permaneçam firmes porque vocês não estão sozinhos; estamos em luta em nível nacional e estadual, e nós vamos trabalhar para que a gente consiga alcançar a vitória”, finaliza Graça Costa.
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