Sindicalização aumenta 50% na Argentina desde 2001
Como esse resultado foi obtido é um dos temas debatidos em encontro de dirigentes argentinos, brasileiros e mexicanos em São Paulo
Publicado: 05 Novembro, 2015 - 14h46 | Última modificação: 05 Novembro, 2015 - 18h42
Escrito por: Isaías Dalle
As multinacionais podem fazer o que bem entenderem? Depende. Uma boa mostra de como essa pergunta pode ter mais de uma resposta vem de encontro que está acontecendo na capital paulista desde ontem, reunindo lideranças sindicais do México, da Argentina e do Brasil.
Numa das pontas, o México, país que aderiu aos tratados comerciais propostos na década de 1990 pelos Estados Unidos e onde, desde então, segundo o economista Carlos Ramos Hernández, “a empresa chega e paga os menores salários do mundo e os sindicatos não têm condições de defender os trabalhadores”.
Na outra, a Argentina, em que uma das mais sólidas legislações de proteção laboral resiste a modismos, onde os sindicatos têm abrangência nacional e os índices de sindicalização crescem desde 2001, quando a legislação passou a considerar como pertencentes a uma única categoria todos e todas que trabalham em determinado setor, não importa se terceirizados, contratados diretamente ou ocupantes de tarefas diferentes.
Numa situação intermediária está o Brasil, que tem entre algumas de suas características a fragmentação sindical e um marco regulatório vacilante no que tange a atuação das empresas, especialmente em suas práticas financeiras.
Maria Eugênia (ao microfone) e o mexicano Hernández (à esquerdaOO encontro que ocorre em São Paulo, promovido pela Secretaria de Relações Internacionais da CUT com apoio da fundação alemã DGB, tem como lema “Ação Sindical Frente às Multinacionais na América Latina”. Após os debates de ontem, em que lideranças trabalhistas dos três países apresentaram um panorama de suas realidades locais, os participantes concluem hoje um plano de ação para 2016 e 2017. O objetivo é continuar construindo estratégias unificadas em busca de garantir direitos e salários cada vez mais próximos – independentemente das características dos países – e melhores.
Esse esforço vem sendo organizado desde 2001, quando a CUT deu início ao projeto de Redes Sindicais e passou a integrar sindicatos de diversos países onde atuam empresas que também têm sede no Brasil. O encontro dessa semana concentra as atenções nos três países mais industrializados da América Latina.
Governo faz diferença
Argentina e Brasil fazem parte de um grupo de países da região em que governos eleitos a partir da primeira década do século apresentaram resistência à desregulamentação e destruição de fronteiras incentivadas e muitas vezes impostas pelos Estados Unidos. Por essa razão, por aqui estão sendo comemorados os 10 anos de derrota da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Diferente do México, em que o governo alinhado aos EUA não reverteu a abertura indiscriminada ao livre trânsito de regras e práticas colonialistas das empresas estrangeiras. O processo, no entanto, é anterior à Alca.
“Em 1970, havia 230 mil mexicanos radicados no campo e produzindo. Quando o país aderiu ao GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), em 1986, os Estados Unidos pediram que esse número fosse reduzido a 30 mil. E isso foi feito”, conta o economista mexicano Hernández, pesquisador do CILAS (Centro de Investigação Laboral e Assessoria Sindical).
“Conseguiram seu intento ao convencerem o governo a cortar crédito produtivo e abolir regras como o preço mínimo para os produtos agrícolas. Hoje nossos agricultores comem tortillas, feitas com o milho transgênico inicialmente destinado a engordar o gado e os porcos”, destaca o pesquisador. “O mesmo ocorre com nossos carros, roupas e outros produtos”, completa.
No México, uma das principais atividades hoje é a das maquilladoras, simples linhas de montagem de produtos feitos fora do país. Cerca de 60% da força de trabalho mexicana país têm empregos informais, e a média salarial desse grupo equivale a sete dólares por dia, segundo dados do CILAS.
Mais sindicalizados na Argentina
Em virtude de nova legislação, criada em parceria dos sindicatos com o governo Nestor Kirchner, a taxa de sindicalização na Argentina aumentou aproximadamente 50% desde 2001. Antes, era de 12% da força de trabalho empregada. Hoje, passa dos 60%, estima a CTA (Central de Trabalhadores da Argentina). Os números oficiais ainda estão sendo processados pelo Ministério do Trabalho.
Sindicalistas de três países debatem estratégias para enfrentar multinacionais“Tivemos de resgatar conceitos da década de 1970. Se alguém trabalha numa empresa metalúrgica, passa a ser considerado metalúrgico, não importa a forma de contratação ou o cargo que ocupa. O mesmo nos bancos, numa indústria química”, explica Maria Eugênia Caggiano, diretora da Escola de Formação Sindical da CTA. Segundo ela, isso fortaleceu os sindicatos, que passaram a ter maior poder de negociação e mais associados.
Democracia na pauta
A comerciária Lucilene Binsfeld, atualmente secretária de Finanças do Instituto Observatório Social (IOS), da CUT, destaca que a ação sindical é sempre mais eficaz quando há governos propensos a apoiar avanços. “Por isso é necessário termos como uma tarefa sindical a defesa da democracia e a luta pela sua ampliação”, diz.
“Com todas as dificuldades que tivemos e temos tido, é preciso lembrarmos sempre do que a América Latina vem representando nos últimos anos, com governos que estão na contramão do neoliberalismo. Isso incomoda muito as empresas transnacionais e a imprensa tradicional, que é ligada aos interesses dessas empresas”, destacou o historiador Hélio da Costa, pesquisador do IOS.