Escrito por: Rosely Rocha

Sindicatos lutam contra a privatização, a terceirização e o desmonte da educação

Dirigentes dos sindicatos de professores dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Sergipe relatam as pressões de governos estaduais para acabar com o ensino público

Edson Rimonatto (Rima)

Diante dos ataques de governos neoliberais econômicos que querem privatizar o ensino, sindicatos estaduais de professores lutam para que a sociedade entenda os reais perigos de uma educação privatizada que só beneficiará os ricos em detrimento da imensa maioria da população brasileira.

A educação pública em São Paulo, o estado mais rico do país, vem diuturnamente sendo atacada pelo atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem apresentado projetos de militarização e a privatização do ensino.

Nos próximos dias 29 de outubro e 1º de novembro o governo vai colocar na Bolsa de Valores um lote de escolas, entregando a escola pública para o setor privado.

“A gente tem feito uma luta muito grande porque a escola pública é nossa. Ninguém vai nos convencer que com o mesmo dinheiro a iniciativa privada vai fazer melhor. Na verdade, vai sobrar lucro para eles. Eles já tiveram o mesmo esse argumento para privatizar a Sabesp”, denuncia o primeiro presidente da Apeoesp, Fabio Santos de Moraes.

“A população de São Paulo não pode cair nessa história de que privatizar melhora. O dinheiro que tem para a educação já é pouco e o governo quer ainda retirar R$ 10 bi do orçamento do setor”, complementa.

Segundo Fabio, com o governo neoliberal do Tarcísio de Freitas, os educadores e educadoras têm vivenciado momentos de muita apreensão, mas também de muita mobilização, luta e resistência diante dos ataques sem precedentes que a educação tem sofrido.

Ele relata ainda a grave situação que tem adoecido os professores e as professoras devido aos baixos salários e a falta de condições nas escolas, seja por falta de equipamentos adequados, seja pela falta de apoio.

“As atribuições de aulas para este ano não foram transparentes, com pouca possibilidade de fiscalização, um sistema absolutamente falho, com critérios que nós não concordamos, com redução, inclusive, de professores”, diz.

Ele explica que antes as atribuições de aulas eram presenciais e a classificação pelo tempo de serviço. Agora o sistema é digital e com critérios no sistema seletivo que deixaram professores sem aulas e desempregados, se referindo aos chamados “Categoria O”, que são a maioria, precarizada e não concursada. Eles ganham menos e não têm diversos direitos como os concursados. Outro drama é que o estado não paga o piso nacional do magistério.

Hoje o quadro da rede estadual de São Paulo é de 250.851 professores. Desse total 48% são efetivos e 52% não efetivos. Existe também a categoria F que tem uma determinada estabilidade, contratados pela CLT. Então dos 111.800 professores não efetivos da rede pública de São Paulo, 99.300 são categoria O, a mais precarizada e sem direitos.

 “O estado mais rico do país tem problemas de contratação, de falta de respeito, de planejamento e de cumprir a lei”, diz.

O primeiro presidente da Apeoesp faz um apelo para que a população defenda a educação porque o governo do estado quer privatizar as escolas sem ouvir a sociedade, desrespeitando o princípio da gestão democrática, que está na lei.

“ Vamos ter uma luta imensa para poder garantir que esse governo Tarcísio e esse secretário da educação Renato Feder, não privatizem a nossa rede pública de ensino”, conclui.

Notas dos alunos de escola militarizadas caem em SC 

Um estudo do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública do Ensino do Estado de Santa Catarina (Sinte/SC) revela que o investimento milionário em escolas militarizadas, só trouxe prejuízos aos cofres públicos e aos estudantes que tiveram piora de 8% na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o que demonstra o fracasso do modelo de militarização das escolas públicas catarinenses

O estudo do Sinte/SC,com base em dados públicos disponibilizados pelo Portal Transparência e do Ministério da Educação, demonstra em média as cívico-militares receberam quase o dobro de investimentos em infraestrutura em comparação às demais. Entre 2021 e 2024, cada escola cívico-militar recebeu, em média, R$ 1,3 milhões em investimentos diretos do estado, enquanto que no conjunto da rede estadual o valor médio investido em obras foi de R$ 528 mil por escola.

Outro dado preocupante revelado pela pesquisa do Sinte/SC é a destinação do orçamento da Secretaria da Educação para o pagamento de militares que atuam nas escolas. O investimento do governo de Jorginho Mello (PL) cresceu fortemente, passando de R$ 9 milhões em 2023 para R$ 20,6 milhões em 2024, o que tem relação direta com o programa Rede de Segurança Escolar, com os militares realizando policiamento nas escolas.

De acordo com o coordenador do Sinte/SC, Evandro Accadrolli, os números demonstram que estamos priorizando um modelo caro e ineficaz. “Enquanto outras áreas da educação clamam por investimentos, o governo prioriza investir no modelo de militarização. O governo tem, inclusive, contratado militares a alto custo para atuar nas escolas e deixado de aplicar recursos na valorização dos profissionais da educação”, destaca.

Com o avanço da militarização nas escolas e o aumento do orçamento destinado ao pagamento de militares, o Sinte/SC alerta para a urgência de revisar o modelo educacional adotado no estado.

"Precisamos refletir sobre o caminho que estamos trilhando na educação catarinense. O debate deve ser pautado na busca por uma educação pública de qualidade para todos, sem privilegiar setores específicos em detrimento de outros. O estudo do nosso sindicato revela como a militarização não é o caminho para garantir qualidade na educação”, finaliza Accadrolli.

Professores de Sergipe lutam contra educação sem base cientifica e pedagógica

É grave o processo de privatização do ensino através das fundações privadas, que hoje ditam como deve funcionar a gestão pedagógica da educação. O processo de formação continuada dos professores de Sergipe foi totalmente desmontado para formação “coach”, sem nenhum tipo de vinculação científica e pedagógica, mas no sentido da educação empreendedora, que é muito grave esse cenário de desmonte da formação dos estudantes.

O presidente da CUT-SE e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese), Roberto Silva, diz que há um cenário de controle da gestão pedagógica que destrói as autonomias das escolas e dos professores. Ele explica que em função de verbas estaduais algumas secretarias municipais acabam aceitando interferência na gestão pedagógica.

“Esse é um processo de privatização que é muito difícil ser combatido, que chega diretamente na escola, e é um desperdício de dinheiro público”, diz.

Ele também cita como grave a implementação pelo governo de Fábio Mitidieri (PSD), do programa Educação Nota 10, de premiação aos professores da rede estadual que aumentarem o Índice de Desenvolvimento de Educação do Estado (IDESI), quando deveria ter um processo de valorização dos professores com piso e carreira e não um processo de premiação pontual uma vez ao ano que não tem nenhum tipo de vinculação à previdência, não leva para a aposentadoria e isso acaba sendo muito grave porque alguns professores acabam sucumbindo a essa lógica da premiação em função da precarização salarial que vivenciam.

Desde 2012 os professores da rede estadual não tiveram atualização de piso em nenhum momento. Já o governo diz que paga acima do piso do magistério, utilizando como argumento as gratificações pagas. Outra manobra foi em 2022 quando igualou o salário dos professores, independentemente da formação acadêmica, se é nível médio, graduado, pós-graduado, mestrado, com doutorado, pós-doutorado.

“O plano de carreira foi totalmente destruído e nós entramos com ações judiciais que tramitam no STF agora, mas sem nenhuma perspectiva de quando será julgada, porque isso poderá ter repercussão geral”, conta Roberto.

Outras reivindicações da categoria é o descongelamento de gratificações e a abertura de concurso público e sem cadastro de reserva não garantias de substituição de vagas futuras que venham a existir com aposentadorias, possíveis demissão ou falecimento de professor. Hoje os contratos temporários na rede de ensino chegam a 30% do quadro, acima dos 10% de máximo que preveem o Plano Nacional de Educação e o Plano Estadual de Educação.

“A luta é gigante, mas é necessário ser feito para combater esse neoliberalismo e esse processo de desvalorização dos trabalhadores”, afirma o presidente da CUT-SE.

Os estudantes são atingidos também diretamente. Sergipe neste ano tem 143 mil alunos, e no ano passado chegou a 167 mil. Essa redução da matrícula, é resultado de uma política que várias redes estaduais do país já adotaram de apenas ofertar o ensino médio.

“Para nós é gravíssima essa política porque reduz a quantidade de matrícula e consequentemente reduz o recurso, porque a educação básica é vinculada à matrícula, então isso acaba reduzindo a qualidade do ensino e ao mesmo tempo dificultando o processo de valorização dos professores”, denuncia Roberto Silva.

Ratinho Jr segue privatizando escolas do Paraná

No Paraná a privatização das escolas públicas tem sido avassaladora. O governo Ratinho Jr (PSD) sem debates com os pais de alunos, com os professores e professoras e a sociedade em geral, vem passando um rolo compressor sobre os direitos da categoria da educação, o que prejudica diretamente o aprendizado de milhares de alunos.

Enquanto Ratinho Jr quer pagar para empresas privadas cuidem da educação, os 60 mil professores da rede não recebem o piso do magistério e estão sem reajustes salariais há seis anos, amargando uma defasagem de 40% nos contracheques. Metade dos professores da rede é concursada e outra metade é contratada pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A privatização teve início num projeto que já está funcionando em duas escolas públicas do estado. O governo estadual paga R$ 800 por aluno matriculado a empresas privadas para que elas façam a gestão, inclusive pedagógica, e o governo do estado diminui este valor conforme vai pagando outras despesas como por exemplo contas de água e luz. Com isso hoje a média que essas empresas têm recebido por aluno é de R$ 620.

As irregularidades são muitas porque as empresas não precisam prestar contas de onde gastou esse dinheiro, ao contrário de qualquer outra escola pública. Também há uma pressão para que os professores e professoras concursados sejam transferidos para outras escolas. Desta forma, a empresa privada pode contratar com salários mais baixos profissionais via CLT. Sem o desconto feito pelo estado no pagamento do professor concursado, a empresa fica com mais dinheiro e sem necessidade de prestar contas de onde gastou.

Esse modelo deve ser implementando em outras 175 escolas das 2.100 do estado do Paraná. A presidenta do APP-Sindicato do Paraná, Walkiria Olegário Mazeto alerta que de forma enganosa, os pais de alunos tendem a acreditar que aquela escola pública passará a ser de determinado grupo empresarial e não que aquele grupo empresarial está simplesmente explorando a escola pública, o que é muito diferente.

Walkiria diz que os professores concursados dessas escolas acabam sendo pressionados a sair e a comunidade escolar tem reclamado da alta rotatividade dos profissionais contratados, o que influencia na queda da qualidade de ensino.

“Hoje tem formuladores da política educacional ligados a fundações privadas com interesses fortes não só na parte ideológica, o que vai ser ensinado como também na gestão educacional de como reduzir custos, otimizar e como comprar serviços que essas empresas oferecem, que é um processo de apropriação dos recursos da educação pelas empresas”, diz.

Esse modelo de terceirização das escolas já existe em outras regiões do estado do Paraná, mas normalmente é feito com Organizações Sociais (OS) sem fins lucrativos e a primeira vez que a experiência será feita com empresas que visam o lucro.

 “É a terceirização dos trabalhadores, a aquisição de plataformas ou de serviços de consultoria e a coroação desse processo é o projeto denominado “Parceiros das Escolas” em que não se vende o bem público, mas passa o bem público e todo o dinheiro possível para a gestão privada que vai explorar e obter lucros a partir de recursos da educação que poderiam ser investidos na melhoria da escola”, complementa Walkiria.

Para piorar o novo edital prevê um mínimo de valor a ser pago por estudante, mas as empresas podem acrescentar outras despesas e “aí o céu é o limite. O projeto anterior tinha um teto e ainda assim superfaturado, agora será mais difícil a fiscalização de cada escola para saber onde ela realmente gastou”, denuncia Walkiria.

A comunidade escolar deverá votar se quer ou não esse modelo, já na segunda quinzena de novembro. No entanto, caso não haja quórum, como ocorreu nessas duas escolas, caberá ao secretário da educação decidir o futuro daquele estabelecimento escolar.

Ações na Justiça

Walkiria conta que o Partido dos Trabalhadores entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pela ilegalidade do programa junto ao Supremo Tribunal Federal, já que o sindicato não pode entrar diretamente com uma ação na Corte.

“Estamos recorrendo diante de outras documentações que saíram na regulamentação do programa. Consideramos que é ilegal, imoral e inconstitucional. Mas, dizer que é ilegal precisa passar pelo judiciário, o que  é um  trabalho pesado. Também temos ADI contra escolas cívicos militares há alguns anos e ainda não temos definição do judiciário sobre o tema”, diz Walkiria.

“Temos lutado aqui, mas pensando no país como um todo, porque a gestão de Ratinho Jr na educação tem sido apresentada como modelo de sucesso a ser copiado por outros estados e municípios, mas é um modelo falso, manipulado de desmonte da escola e do serviço público”, conclui a presidenta da APP-Sindicato.