Escrito por: Walber Pinto

Só lockdown pode salvar o Brasil da tragédia, afirmam especialistas

Em diversos países do mundo um lockdown rígido associado a vacinação em massa teve efeito significativo na queda de novos casos e mortes de Covid-19

Rodrigo Chagas/Fotos Públicas

Para frear o aumento de novas contaminações pelo coronavírus e mortes por Covid-19, doença provocada pelo vírus, diminuir as filas de espera por leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e enfermarias em hospitais, o Brasil precisa fazer um lockdown nacional e ampliar a imunização da população o mais urgente possível. Foi assim que vários países do mundo conseguiram controlar a doença.

Essa é a avaliação de especialistas da área da saúde ouvidos pelo Portal CUT. Para eles, a medida mais crucial no momento é um isolamento social rígido, um lockdown total, para contornar o cenário de tragédia e salvar milhares de vidas.

 “Se o Brasil parasse por 15 dias, essa situação caótica que acontece no país no momento estaria melhor. A arma que o Brasil tem hoje é o distanciamento social, mas é preciso coragem dos governantes para decretarem um lockdown”, afirma Eliana Honain, secretária municipal de Saúde de Araraquara, interior de São Paulo, primeira cidade do país que fez lockdown rígido no país.

Se isso não for feito, afirma Eliana, a quantidade de mortes que vamos ter será muito grande. São Paulo, diz ela, já vive o drama de superlotação de leitos e ainda não tomou nenhuma medida drástica para evitar a circulação de pessoas nas ruas e nos transportes.

O estado tem hoje cerca de 53 cidades com ocupação de 100% de leitos para Covid-19. De acordo com dados do governo paulista, 32 cidades do estado estão em colapso no sistema de saúde, mas o governador João Doria (PSDB) ainda não decretou lockdown total. Nesta quinta-feira (11), Doria anunciou novas restrições de circulação do dia 15 até o dia 30 de março. Ele excluiu serviços da lista de essenciais e instituiu toque de recolher das 20h às 5h, suspendeu a liberação para realização de cultos e missas e eventos esportivos, como o futebol, antecipou os recessos de abril e outubro na rede estadual de ensino, mas as escolas ficarão abertas para oferta de merenda. O transporte coletivo que circula lotado permanece sem restrições.

Na avaliação de Eliana Honain, falta no Brasil uma coordenação nacional de combate à pandemia, que deveria ser liderada pelo presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL). “Ele está omisso no controle da pandemia”, diz.

Eliana Honain, secretária municipal da Saúde de Araraquara

“O governo federal tem um comportamento totalmente inadequado, ignora a gravidade da situação, falha quando não dá a linha, o caminho a ser seguido pelos estados e municípios”, completa.

Quinze dias após Araraquara decretar lockdown, a secretária municipal da Saúde aponta os resultados positivos da medida que fechou a cidade e proibiu a circulação de moradores, a pé ou de carro ou moto, sem justificativa.

“A gente saiu de quase 50% dos testes positivados para 23%. Hoje, estamos colhendo os frutos do 'lockdown' com a diminuição do número de casos. Foi um fruto doído, mas bem recebido porque mostra que a gente conseguiu diminuir a transmissão”.

"Fizemos um lockdown de verdade, diferente do que acontece na maioria dos lugares do país", finaliza Honain, que também é professora de medicina da Universidade de Araraquara.

Casos diminuem em países que fizeram lockdown

Em diversos países do mundo um lockdown rígido associado à vacinação em massa da população teve efeito significativo na queda de novos casos e mortes de Covid-19. O Reino Unido, os Estados Unidos e Israel, onde o processo de imunização está avançado, só conseguiram reduzir os números quando aliaram a vacinação ao isolamento social total.

A Rússia, que completou três meses de imunização, é um dos 50 países que mais apresentaram redução de casos diários de Covid-19.

A Islândia, onde já foram decretados lockdown em diversas cidades e no pais inteiro ao mesmo momento, teve o pico da doença em 11 dezembro, apresentou uma queda de 98,3%. Lá o numero de mortes é baixíssimo. Já a África do Sul, registrou queda de 93,8%, Portugal, que teve o pico em 28 de janeiro, teve uma queda de 93,8% e Japão uma redução de 83,7%. Em todos eles, a população obedeceu o lockdown.

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Contágio é alarmante no Brasil

No Brasil, o contágio do novo coronavírus ainda é exponencial após o relaxamento das medidas, os feriados de Carnaval, aglomerações nas praias e festas clandestinas, o que levou de novo ao aperto de medidas restritivas em várias capitais do país, mas nenhuma decretou lockdown total. As medidas tomadas não reduziram o número de casos e mortes.

Segundo os especialistas, as ações para reduzir a contaminação, porém, têm de ser combinadas. É preciso fazer testagem em massa, rastreamento de pessoas infectadas, afastamentos em locais de trabalho, distanciamento social e higienização das mãos para frear as infecções de Covid-19. Coisas que, no Brasil, têm falhado e continuam falhando um ano após a pandemia ter sido decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para a médica Juliana Salles, que também é dirigente da CUT-SP, lockdown é uma medida extremista quando as outras não deram certo, porém é necessário garantir à população um auxílio emergencial em contrapartida.

“A gente chegou nesse momento porque não tem uma política de testagem, controle do vírus e rastreamento. Muitos trabalhadores têm medo de ficarem afastados de seus locais de trabalho porque não têm garantia de remuneração salarial”, pontua.

Brasil “bomba-relógio” mundial da pandemia

Grande defensor do lockdown no Brasil por vários dias para salvar vidas, o neurocientista Miguel Nicoleli prevê os piores cenários nos próximos dias no país. Ele afirma, e não é de agora, que só um lockdown sério será capaz de fazer a curva de casos e óbitos descer.

“Nós precisamos de um lockdown nacional rígido real de pelo menos 21 dias. Isso é apoiado pela comunidade internacional científica. Um lockdown onde você restrinja o fluxo pelas rodovias e o espaço aéreo brasileiro e internacional, para evitar novas variantes”, afirmou ao Estadão.

Para o neurocientista, a situação brasileira é grave porque, além da variante identificada em Manaus, o Brasil já recebeu a variante da Califórnia semana passada. “Muito provavelmente vamos receber a de Nova Iorque, a do Reino Unido e da África do Sul”, disse.

“O Brasil tinha plenas condições de ter sido um dos melhores exemplos do mundo por causa do SUS e nossa campanha de vacinação, que tem vários cases de sucesso. Esta expectativa não era só minha, mas da comunidade científica internacional”.

Ele avalia que a maioria dos países que fizeram as medidas corretas, os números de casos começaram a diminuir. “A maioria das sociedades e economias equivalentes ao Brasil fizeram medidas corretas, como o lockdown na Europa – que perdura na Alemanha, pela terceira vez seguida, e no Reino Unido. Você só precisa ver as curvas e como as medidas funcionaram na contenção do vírus”.

*Edição: Marize Muniz