Sob domínio de Israel, Jerusalém é pesadelo para palestinos
Terra Santa é exemplo de como discurso da legalidade pode camuflar o desrespeito
Publicado: 02 Abril, 2015 - 22h44 | Última modificação: 03 Abril, 2015 - 16h22
Escrito por: Luiz Carvalho e Leonardo Severo, da Palestina
Quaquer documento da Palestina passa pelo crivo de Israel, explica Lara
O processo de ocupação por Irael dos territórios palestinos tem um ponto central: Jerusalém. Quem controla a cidade também controla a política. Para os palestinos, o sonho de ser a capital do Estado. Para os sionistas, a capital una, indivisível e que deve ser exclusivamente judia.
Antes de olhar para frente é preciso uma breve explicação sobre o passado. A imigração de judeus para a Palestina ganhou força após 1918 e, com o final da Segunda Guerra Mundial, o fluxo imigratório cresceu brutalmente.
Em 1947, a ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a partilha do território palestino entre judeus e árabes. Um ano depois, os primeiros proclamaram o Estado de Israel.
Vinte anos depois, os israelenses vencem a Guerra dos Seis Dias com a ocupação de Gaza e da Cisjordânia, antes territórios palestinos. Com isso, a invasão sobre a parte oriental de Jerusalém resulta na expansão artificial das fronteiras.
Apartheid
Um dos principais símbolos do sionismo é o hospital construído por jordanianos que se transformou na sede da polícia israelense. Em Jerusalém, há 16 colônias construídas por Israel que abrigam 215 mil pessoas e funcionam com um curioso sistema habitacional.
A propriedade das casas, sempre em tom claro, pertence ao governo e isso impede que sejam vendidas. Segundo organizações de apoio aos palestinos, como a CCDPRJ (Coalização Cívica para Defesa dos Direitos dos Palestinos em Jerusalém), o objetivo é evitar a mistura de povos. Mesmo assim, para impedir qualquer desvio, toda venda é submetida a uma espécie de conselho condominial.
Na outra ponta da balança, apenas 13% das terras estão com os palestinos, que vivem em dois campos com quatro mil pessoas expulsas pelos israelenses e refugiadas dentro da própria terra. Diante delas, a visão do Muro da Cisjordânia construído por Israel a partir de 2004 para dividir os povos e estabelecer um ranking qualitativo de etnias.
Roubo e opressão
Mas há também os palestinos que vivem em bairros majoritariamente não-sionistas, como é o caso do refugiado jordaniano Nabeel al-Kurd, que exemplifica de forma ímpar a relação entre israelenses e palestinos.
Refugiado da Jordãnia, ele chegou ao bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém, em 1956 e até 2009 viveu com a família de 13 pessoas. Naquele ano, porém, teve a parte da frene de sua casa confiscada pelo governo, que colocou lá uma família de colonos israelenses. A área de trás, onde vive agora, está sub judice.
A razão que Israel alega é a expansão da moradia. O palestino precisava de uma autorização do Estado para reformar ou construir em seu próprio terreno. Quando não obtém a licença e toca a obra, está sujeito à demolição e confisco, uma forma de estrangular o crescimento do território palestino, já que o aval, quando sai, costuma demorar até uma década.
Não bastasse isso, Kurd ainda teve de pagar 16 mil shekels pelo custo da remoção que leva muitas pessoas a demolirem a própria moradia, pressionadas pela polícia, para não ter dívida com o Estado.
“Enquanto o conflito entre Israel e Palestina for visto como guerra entre Hamas e fundamentalistas islâmicos, Israel poderá usar muita força.
Da mesma forma que ele, outras 12 famílias do bairro que já encaram a ordem de despejo pelo mesmo motivo até que resolveram responder com a resistência. Com o apoio de estudantes, voluntários internacionais e até de israelenses, Kurd montou com os familiars e os vizinhos uma barraca na rua acima e acampou como forma de protestar. Mesmo ciente de que, a cada remoção do abrigo também teriam de pagar ao Estado de Israel o valor de 500 shekels.
Como era de se esperar, a convivência com os colonos é péssima. Diz que precisou colocar cobertores no varal para impedir que quando abrissem a janela vissem a família do palestino e a insultassem com palavrões. “Converso com eles com murros porque não são seres humanos”, diz.
Tem ainda a lembrança de quando reclamou às autoridades pela mordida de um dos cães do colono. “Fui à polícia e disseram que eu estava mentindo, mas passei no médico e mandei uma carta para o Ministério da Saúde. Depois de 20 dias, o doutor ligou para perguntar sobre a saúde do cão. Não falou nada sobre mim”, recorda.
Ainda assim, Kurd acredita no fim dos conflitos com Israle e na paz dentro e fora de Jerusalém. “Sim, eu acredito porque acredito em Deus, nos meus direitos e também acredito que Jerusalém é minha.”
Método de expansão – O processo de construção de demolição de casas caminha junto com a construção de checkpoints e colônias em territórios palestinos para diminuir os territóriios palestinos e expandir a ocupação por Israel.
Representante do Departamento de Organização Interna da OLP (Organização para Libertação Palestina) Lara Nasbah afirma que uma série de ONGs israelenses e sionistas possuem advogados que se dedicam exclusivamente a encontrar argumentos jurídicos para retirar as pessoas de suas residências.
“Há sempre o verniz legalista na lógica de violação da ocupação. Dizem que o palestino não pagou imposto ou não tinha alvará para expandir, mas não como expandir se você está cercado de assentamentos judeus que formam muros humanos para impedir o avanço demográfico”, aponta.
O processo fica completo com a atuação da Alta e Suprema Corte de Israel que, segundo ela, adotam posição legalista no sentido mais limitado do termo.
Os palestinos moradores de Jerusalém correm ainda o risco de revogação do direito à residência. Como não são considerados cidadãos de Israel, estão vulneráveis à ação do Estado e podem perder o direito à moradia local, caso se casem e resolvam morar com alguém de fora ou mesmo decidam fazer um intercâmbio.
Apenas reconhecimento do Estado Palestino por outras nações não é o suficiente, avalia Garadot
Desde 1967, 14 mil indivíduos tiveram o direito de morar em Jerusalém cancelado.
Lara diz ainda que qualquer documento produzido pela Autoridade Palestina precisa ser submetido à chancela de Israel. De carteiras de identidade a registros de nascimento e critica o que define como manipulação israelense do apartheid.
“Os israelenses tentam transformar o conflito em algo de natureza religiosa e a OLP repudia essa posição porque o judaísmo jamais foi motivo de incômodo para Palestina. O que a Palestina quer é uma Jerusalém acolhedora e aberta a todas as formas de expressão monoteístas”, explica.
Tratados desrespeitados
Representante da Coalizão pelos Direitos Palestinos em Israel Ingrid Garadot ressalta que há regras determinadas pela ONU (Organização das Nações Unidas) em caso de ocupação de territórios. O país ocupante não pode confiscar terras, propriedade, bens e nem trazer a própria população para o território ocupado. Muito menos anexar a área definitivamente. Israel viola todas.
Desde 1980, o Conselho de Segurança do organismo insiste em não aceitar a ocupação, mas não faz nada de concreto para revertê-la, defende Ingrid. Por essa ausência e pela falta de ordenação mais prática, Israel se sente livre para atuar da forma que deseja, ela diz.
Livre de sanções, os israelenses colocam em prática também a estratégia de recontar a história a partir dos livros didáticos nas escolas.
“A Autoridade Palestina não tem autorização de estar na Jerusalém Oriental, mas foi acertada a inclusão de livros e currículo com a história da Palestina . Porém, desde 2011, Israel tenta mudar isso também, arrancando páginas e cobrindo parte dos textos que tratam de Jerusalém como capital dos palestinos”, denuncia.
Ingrid diz que a falta de informações transparente para a sociedade prejudica medidas muito importantes para o fim da ocupação israelense, como o boicote aos produtos sionistas. Fator que reforça a importância da missão em solidariedade à Palestina, com a CUT entre seus membros.
“Enquanto o conflito entre Israel e Palestina for visto como guerra entre Hamas e fundamentalistas islâmicos, Israel poderá usar muita força. Por isso, é importante falar de colonialismo e apartheid. Há opressor e oprimido e não dois lados em guerra”, fala.
Para ela, os países também que reconheceram o Estado Palestino, como foi o caso do Brasil, em 2010, devem ter uma postura mais firme com o governo israelense.
“Atitudes de reconhecimento de Estado não são suficientes, têm que ser tomadas atitudes contra o colonialismo e o apartheid também. Porque depois do reconhecimento, o acesso político a Jerusalém continua muito difícil, nada mudou.”