Escrito por: Redação CUT
Reitores, professores, parlamentares e a sociedade civil organizada, que está votando contra a medida no site do Senado, reagem a MP que dá ao ministro da Educação o direito de nomear reitores durante pandemia
Reitores, professores e deputados federais de diversos partidos querem que o Congresso Nacional devolva a Medida Provisória (MP) nº 979/2020 que dá ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, o direito de nomear reitores de instituições federais de ensino durante a emergência de saúde pública provocada pela pandemia do novo coronavírus.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se comprometeu a devolver a MP para o governo, mas disse que a medida é inconstitucional. No Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) recebeu os ofícios pedindo a devolução da MP, mas não se pronunciou. Porém, o site do Senado colocou no ar uma consulta pública sobre a MP no Portal e-cidadania. Até o início da tarde desta quarta-feira (10), quase 26 mil internautas haviam votado contra a MP, enquanto pouco mais de 1,2 mil manifestaram apoio ao texto.
Ações judicial e políticas
Oito partidos de oposição ao governo – Psol, PCdoB, PT, PSB, PDT, Rede, Partido Verde e Cidadania – ingressaram com uma Ação Direta da Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata dos efeitos da medida provisória.
“Além de ser claramente inconstitucional, essa MP representa mais um ataque do governo federal às universidades, à democracia e à liberdade da comunidade acadêmica em escolher seus gestores”, afirmou a líder da bancada do Psol, Fernanda Melchionna (RS). “É um ato arbitrário, aliás bastante utilizado durante a ditadura civil-militar, colocar reitores biônicos para controlar a produção da ciência e do conhecimento e a gestão das universidades e institutos federais. Isso é inadmissível”.
Paralelamente, as bancadas do PT, Psol, PCdoB, PSB, PDT e Rede protocolaram ofício cobrando do presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre, a devolução da MP 979, com a justificativa de que o governo se aproveita de uma pandemia para intervir nas instituições de ensino.
O mesmo movimento foi feito por deputados ligados às Frentes Parlamentares em Defesa da Valorização das Universidades e dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Eles alegam que o texto é inconstitucional por ferir o artigo 207 da Constituição Federal, que trata da autonomia das universidades.
“As Universidades e Institutos são produtores do conhecimento. Não podem ser tutelados. A autonomia é um princípio que está na Constituição Federal”, disse a deputada Margarida Salomão (PT-MG), também coordenadora da Frente Parlamentar, que já foi reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Insegurança institucional
Deputados da Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação (Comex/MEC) também se posicionaram contra a MP 979. Em nota, eles afirmaram que o Poder Executivo demonstra autoritarismo e desrespeito à comunidade acadêmica e ao Congresso Nacional. Além disso, afirmam que a MP gera insegurança institucional, comprometendo não apenas a confiança entre as instituições de ensino e o governo federal, mas também a estabilidade para organização interna das instituições e de seus projetos.
A comissão, composta por deputados de partidos como PSB, Novo, PTB e PDT, sugere ao MEC a possibilidade de realizar uma consulta com a comunidade acadêmica para discutir o processo de escolha de reitores por meio remoto ou prorrogar as eleições, mantendo os reitores já eleitos em seus respectivos cargos enquanto durar a pandemia do novo coronavírus.
O que diz a MP e o que representa para as instituições
Publicada nesta quarta-feira (10), a MP assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), usa a pandemia para suspender o processo de consulta à comunidade escolar ou acadêmica para escolha de novos reitores. A regra vale até o dia 31 de dezembro deste ano, quando se encerra o decreto de calamidade pública.
Segundo o texto, que já está em vigor, mas ainda precisa ser referendado pelo Congresso, também não será formada lista tríplice para escolha dos dirigentes. Quando terminar a crise sanitária será necessária consulta à comunidade para a nomeação dos novos dirigentes.
“Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da pandemia", diz trecho da MP se referindo as consultas que são realizadas a cada quatro anos, quando as universidades iniciam o processo de indicação dos seus reitores.
Por conta da MP, todos os processos em andamento para escolha de reitores ficam suspensos até que o Congresso rejeite ou devolva a medida para o governo, como pedem acadêmicos e parlamentares. Caso a medida seja aprovada, pelo menos 18 instituições federais serão afetadas imediatamente em sua autonomia na escolha de seus representantes.
Reação dos reitores
Assim que a medida foi divulgada, reitores e ex-reitores reagiram e começaram uma mobilização para derrubar a MP. Em um vídeo disponibilizado no site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o reitor Rui Oppermann afirmou estar muito preocupado.
“Fomos surpreendidos por uma MP que literalmente determina a suspensão do processo de escolha de reitores e vice-reitores. A UFRGS como todos sabem está em andamento [o processo eleitoral] desde sexta-feira passada. O momento é de entender a extensão dessa medida, de mobilizar as diferentes instâncias, no sentido de avaliar sua constitucionalidade, e de fazer prevalecer e garantir a autonomia das instituições públicas de ensino”, declarou.
De acordo com o reitor, há uma mobilização geral no país junto aos ministérios públicos, Congresso, Supremo Tribunal Federal e outras instâncias, buscando encaminhamentos que questionem a constitucionalidade da Medida.
“Mandatos encerrados nesse período serão sucedidos por reitores pro tempore, indicados diretamente pelo ministro da Educação, o mesmo que sugeriu em vídeo tornado público que os “vagabundos” do Supremo Tribunal Federal deveriam estar presos. A universidade pública em geral, e cada instituto em particular, não pode prescindir da legitimidade democrática de seus mandatários. Especialmente nas atuais circunstâncias da vida política nacional. Da nossa parte, estaremos atuando junto à Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior] e outras instituições e parlamentares pela imediata revogação da absurda MP 979/2020”, ressaltou o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal.
Em aula pública realizada pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Adufrgs), por videoconferência, outros reitores também demonstraram preocupação. “Essa MP novamente vem no sentido de tirar a autonomia e ferir as nossas instituições”, apontou Flávio Nunes, reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL).
Autonomia na berlinda
No ano passado, o governo de Bolsonaro já tentou atacar essa autonomia de escolha por meio da Medida Provisória 914/2019, que dava ao presidente a prerrogativa de escolher e não apenas referendar o nome do reitor de universidades e institutos federais de ensino superior. A medida também acabava com a possibilidade da paridade no peso de estudantes, professores e técnicos. A MP caducou, e agora, mais uma vez, o presidente tenta acabar com a autonomia com a MP 979.
“Essa nova medida vem porque a anterior caiu na semana passada. Agora de novo o governo mexe na questão. Isso traz um engessamento muito forte e retira toda a discussão interna na universidade, dos seus processos, sua forma de gerir e de pensar o ensino, a pesquisa e a extensão. Isso é muito grave”, ressalta a professora do Departamento de Comunicação e diretora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, Karla Maria Müller.
Para ela, tal medida, caso se mantenha, representará um grande retrocesso. “Uma situação arbitrária e que desconsidera toda a caminhada que as universidades já fizeram. As instituições já estão sofrendo com escassos recursos, cortes de verba, corte na contratação de servidores, técnicos e professores. Isso vai contra tudo que viemos lutando há muitos anos para manter uma universidade com qualidade”, afirma.
Com informações do Portal do Senado, Congresso em Foco e BdF.