Escrito por: Marize Muniz
Trabalhadores relacionam problemas de saúde à sobrecarga e condições ruins de trabalho. Categoria luta por piso salarial e jornada máxima de 30 horas semanais. PL está parado no Senado
Nesse um ano e seis meses de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, 62,1% dos profissionais de enfermagem, categoria que luta por um piso nacional e jornada máxima de 30 horas semanais, sofreram algum tipo de sofrimento mental relacionado ao trabalho.
A constatação foi feita por uma pesquisa do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), que ouviu 10.329 trabalhadores, entre enfermeiros, obstetrizes, técnicos e auxiliares de enfermagem. A maioria dos profissionais atua na linha de frente do combate à Covid-19, onde enfreta condições ruins de trabalho e longas e extenuantes jornadas de trabalho.
De acordo com a pesquisa, 70,2% dos entrevistados relataram sintomas físicos como fraqueza, tonturas, dores em geral, problemas para respirar, dormência, formigamentos, dificuldade de concentração e esgomento físico e/ou cansaço.
Outros 64,5% tiveram sintomas emocionais, como medos, sentimentos de culpa, pânico e esgotamento mental e/ou pensamentos ruins.
O levantamento “Percepção do sofrimento mental dos profissionais de enfermagem em meio à pandemia da Covid-19”, revela ainda que 71,4% dos entrevistados relacionam esses sintomas à sobrecarga de trabalho e 40,1% às condições de trabalho.
Enquanto a categoria enfrenta as consequências do trabalho em excesso e condições de trabalho ruins em meio a maior crise sanitária do século, o Projeto de Lei (PL) nº 2564, chamado PL da Enfermagem, está parado no Senado.
Há votos suficientes para aprovar a proposta, dizem senadores que apoiam a luta dos trabalhadores a representantes de entidades sindicais, mas o lobby dos prefeitos e dos gestores de hospitais particulares parece ter convencido o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a alterar substancialmente a proposta em prejuízo da categoria, gerando um impasse.
O PL da Enfermagem define carga horária máxima de 30 horas semanais e piso salarial em R$ 7.315,00 para enfermeiros e enfermeiras, R$ 5.120,50 para técnicos e técnicas e R$ 3.657,50 para auxiliares e parteiras
A proposta de Pacheco é tirar os valores dos pisos e substituir por uma média nacional de remuneração.
A reação dos representantes dos trabalhadores foi dura: “Se é para ganhar pouco, não precisa de piso porque pouco a gente já ganha”.
“Não abrimos mão da proposta inicial que consta no PL da Enfermagem”, afirma Oldack Sucupira, secretário de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT).
O dirigente argumenta que os profissionais da saúde precisam de uma carga horária justa e uma remuneração digna para que possam ter lazer junto com a família, qualidade de vida e também para que se mantenham saudáveis.
De acordo com Oldack Sucupira, os problemas enfrentados pelos profissionais da saúde não são novos, mas ficaram mais evidentes desde que a pandemia foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Brasil passou a liderar os números de casos e mortes por Covid-19.
“Já se arrastam há um longo tempo problemas no setor como a precarização dos serviços de saúde, em especial dos públicos, onde os profissionais enfrentam instabilidade nos vínculos trabalhistas, terceirização, ausência de concursos públicos e financiamento iunsuficiente”, pontua o secretário de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da Confetam/CUT.
“Nos serviços privados”, diz o dirigente, “a situação dos trabalhadores também é ruim. Os profissionais de saúde estão sobrecarregados, são colocados em diversas funções e a cada dia é exigido deles mais produtividade”.
Na avaliação de Oldack Sucupira, essa precarização, que fica cada vez mais evidenciada nos grandes vazios assistenciais e nas deficiências que existem na infraestrutura das unidades de saúde, que têm equipamentos e insumos com menos qualidade e falta de pessoal, também compromete a saúde dos profissionais da área.
“Hoje, a maioria dos profissionais de saúde optou por abrir mão do lazer, se impôs sobrecargas de trabalho absurdas para poder dar uma vida melhor para seu filho, para sua família, ter um conforto maior em sua casa, mas isso tem reflexo”, alerta o dirigente.
“E o maior reflexo é a quantidade de profissionais com doenças mentais, como mostrou a pesquisa do Coren-SP”, acrescenta.
De acordo com Oldack Sucupira, é preciso garantir que os profissionais de saúde tenham direito ao lazer e melhores condições de vida e de trabalho, caso contrário a categoria paga ”um preço muito caro’.
A aprovação do PL da Enfermagem como foi encaminhado pela Câmara dos Deputados é a única saída para tirar os profissionais da saúde da condição em que encontram, argumenta o secretário da Confetam/CUT.
“Nossa luta é por remuneração digna, jornada e reconhecimento dos profissionais”, concluiu.
Uma consulta púlica sobre o PL nº 2.564/2020, feita pelo Senado no portal e-Cidadania, mostra que a maioria dos brasileiros apoia a proposta.
Dos 1.009.771 internautas que acessaram o portal 1.004.235 aprovavam o PL da Enfermagem, até a tarde desta quinta-feira (9).
A proposta, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), deve ser analisada pelo Plenário do Senado assim que o presidente do Casa, Rodrigo Pacheco, colocar na pauta.
Pacheco, assim como os donos de hospitais, gestores de entidades filantrópicas e prefeitos são contrários ao PL alegando falta de recursos para aumentar os salários e contratar mais profissionais.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) contradiz o discurso de falta de dinheiro. Segungo ela, há recursos orçamentários suficientes para cobrir os gastos com o piso salarial e a jornada.
Contarato entende que não basta chamar profissionais de enfermagem de heróis, se referindo a luta da categoria que está na linha de frente do combate ao novo coronavírus desde março do ano passado. Muitos morreram de Covid-19.
O Brasil tem mais de dois milhões de trabalhadores no setor e a maioria atua nas Prefeituras como enfermeiros, auxiliares técnicos e parteiras. Do total, 89% são mulheres que têm dupla e tripla jornada, ou seja, mais de um emprego, além da jornada doméstica.
*Edição: Rosely Rocha