Sou observador de Curuguaty contra a impunidade no Paraguai
Campanha busca garantir transparência e imparcialidade no julgamento de presos políticos
Publicado: 16 Julho, 2015 - 15h57 | Última modificação: 16 Julho, 2015 - 16h09
Escrito por: Leonardo Wexell Severo
Campanha mobiliza observadores nacionais e internacionais contra a impunidadeOs movimentos sociais do Paraguai estão ampliando a denúncia dos sucessivos adiamentos do julgamento do massacre no assentamento de Marina Kue, no município de Curuguaty, ocorrido em 15 de junho de 2012, onde morreram 17 pessoas, 11 trabalhadores sem-terra e seis policiais. O “conflito” desencadeou um golpe fascista com a destituição, em pouquíssimas horas, do presidente Fernando Lugo e sua substituição por aliados às diretrizes de Washington.
Conforme os organizadores da campanha “Somos todos observadores”, a postergação das datas do julgamento visa unicamente a desmobilização, a fim de diminuir a pressão para que, sem acompanhamento, o caso seja mais facilmente abafado. Após mais de três anos, Adalberto Castro, Arnaldo Quintana, Felipe Benítez Balmori, Néstor Castro e Rubén Villalva, cinco camponeses pobres que lutavam pela terra continuam encarcerados e deverão ser julgados entre os dias 27 de julho e 28 de agosto na capital, Assunção.
SUCESSÃO DE MENTIRAS - “O processo fiscal e a atuação judicial estiveram viciados, cheios de irregularidades, e a acusação foi feita sem fundamento. Acusam os camponeses de homicídio doloso, com intencionalidade, sem que tenham provado que hajam disparado uma arma sequer; os acusam de invasão de um imóvel alheio, porém as terras onde ocorreu o massacre são do Estado paraguaio; os acusam de associação criminosa por organizar-se por lutar por um pedaço de terra”, declarou Cristina Coronel do Serviço de Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj-Py), condenando a farsa.
Também integrante do movimento de solidariedade, Cecília Vuyk lembra que ao longo de mais de mil dias os presos enfrentaram as mais bárbaras injustiças, orientadas a ratificar uma “sentença” feita sob encomenda para encobrir os verdadeiros responsáveis pelo massacre. Por isso a questão dos observadores é tão importante, analisa, “pois é uma iniciativa de vigilância cidadã independente sobre o desenvolvimento do juízo oral e público a fim de garantir que a justiça prevaleça”. Afinal, pondera, “sem justiça e sem a plena vigência dos direitos humanos, nunca teremos uma verdadeira democracia”.
RELEMBRANDO - Com cerca de dois mil hectares, a terra que pertence ao Estado paraguaio foi ocupada pelos camponeses e suas famílias. Eles haviam solicitado ao governo Lugo sua desapropriação para fins de reforma agrária, mas atendendo aos interesses da família Riquelme - ligada à ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) -, um juiz e uma promotora ordenaram sua retirada do local. À frente da ação, que contava com 300 militares e apoio de helicóptero, encontrava-se o chefe do Grupo Especial de Operações (GEO), irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da segurança do presidente, um dos primeiros a cair morto, precipitando o tiroteio.
FRANCO-ATIRADORES - “O fato é que os camponeses não tinham armas de grosso calibre e os policiais foram mortos com armas de guerra. Os tiros iniciais vieram do monte e também do helicóptero, com o uso de franco-atiradores”, relatou Mariano Castro, pai dos presos Alberto e Nestor, e também de Adolfo, assassinado no tiroteio.
Segundo Mariano a extrema direita manipulou o “confronto” como combustível para o golpe. A ação guarda muita similaridade ao procedimento utilizado pela CIA em Puente Laguno, na Venezuela, durante o golpe contra o presidente Hugo Chávez, questionamento que cresce à medida que se comprova o treinamento de vários membros da elite da GEO por militares estadunidenses na Colômbia, durante o governo fascista de Álvaro Uribe.
Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT“Curuguaty é do Estado paraguaio. Estou seguro porque manuseei os documentos: os latifundiários entraram em propriedade alheia”, esclareceu o advogado Martin Almada, renomado intelectual e Prêmio Nobel da Paz Alternativo, reiterando a inocência dos sem-terra, que serviram como bode expiatório para o golpe contra Lugo.
“Até agora não há uma única investigação da Promotoria sobre a atuação da Polícia, absolutamente nenhuma. Tudo é voltado e montado para incriminar os camponeses. São presos políticos, pois o Estado não permite que se mostre o que houve em Curuguaty”, acrescentou Cecília Vuyk.
Para o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT-Brasil), Antonio Lisboa, “o momento exige unidade e mobilização em defesa destes camponeses que são presos políticos do governo paraguaio”. “O que podemos ver é que o script se repete em muitos países da América Latina, com a mídia e o judiciário submissos ao que há de mais reacionário, tentando impor o retrocesso, agindo sempre coordenados em defesa dos interesses do grande capital nacional e estrangeiro”, concluiu Lisboa.
SAIBA MAIS - www.somosobservadores.org