Escrito por: Murilo Pajolla | Brasil de Fato | Lábrea (AM)
Movimento indígena diz que Supremo definiu critérios que prejudicam demarcações
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que fazendeiros desapropriados em processos de demarcação de terras indígenas têm direito a receber indenizações prévias pelo valor total da terra, e não apenas pelas construções erguidas, como prevê a Constituição.
O ministro Dias Toffoli abriu mão da proposição de dar prazo de um ano para o Congresso regulamentar a mineração industrial em terras indígenas. Com isso, permanece o entendimento atual, de que a atividade é permitida apenas com anuência do Congresso Nacional e das comunidades indígenas afetadas.
O entendimento consensual entre os 11 ministros foi firmado nesta quarta-feira (27), na continuação da análise do marco temporal das terras indígenas. Em julgamento histórico no dia 21 de setembro, a Corte rejeitou a tese jurídica ruralista por 9 votos a 2, mas deixou para esta semana a definição de pontos que poderiam subtrair direitos indígenas em favor do agronegócio.
Em outra tese fixada pelo Supremo, ministros definiram que ampliação de terras indígenas só pode ser requerida dentro de cinco anos após a conclusão da demarcação original. Até então, não havia prazo, já que a Constituição reconhece de forma textual os direitos dos indígenas sobre suas terras como “imprescritíveis”.
O desfecho do julgamento do marco temporal também abriu espaço para que comunidades indígenas beneficiadas pela demarcação sejam realocadas.
O reassentamento, segundo tese fixada nesta quarta-feira (27), deve ocorrer apenas em caso de “absoluta impossibilidade” de manter os povos no território alvo do pedido de demarcação, respeitando os direitos indígenas previstos na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
"STF enterra Marco Temporal, define critérios prejudiciais aos povos indígenas de indenização para demarcação e retira debate sobre mineração em Terras Indígenas", avaliou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em postagem nas redes sociais.
A proposta de indenizar fazendeiros pela terra nua – ou seja, por toda a propriedade, não apenas pelas construções erguidas – partiu de Alexandre de Moraes, mas era defendida há pelos menos 15 anos por latifundiários do Mato Grosso do Sul. O movimento indígena afirma que a nova base de cálculo pode inviabilizar demarcações, pois aumentam significativamente o valor das indenizações, em um cenário de baixa arrecadação estatal.
"Nós defendemos que essas indenizações sigam o rito que determina a Constituição, que são as indenizações pelas benfeitorias de boa-fé. E que essas indenizações sejam feitas desatreladas de qualquer processo demarcatório e que isso não inviabilize as demarcações", disse na última Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O Supremo entendeu que os proprietários não têm direito a compensações financeiras caso a terra indígena já tenha sido reconhecida oficialmente em um processo demarcatório. Conforme defendia a Apib, o STF determinou que as indenizações ocorrerão de forma apartada do processo demarcatório.
Juristas indígenas e não indígenas ouvidos pelo Brasil de Fato já afirmaram que o Supremo contraria a Constituição ao considerar passíveis de indenização títulos de propriedade particular emitidos sobre terras indígenas.
Isso porque a Constituição considera, de forma textual, que esses títulos são nulos, portanto não deveriam ser reconhecidos pelo Estado. Por isso, a modalidade de indenizações vigente até então era calculada sobre benfeitorias de boa fé, ou seja, as construções erguidas no território sem a intenção de cometer ilegalidades.
"As indenizações propostas por Moraes rompem com o texto da Constituição. O voto dele cria uma fase nova para o processo demarcatório, que é a da indenização prévia, ou seja, antes da entrega da posse aos indígenas. A União teria que pagar indenizações antes de finalizar a demarcação, o que pode tornar o processo ainda mais moroso", explicou na semana passado o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto.
O julgamento de hoje (27) põe fim a um impasse entre ministros sobre temas complementares ao marco temporal das terras indígenas.
Luís Roberto Barroso e o relator Edson Fachin defenderam que o objeto da ação era apenas o marco temporal, mas a maioria dos ministros entendeu que também era preciso decidir a respeito das indenizações a fazendeiros. “Barroso afirmou que se as demarcações forem condicionadas às indenizações, “nunca vai se demarcar terra indígena nenhuma”.
“Não é uma boa ideia transformar esse caso na mãe de todas as batalhas envolvendo demarcação de terras indígenas. O caso concreto não envolve a maior parte das questões que estão sendo debatidas”, sustentou Barroso, que foi voto vencido na questão.