Escrito por: Rosely Rocha
Decisão do STF que dá direito a delatado apresentar defesa após acusações do delator não garante benefícios a Lula, alertam juristas, que criticam manobra dos ministros para não anular sentenças da Lava Jato
A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a pessoa acusada por uma delação premiada tem direito à ampla defesa como diz a Constituição, precisa de uma “modulação” - isto quer dizer que os ministros ainda irão votar se a decisão, tomada nesta quinta-feira (26), por 6 votos a 3, valerá para todos os casos, inclusive os já julgados. Se for abrangente, dezenas de processos da Operação Lava Jato podem ser anulados. Se for criada uma régua, como sugeriu o presidente do STF, Dias Toffoli, a chance de defesa ampla valerá somente para os próximos casos que forem julgados ou casos em que a defesa do réu recorreu na primeira instância.
Essa modelação, ou régua, é duramente criticada pelo professor de Direito Penal da Escola Paulista de Direito, Fernando Hideo. Para ele, se o STF aplicasse o que diz a Constituição, todos os processos seriam anulados, inclusive, o que envolve Lula, acusado sem provas de ter sido supostamente beneficiado com a reforma em um tríplex no Guarujá. Neste caso, a defesa do ex-presidente não entrou com um recurso no início do processo. Já no caso do sítio de Atibaia, em que a defesa recorreu desde o início pedindo para apresentar as alegações finais depois do delator, Lula seria beneficiado.
“O Supremo vai modular os efeitos e daqui para frente segue o que é correto. É o mesmo em relação à condução coercitiva. Primeiro levaram Lula coercitivamente, sem necessidade, já que ele não havia sido intimado antes para depor. Depois das críticas, o STF decidiu que não pode, mas só dali em diante. Ora, se cometeu uma ilegalidade antes, não há porque não anular todos os processos em que houve uma ilicitude. É um grande absurdo jurídico”, diz Hideo.
Outro caminho que tanto Hideo como o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, acreditam que o Supremo pode tomar é o que diz que antes de anular o processo, a defesa tem de comprovar o prejuízo que a pessoa teve.
“Ora, quer maior prejuízo do que estar preso e condenado sem direito à ampla defesa?”, questiona Hideo, que complementa: “É uma decisão bem autoritária”.
Já para Aragão, esse tipo de argumento do STF é “meio cínico” porque a norma é clara: a defesa fala por último em todas as acusações. Não permitir que o réu se defenda depois do acusador, derruba a possibilidade de ampla defesa.
“Embora haja eventuais situações que não gerem prejuízos ao acusado, você só conhece se houve prejuízo quando a defesa apresenta seus argumentos finais”, argumenta o ex-ministro da Justiça.
Aragão também critica a possibilidade de serem beneficiados pela medida apenas os condenados que entraram com recurso para fazer a alegação final depois do delator a tempo, na 1ª Instância.
“Esse princípio é muito controverso porque o que está por detrás disso é a ‘preclusão’. Ou seja, quando um assunto foi encerrado por completo, mas se a defesa teve violado um dos princípios legais mais básicos, o da presunção de inocência, não se pode relativizar dentro de um processo dizendo que a defesa não falou no devido tempo”, avalia Eugênio Aragão.
“Se este critério for adotado”, acrescenta o ex-ministro, “o processo do sítio de Atibaia poderá ser anulado”.
Outra voz crítica à atuação do STF neste caso é do jurista e professor de Direito da PUC de São Paulo, Pedro Serrano. Segundo ele, os ministros do Supremo vão criar o discurso de que os delatados devem ser ouvidos depois dos delatores somente para as próximas decisões e não para quem já foi condenado, como é o caso de Lula.
Para Serrano, um dos maiores problemas em relação à acusação contra Lula é que ela foi muito divulgada pela grande mídia. Já as revelações da “Vaza Jato”, que expõem as conversas entre procuradores de Curitiba e Sérgio Moro, ex-juiz do caso e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL), não.
Vivemos um momento muito autoritário no sistema judiciário brasileiro para aplicação da Constituição. Por isso, precisamos convencer a base social que sustenta o autoritarismo da Justiça, de que Lula tem direito a um julgamento isento e que o problema não é pensar se ele é culpado ou inocente, mas sim que ele tem direito à Justiça- Pedro SerranoProgressão de regime para Lula
Tanto para Fernando Hideo como para Pedro Serrano, o ex-presidente Lula tem direito à progressão da pena, no caso do triplex, já que cumpriu 1/6 da sentença. No entanto, para eles, como Lula vem sendo mantido como preso político desde o dia 7 de abril do ano passado, dificilmente a justiça será de fato feita.
Para Serrano, Lula tem direito a progressão agora porque já cumpriu parte da pena, no caso do triplex. Segundo o jurista, o ex-presidente terá problemas em conseguir a progressão na justiça de Curitiba, mas em tribunais superiores isto é possível. No entanto, podem acelerar outros processos, como o caso do sítio de Atibaia, para mantê-lo preso.
“Não acredito que Lula seja solto, mas por uma questão política. Nosso sistema judicial como um todo não tem um grau de imparcialidade”, afirma Serrano.
A prisão política de Lula também é o motivo principal para que Fernando Hideo tenha fortes dúvidas em relação à soltura do ex-presidente.
“O presidente tem direito a prisão domiciliar, mas como é uma questão política e não jurídica não há muito otimismo”, avalia Hideo.