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Substituto do Minha Casa Minha Vida exclui população de baixa renda

Programa Casa Verde e Amarela deixa de fora a faixa 1 do MCMV, onde se concentra o maior déficit de moradia. Fenae avalia que ação do governo Bolsonaro é um retrocesso e mira no desmonte das políticas públicas

Publicado: 09 Dezembro, 2020 - 16h29 | Última modificação: 09 Dezembro, 2020 - 16h46

Escrito por: Fenae

Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil
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A Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) nº 996/2020 criando oficialmente o programa Casa Verde e Amarela do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), que vai substituir o Minha Casa Minha Vida (MCMV), criado durante o governo do ex-presidente Lula.

Na avaliação da direção da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), há sinais de que o novo programa terá  menos autonomia, menos liberdade e menos democracia, misturados com iguais doses de mais controle, mais manipulação e mais autoritarismo.

E mais, dizem que, uma das consequências nefastas da proposta é o desmonte das políticas de habitação social no país, com a exclusão sumária das famílias de baixa renda dos programas habitacionais do governo federal.

O projeto, que está sendo analisado pelo Senado, deverá entrar em vigor assim que for aprovado nas duas Casas e for publicado no Diário Oficial da União (DOU).

A extinção do MCMV é considerada pelos dirigentes da Fenae uma ação nociva para o desenvolvimento da economia nacional, sobretudo por ignorar a alta capacidade do programa de gerar emprego, renda e tributos, com benefícios como a redução do déficit habitacional de 7,78 milhões de moradias no país.

Ao contrário do Minha Casa Minha Vida, afirmam, que atendia a parte mais vulnerável da população, com subsídios para permitir que esse segmento tivesse acesso à moradia, o Casa Verde e Amarela deixa de fora a faixa 1, justamente a que é composta por famílias mais pobres, com renda de até R$ 1,8 mil.

O novo programa, ressaltam os dirigentes, foi formulado à revelia dos movimentos populares urbanos, com vasta contribuição na luta por moradia popular e formatação de programas destinados à moradia digna, notadamente para a faixa populacional de baixa renda ou desempregada.

Para formatar essa versão disfarçada de política habitacional, o governo federal deixou de fora os movimentos populares urbanos, mas estabeleceu diálogo com os setores empresariais da habitação e dos bancos.

O foco do Casa Verde e Amarela são as famílias com renda média mensal de até R$ 7 mil, com previsão de incentivos maiores para as regiões Norte e Nordeste. Não há sequer uma meta relativa ao segmento de renda de até R$ 1,8 mil, a chamada faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, que tem sido esvaziado no atual governo e será extinto, argumenta Sergio Takemoto, presidente da Fenae .

“Não dá para falar que o Casa Verde e Amarela é um programa habitacional”, diz o dirigente.

De acordo com ele, a nova proposta governamental ignora o público da chamada faixa 1 do MCMV, programa que concedia subsídios de até 90% do valor do imóvel, com parcelas fixas de R$ 270, no máximo, e taxa de juro zero para famílias com renda de até R$ 1,8 mil. Não é esse o foco do Casa Verde e Amarela do governo Bolsonaro, que prevê o financiamento de imóveis para famílias que recebam até R$ 7 mil mensais, com taxas de juros distintas para cada um dos três grupos de renda.

Em termos gerais, o programa Casa Verde e Amarela prevê três grupos de renda familiar, com condições variadas de juros, subsídios, acesso à regularização fundiária e reforma do imóvel. A mais baixa, com renda de até R$ 2 mil e R$ 2,6 mil nas regiões Norte e Nordeste, integra o grupo 1. Os de até R$ 4 mil fazem parte do grupo 2, enquanto as famílias com renda mensal de até R$ 7 mil pertencem ao grupo 3.

No programa Minha Casa Minha Vida, havia a faixa de renda de até R$ 1,8 mil, atendida exclusivamente por recursos do Orçamento da União. Essa faixa foi extinta. Para acabar com o benefício para a população mais carente, o governo alegou falta de verba e suspendeu novas contratações no sistema antigo.

Abandonado pelo atual governo e considerada a maior iniciativa para habitação popular da história do Brasil, o programa Minha Casa Minha Vida construiu e entregou mais de quatro milhões de unidades habitacionais no período de 2009 a 2016, contratando 5,5 milhões de financiamentos habitacionais. Isso significa investimentos de cerca de R$ 105 bilhões, que beneficiaram mais de 16 milhões de pessoas, com destaque para o público da faixa 1.

Entre 2009 e 2018, de acordo com estudo de Fernando Nogueira da Costa, professor-titular do Instituto de Economia da Unicamp, o MCMV propiciou arrecadação de aproximadamente R$ 163 bilhões em tributos ao longo de toda a cadeia produtiva da construção civil. No período, a quantidade de empregos gerados foi de mais de 1,2 milhão, sendo 775 mil nas obras e com força de trabalho com menor qualificação.

O Minha Casa Minha Vida, por outro lado, cobria 52% dos municípios do país, com aproximadamente 1,43 milhão de unidades entregues. Em favor do público da faixa 1, formado por famílias de baixíssima renda, foram entregues 38.316 unidades.

O programa Casa Verde e Amarela é de crédito habitacional, um produto de mercado, com taxas de juros diferenciadas e desfigura completamente o que existia no Minha Casa Minha Vida, um programa social de habitação. Assim, o novo programa habitacional do atual governo praticamente exclui a faixa 1, com subsídios limitados e sem a política do programa anterior, que era a de integrar um conjunto de equipamentos sociais de educação, saúde, de planejamento de transporte, iluminação e segurança.

A ilusão do financiamento

A MP 996 não prevê aporte significativo de recursos orçamentários para produção habitacional, nem subsídios como havia na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, que atendia famílias com renda até R$ 1,8 mil e as prestações não passavam de 10% da renda pelo período de 10 anos. Agora, o foco do novo programa é abrir novas linhas de financiamento, com prestação mensal que chegará a 30% da renda por um período de 30 anos. Isto poderá confundir moradia de interesse social com produção de moradias para o mercado imobiliário.  Além disso, a MP do Casa Verde e Amarela busca deixar de fora a Caixa Econômica Federal e outros bancos públicos, voltando-se, prioritariamente, ao interesse do mercado financeiro.

Na busca por avançar na regularização fundiária, a MP aprovada na Câmara mira em novas matrículas a serem hipotecadas, no lugar de garantir segurança na posse. O propósito, ao que parece, é utilizar os recursos previstos para a produção habitacional na preparação e fortalecimento da especulação imobiliária. Isso leva a que a alternativa do financiamento se configure como uma ilusão, pois exclui a maioria da população do acesso à moradia, devido às restrições cadastrais e ao valor das mensalidades.

Concretamente, o Casa Verde e Amarela modifica questões importantes de outros programas e leis anteriores, ao mesmo tempo que suprime o papel de controle social previsto na lei do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). A lei do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) é alterada e as definições sobre financiamentos, critérios, taxas aplicadas e outras deixam de ser realizadas dentro do SNHIS e passam a ocorrer apenas no âmbito do Conselho Curador do FGTS, com a Caixa na condição de agente operador.

Retrocesso no direito à moradia

Para Sergio Takemoto, a MP da Casa Verde e Amarela representa um grande retrocesso e integra o processo de desmonte do Estado brasileiro. “O que foi apresentado não se caracteriza como um projeto nacional para o enfrentamento do déficit habitacional. É diferente do Minha Casa Minha Vida, que surgiu como uma proposta anticíclica após a crise de 2008/2009, mas que carregava uma função social muito forte”, declara.

O presidente da Fenae lembra que a Caixa sempre teve papel fundamental para a viabilização do Minha Casa Minha Vida. “Agora, com base em uma política de caráter privatista, o financiamento do Casa Verde e Amarela prevê a participação de bancos privados. Essa é mais uma tentativa para enfraquecer a Caixa 100% pública, social e forte, abrindo caminho para que a empresa seja fatiada, fique menor e comprometa sua atuação como principal agente operador das políticas públicas do país”, denuncia.

O presidente da Fenae alerta que a liberação governamental para que bancos privados passem a operar no financiamento imobiliário, além de demonstrar o enfraquecimento da Caixa como banco público e de caráter social, mira no desmonte do Minha Casa Minha Vida. É mais do mesmo, pois, de acordo com ele, a abertura para outras instituições financeiras, combinada com a desmobilização das áreas que operam as políticas sociais da Caixa, apenas revela o rosto perverso desse governo privatista e entreguista.

“Não haverá produção de moradia de interesse social sem grandes subsídios para as famílias de baixa renda, o que significa aporte de recursos do Orçamento Geral da União. É necessária ainda que seja revogada a PEC do Teto de Gastos, para que a União, os Estados e os municípios tenham mais recursos para investir na moradia e na regularização fundiária. As políticas de desestruturação e privatização da Caixa são um entrave para a retomada do desenvolvimento urbano do país, para obras de infraestrutura e para a construção de moradias de interesse social. Continuaremos na luta contra todos esses retrocessos”, completa Sergio Takemoto.

Movimentos por moradia protestam contra desmonte do MCMV

Representantes de movimentos que lutam pelo direito à moradia protestaram contra o desmonte das políticas de habitação social, com o fim do programa Minha Casa Minha Vida, a mais importante ação governamental na área até o momento, e a criação do Casa Verde e Amarela por meio de MP.

De acordo com Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), e diferentemente do Minha Casa Minha Vida, o Casa Verde e Amarela é o não-programa. Isto porque, segundo ela, o novo modelo simplesmente atualiza as concessões de financiamentos habitacionais para as faixas 1, 1,5, 2 e 3 de renda, excluindo totalmente o atendimento para as faixas mais vulneráveis. “É importante dizer que moradia é um direito e não deveria estar condicionada a condições cadastrais de ter ou não acesso ao crédito. Na medida em que aprova a MP do Casa Verde e Amarela na Câmara dos Deputados, o governo Bolsonaro nega o direito à moradia para mais de 7 milhões de famílias, justamente aquelas com renda abaixo de três salários-mínimos, correspondendo a mais de 80% do déficit habitacional. Isso reflete a falta de políticas habitacionais estruturadas no país”, declara.

Na prática, segundo a representante da UNMP, a faixa 1 do MCMV, apesar de ser a que mais precisa de crédito imobiliário, foi a mais prejudicada com a exclusão no novo programa. “A consequência disso é a tragédia da habitação, com mais gente morando nas ruas, mais gente morando em condições precárias e de risco e mais casos de despejos provocados por falta de condições de pagar as prestações da moradia”, prega. Segundo ela, as famílias não podem mais esperar, pois moradia é direito, é princípio e é a partir dela que, muitas vezes, se realizam os demais direitos no Brasil.

Para Getúlio Vargas Júnior, presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), a MP da Casa Verde e Amarela joga para o mercado financeiro famílias de baixíssima renda, a chamada moradia de interesse social. “É um retrocesso em relação ao MCMV, sobretudo por entregar para os bancos privados a produção habitacional, tirando a exclusividade dos bancos públicos. É a Caixa que faz a maior parte das operações ao responder por 70% do crédito imobiliário no país”, reitera.

O presidente da Conam esclarece que o movimento comunitário e de bairro irá seguir mobilizado e combatendo essa narrativa privatista. “Mas, para destruí-la e voltar a um processo de construção coletiva e de participação popular, só derrotando Bolsonaro e seu governo”, completa.  

O coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, também avalia que a MP do programa Casa Verde e Amarela transformada agora em lei, como todas as medidas do governo Bolsonaro, atenta contra os interesses das classes populares. E ressalta: “Uma política habitacional sem subsídios exclui praticamente 80% da população de ter acesso à moradia no país, exatamente onde fica concentrado o maior déficit habitacional. O que o Minha Casa Minha Vida previa, um subsídio para a população de baixa renda, agora desaparece com o velho programa travestido de novo. O subsídio foi uma revolução trazida pelo MCMV, por permitir que um contingente de 1,2 milhão de pessoas tivesse acesso à casa própria”.

Raimundo Bonfim considera absurdo e inaceitável ver um país que vinha construindo uma política nacional de habitação, com uma série de ações aprovadas pelos conselhos e conferências de cidades, jogar tudo no lixo e voltar para antes dos anos 2000, quando apenas existia política habitacional para quem tinha mais renda. “Quem mais precisa, fica de fora. É isso o que faz Bolsonaro com toda a classe trabalhadora: ataca direitos, desmonta programas como o Minha Casa Minha Vida e cria apenas projetos de fachada como o Casa Verde e Amarela, que não atende a população de baixa renda”, lamenta.

De acordo com Bonfim, a Central de Movimentos Populares continuará denunciando o governo Bolsonaro e suas políticas de desmonte social, como está ocorrendo com o programa Minha Casa Minha Vida.