Escrito por: Redação RBA
"É inadmissível que a criança passe um dia dentro da prisão", afirma advogado Pedro Hartun
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu nesta terça-feira (20), por quatro votos a um, habeas corpus coletivo que beneficia mulheres em prisão preventiva que estejam grávidas, tenham filhos até 12 anos ou com alguma deficiência. "Temos 1.800 crianças presas junto de suas mães no Brasil. Isso é inadmissível", afirma o advogado Pedro Hartung, do Instituto Alana.
O Instituto entrou como amicus curiae (amigo da causa) no processo, a fim de dar mais elementos para que o tribunal chegasse ao veredicto. “O principal foco de nossa contribuição é ressaltar quais são os impactos nas filhas de mães presas. Tem uma série de violações as quais essas crianças estão submetidas", diz Hartung. "É inadmissível que a criança passe um dia dentro da prisão. A sanção aplicada a uma pessoa não pode ultrapassar o seu corpo, não pode ir para outros indivíduos.”
A Segunda Turma da Corte é composta pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. O habeas corpus foi ajuizado pela Defensoria Pública da União. De acordo com o órgão, a maioria das prisões brasileiras não possui condições adequadas para abrigar mulheres grávidas ou com filhos pequenos. O Ministério Público Federal se posicionou contrário à medida, alertando para o risco de que as mulheres possam ser utilizadas como laranjas ou mulas em razão da medida.
O relator do pedido, o ministro Lewandowski, disse que o habeas corpus é admissível dentro do processo legal. “Temos 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”. O ministro ainda previu que a prisão domiciliar pode ser revista por juízes e alterada por medidas cautelares desde que a decisão seja fundamentada.
A advogada Dora Cavalcanti, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), entidade que também participou como Ammicus Curiae, disse que a medida sinaliza uma “proteção judicial efetiva, palpável e de longo prazo”, que pode vir com a edição de uma súmula vinculante, a ser apreciada pelo plenário do Supremo.
Para a concessão do habeas corpus, Lewandowski ressaltou que as beneficiárias são facilmente identificáveis, e que ele mesmo já enviou ofícios ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e aos estados pedindo a lista dessas mulheres. De acordo com o ministro, lamentavelmente apenas São Paulo ainda não teria enviado.
Dias Toffoli e Gilmar Mendes seguiram o relator pela procedência do habeas corpus coletivo. O decano da Corte, Celso de Mello, também seguiu o voto de Lewandowski, definido por ele como "histórico e em perfeita harmonia com a legislação processual". A ideia de acrescentar ao habeas corpus filhos deficientes foi de Gilmar Mendes. O presidente da turma, Edson Fachin, foi o único voto contrário. Para ele, o juiz deveria analisar cada caso. A decisão deve ser acatada em todo o país em até 60 dias.
O assunto ganhou força e mídia recentemente em razão de Jéssica Monteiro, que foi presa após ser flagrada com 90 gramas de maconha. Ela entrou em trabalho de parto em uma cela, foi levada a um hospital e, após o nascimento de seu filho, voltou a ser presa. Além do bebê, a jovem de 24 anos tem outro filho de três anos. Jéssica é ré primária e ficou detida na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte da capital. Dois dias após a prisão, a Justiça acatou um pedido de habeas corpus.
“Esse julgamento diz respeito a várias Jéssicas espalhadas pelo Brasil. Por isso a importância dele. É um habeas corpus que visa tutelar o direito das mulheres presas e mães, que é um direito claramente previsto desde 2016, com o Marco Legal da Primeira Infância, que introduziu a possibilidade de mulheres em prisão preventiva de acompanharem o julgamento em liberdade ou em prisão domiciliar”, disse Hartung sobre o tema.
O advogado explica que o desenvolvimento da criança é afetado quando em ambiente insalubre. “Crianças que não convivem com seus familiares nos primeiros anos de vida, ou que ficam em ambientes estressantes como prisões, desenvolvem uma síndrome chamada ‘estresse tóxico’, que é um termo cunhado por especialistas em neurociência para descrever que o ambiente provoca disrupções na arquitetura neuronal do cérebro, impactando severamente o desenvolvimento dessas crianças.”