Escrito por: Andre Accarini

Surtos de Covid em frigoríficos escancaram urgência de medidas de segurança eficazes

Maior distância entre trabalhadores na linha de produção é reivindicação de sindicatos. “Enquanto não resolver o espaçamento dentro da empresa, não vai resolver o problema dos surtos”, alerta dirigente sindical

Agência Brasil

As medidas de segurança adotadas pelos frigoríficos brasileiros ainda não foram suficientes para conter o avanço da epidemia do novo coronavírus (Covid-19) entre os trabalhadores e trabalhadoras do setor. Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostram uma grande concentração de casos na região Sul, do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, que tem 51 mil trabalhadores no setor.

Em 21 indústrias instaladas em 16 municípios diferentes do estado gaúcho onde há casos de Covid-19, de um total de 24.488 trabalhadores, 2.161 foram diagnosticados com a doença, três morreram. Além disso, foram registradas outras dez mortes de pessoas que tiveram contato com os operários infectados.

Em Santa Catarina a situação não é diferente. No estado, somente na BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, 340 trabalhadores foram diagnosticados com a Covid-19. A empresa tem 5.132 funcionários e o número de infectados representa 6,6% do total.

Nos dois estados, tanto a Justiça quanto agentes sanitários locais já interditam frigoríficos para proteger a vida dos trabalhadores mais de uma vez. No Rio Grande do Sul foram interditados os frigoríficos BRF e Minuano, de Lajeado. O da JBS, em Passo Fundo, foi interditado duas vezes.  

Os dois frigoríficos de Lajeado foram reabertos no dia 18 de maio, porém com restrições no número de trabalhadores. Na fábrica da Minuano, 67% dos exames realizados deram positivo para Covid-19. Na BRF, 19% dos trabalhadores também testaram positivo.

A JBS de Passo Fundo foi reaberta no dia 20 de maio, 25 depois da interdição. Por meio de nota a empresa informou que “prioriza a saúde dos colaboradores e adota um protocolo rigoroso de segurança contra a COVID-19”

Mas, os riscos à saúde e a vida dos trabalhadores não estão restritos aos que trabalham em frigoríficos do Sul do País. Nesta quarta-feira (27), a Justiça do Trabalho determinou a suspensão imediata das atividades do frigorífico JBS de São Miguel do Guaporé (RO) por causa de contaminação em massa de Covid-19 entre os trabalhadores, segundo reportagem do G1.

De acordo com a matéria, a unidade foi denunciada pelo Ministério Público de Rondônia e Ministério Público do Trabalho porque cerca de 30 funcionários  foram infectados pelo coronavírus apenas nesta semana e outros 40 estão com sintomas.

Para o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS), Paulo Madeira, as medidas adotadas até agora não têm total eficácia para impedir o avanço do surto porque não são aplicadas em todas as dependências das indústrias, onde segundo ele, há aglomeração durante o trabalho.

Ele explica que as medidas “vão até o cartão de ponto” da empresa, e dali para frente, a situação se complica. “Nós conseguimos implantar várias rotinas para proteger os trabalhadores, como o transporte até as fábricas, com mais ônibus e cada um com somente metade da capacidade de passageiros para garantir a distância entre eles. Nos portões também conseguimos organizar a entrada dos trabalhadores”, diz o dirigente.

Mas ele lamenta que ainda dentro da fábrica, na linha de produção mais especificamente, o trabalho é quase que “ombro a ombro”, ou seja, trabalhadores ficam muito próximos uns dos outros e enquanto não houver uma atitude mais firme para mudar o espaçamento dentro das fábricas, será difícil controlar as infecções.

“As empresas têm que ouvir os sindicatos também. Já propusemos alteração de jornada de trabalho. Ao invés de dois turnos de oito horas e 47 minutos por dia, fazer três turnos de seis horas. Não afeta a produção e dá pra manter menos trabalhadores por turno, mais distantes uns dos outros”.

Mas as empresas não dialogam, segundo o dirigente, apesar de os sindicatos já terem, inclusive, enviado as propostas, de forma oficial, para Assembleia Legislativa, Governo do estado e Ministério Público do Trabalho.

Madeira vai além e diz que a proximidade aumento o risco de contágio mesmo com equipamentos de segurança. “O trabalhador fica mais de oito horas por dia com uma máscara. Chega um momento, em que ele não aguenta e acaba tirando por alguns segundos, para respirar e isso é suficiente para proliferar o vírus”, ele diz.

Por causa das normas sanitárias, nos ambientes refrigerados onde estão esses trabalhadores – a linha de produção dos frigoríficos – a ventilação é menor para que se evite a circulação de bactérias. No entanto, para o vírus, de acordo com Paulo Madeira, as condições são favoráveis.

Outro fator que o dirigente chama atenção é o período pós trabalho. “Nós não temos como obrigar os trabalhadores a manterem isolamento em suas casas. Às vezes ficamos sabendo de gente que fez churrasco com a família no fim-de-semana e isso representa risco, todo mundo sabe”, afiram o presidente da federação.

MPT

O Ministério Público do Trabalho está avaliando as condições de trabalho durante a pandemia do novo coronavírus em mais de 60 frigoríficos em 11 estados do país. O setor é considerado serviço essencial e a produção nas indústrias não foi paralisada desde o início da pandemia.

A Procuradora do Trabalho Flávia Funck, do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio grande do Sul, relata que foram realizadas várias audiências com unidades das empresas em todo o país.

“Muitas delas firmaram um TAC [Termo de Ajuste de Conduta] para adequar as condições de trabalho durante a pandemia, respeitando recomendações do MPT, sob pena de multa ou execução judicial na Justiça do Trabalho”, diz a procuradora.

Mas há unidades de empresas que se recusaram. Um dos casos é a JBS de Passo Fundo (RS) que se recusou a firmar o TAC e foi interditada no dia 24 de abril por auditores fiscais do trabalho. A interdição ocorreu, em especial, por a empresa não respeitar distância entre trabalhadores nas dependências das unidades, falta de uso de máscaras e de controle epidemiológico, ou sejam, o monitoramento de todos os trabalhadores afastados.

Paulo Madeira, presidente da FTIA/RS, afirma que pela falta de segurança, houve um surto grande na unidade, que ficou cerca de 30 dias fechada. “O gerente decidiu não fazer nada e aconteceu. Dos 2.400 funcionários, 48 foram diagnosticados”, diz o dirigente.

Tac´s firmados

Em todo o país, 64 Termos de Ajuste Conduta com unidades das empresas BRF, Aurora, GT Foods, Agrodanieli, Dalia, Minuano, Nicolini e São Salvador.

Foram instaurados inquéritos civis para investigação em 30 unidades de frigoríficos e três ações civis públicas ajuizadas contra empresas que não respeitam regras de segurança contra o coronavírus .

Covid-19 no RS

A cidade de Lajeado, a 113 km de Porto Alegre, que abriga empresas como a BRF, apresenta o maior número de casos confirmados entre esses trabalhadores. Eram 892 até a última terça-feira (27). A capital gaúcha vem em seguida com 603 casos e a cidade de Passo fundo, onde estão fábricas da JBS, em terceiro lugar com 480 casos.