Escrito por: RBA

Tarcísio quer mandar moradores de rua de SP para trabalhar em fazendas do interior

Entidades alertam alto risco de proposta do governador levar moradores de rua a serem submetidos a condições análogas à escravidão

Jorge Araújo / Fotos Públicas

O governo de São Paulo, sob o comando de Tarcísio de Freitas (Republicanos), está prestes a lançar um programa que pretende transferir pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo para o interior do estado, onde seriam contratadas para trabalhar em propriedades agrícolas. Divulgado pela imprensa nesta quinta-feira (13), o projeto “Saindo das Ruas” já está sendo fortemente questionado por ativistas e movimentos que atuam junto à essa população. 

A proposta do governo paulista prevê, para incentivar a contratação, a compra pelo estado de parte da produção das fazendas e empresas agrícolas que firmarem a parceria. O custeio do transporte da população em situação de rua também será feito pelo poder público. O objetivo do plano, segundo a gestão, é capacitar essas pessoas e oferecer oportunidade de trabalho no campo. A administração de Tarcísio aponta que hoje existem 86 mil de moradores de rua em São Paulo. Sendo que 52 mil delas estão na capital.

O projeto é baseado na Lei que criou o Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social, em 2011. A medida estabelece que o cultivo familiar deve ser estimulado, destinando 30% da verba para a compra de alimentos em produtos da agricultura familiar. A aplicação da lei, porém, caiu em desuso. O que vem sendo usado agora para justificar o projeto desenhado pela Secretaria de Desenvolvimento Social.

Exploração e falta de fiscalização

Até o momento, a proposta não foi discutida com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), por exemplo, ou com os movimentos da população em situação de rua. 

“Vejo com extrema preocupação a proposta de Tarcísio de deslocar pessoas em situação de rua pra propriedades agrícolas. O poder público não é capaz de fiscalizar os próprios albergues que submetem essas pessoas a condições desumanas. Como fiscalizarão essas fazendas?”, questionou a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) em suas redes sociais.

A advogada popular e parceira do Movimento Nacional da População de Rua, Kelseny Medeiros Pinho também chama a atenção para o risco de trabalho análogo à escravidão que a falta de fiscalização do estado abre. “A prefeitura [de São Paulo] e o governo do Estado nunca foram capazes de fiscalizar os locais onde pagam valores astronômicos para manter as pessoas em situação de rua em situação indigna na cidade, você acredita que vão conseguir fiscalizar maus tratos em fazendas particulares? Já ouvimos essa história. Procure maus tratos e comunidades terapêuticas no Google e você terá uma resposta”, contestou. 

Especialistas contestam

A proposta do governador Tarcísio de Freitas para os moradores de rua da capital também é alvo de questionamentos da Defensoria Pública de São Paulo. De acordo com a coordenadora-auxiliar do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, Fernanda Balera, em entrevista ao g1, o órgão ainda não teve acesso ao programa que considera promotor de uma “política de exclusão que ofende o direito constitucional à liberdade”. Também segundo a defensora, a proposta falta com informações sobre a capacitação dos trabalhadores e suas remunerações e condições de trabalho.

O que também contraria a diretriz da Política Estadual de Atenção Específica para a População em Situação de Rua “de respeito às singularidades de cada pessoa em situação de rua, com observância do direito de livre circulação entre municípios e a permanência nos municípios que forem mais convenientes à manutenção de sua vida e dignidade, conforme opção de cada indivíduo”, destacou.

Programa da prefeitura de São Paulo para a população de rua não prioriza habitação. ‘Mais do mesmo’
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua, o padre Júlio Lancellotti observou ainda que a proposta da gestão Tarcísio desconsidera a pluralidade da população em situação de rua. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o pároco ressaltou que muitas pessoas não podem ir para o trabalho agrícola porque são idosos, ou doentes que precisam de tratamento, ou ainda porque são pessoas com alguma deficiência. “Quem será enviado? Para aonde e onde vai morar? Como será remunerado? Registrado em carteira, com todos os direitos trabalhistas? Serão garantidos os direitos previdenciários? Será que essa é a única solução?”.

“A população de rua é extremamente pluralista e a experiência que nós temos de pessoas em situação de rua trabalhando em colheitas, como a da maçã e do tomate, é de trabalho bastante análogo ao da escravidão”, alertou Lancellotti.

O que diz o governo

Em 2020, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo também flagrou condições insalubres e precárias nos centros de acolhimento da prefeitura para essa população. Foram encontrados galpões superlotados e sem o número adequado de funcionários, banheiros e materiais de higiene insuficientes, além de instalações infestadas de pombos, pulgas e percevejos.

Abrigos para população de rua estão superlotados e infestados de insetos
A Secretaria de Desenvolvimento Social do governo Tarcísio de Freitas afirma, contudo, que o programa para moradores de rua que está para ser lançado “terá como eixo capacitação, emprego e renda, seja na zona rural ou nas cidades. A iniciativa que vem sendo definida em parceria com as demais pastas, leva em consideração questões de acolhimento, acompanhamento, segurança e geração de renda”.